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Surtos autoritários – Editorial | O Estado de S. Paulo
É crucial, mais do que nunca, que as instituições não se dobrem à truculência dos que se mostram incapazes de se subordinar à ordem democrática
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello chamou recentemente a atenção para o “momento extremamente delicado” que o País atravessa. O decano do STF denunciou os “surtos autoritários” e os “inconformismos incompatíveis com os fundamentos legitimadores do Estado de Direito”. Apontou também as “manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade civil”, estimuladas pela “atuação sinistra de delinquentes que vivem na atmosfera sombria do submundo digital”. Esses delinquentes seriam parte de um “estranho e perigoso projeto de poder”.
Uma vez implementado, disse o ministro Celso de Mello, tal projeto de poder “certamente comprometerá a integridade dos princípios que informam e sobre os quais se estrutura esta República democrática e laica, concebida sob o signo inspirador e luminoso da liberdade, da solidariedade, do pluralismo político, do convívio harmonioso entre as pessoas, da livre e ampla circulação de ideias e opiniões, do veto ao discurso do ódio, do repúdio a qualquer tratamento preconceituoso e discriminatório, do respeito indeclinável pelas diferenças e da observância aos direitos fundamentais de todos os que integram, sem qualquer distinção, a coletividade nacional”.
Não foram palavras ao vento. O surto autoritário a que aludiu o ministro de fato está em pleno curso. Em nome de uma guerra imaginária contra o “comunismo”, mobilizam-se as energias do Estado e da sociedade para combater impiedosamente um inimigo que, como uma insidiosa bactéria, estaria infiltrado no corpo nacional. Essa mobilização se dá tanto na superfície, por meio de ações e declarações dos atuais ocupantes do governo, como no subterrâneo das redes sociais, onde habitam os delinquentes a que aludiu o ministro Celso de Mello.
Numa luta dessa natureza, é claro que a democracia é um obstáculo, pois esse regime pressupõe o respeito à opinião alheia e a aceitação dos limites impostos pela lei. Todo aquele que critica o atual governo ou se dispõe a lhe fazer oposição política tem sido tratado como “comunista” – isto é, como inimigo – pelas milícias digitais bolsonaristas, estimuladas explicitamente por integrantes do primeiro escalão da administração federal e da família do presidente Jair Bolsonaro, quando não pelo próprio Bolsonaro.
Os protestos no Chile e no Equador contra governos vistos por Bolsonaro como aliados na tal luta contra o “comunismo” serviram de pretexto para que o presidente invocasse a possibilidade de mobilizar as Forças Armadas a fim de conter, no Brasil, eventuais atos “terroristas” – que é como Bolsonaro qualificou as manifestações no Chile.
Ora, numa democracia, nenhum projeto de poder é legítimo se nele opositores são tratados como “terroristas”, se contra estes se ameaça usar força militar, se a imprensa livre é considerada inimiga e se sicários digitais são incitados a destruir reputações alheias e a disseminar mentiras para confundir a opinião pública em favor da ideologia do presidente e de seu entorno.
Não se sabe qual será o próximo passo da escalada, mas o alerta do ministro Celso de Mello está longe de ser um exagero; deve, ao contrário, ser levado a sério por todos aqueles que, malgrado sua eventual decepção com a política, ainda acreditam que a democracia é o melhor regime.
Sabe-se que ainda há inconformados com a redemocratização do Brasil. Para estes, o País foi entregue de mão beijada aos “comunistas” derrotados nos porões da ditadura militar, razão pela qual não demonstram o menor respeito pelo regime democrático. Antes limitados às margens da política, esses radicais se julgam agora com poder para desafiar a ordem que, em sua concepção, foi criada para dar boa vida a esquerdistas. A tentação autoritária, portanto, está no ar.
Sendo assim, é crucial, mais do que nunca, que as instituições não se dobrem à truculência dos que se mostram incapazes de se subordinar à ordem democrática. Antes que a serpente da tirania choque seu ovo, cabe aos homens e mulheres responsáveis deste país seguir o exemplo de Celso de Mello e colocar-se de prontidão contra os liberticidas que ousem atentar contra a República.
O governo político ameaça o governo que trabalha – Editorial | O Globo
Ruídos provocados por Bolsonaro e filhos atraem atenção, e as áreas que funcionam ficam em segundo plano
Há peças que precisam se ajustar para a economia se mover para a frente. Poder de compra da população, inflação, investimentos são apenas alguns fatores que interagem para propiciar aumento na produção, mais emprego, mais consumo. Existem indicadores que mostram melhorias em vários setores, sinais de que a economia se move — crescem o número de lançamentos imobiliários (quase dobrou no segundo trimestre), a venda de veículos (expectativa de mais de 10% no ano), a reação no comércio varejista (o melhor julho em seis anos). Tudo muito abaixo do pico em 2013/2014, mas em ascensão.
Segmentos do governo e do Congresso que não se envolvem na cansativa e estéril guerra ideológica têm tempo para trabalhar. Os resultados aparecem. A aprovação da reforma da Previdência é o principal. Há outros projetos em andamento que também são peças que se encaixam neste processo de aceleração do crescimento.
Os ruídos provocados pelo presidente Bolsonaro e família atraem muita atenção, e o governo que funciona fica em segundo plano. Tuítes descabidos, declarações impensadas, brigas partidárias repercutem mais do que leilões de infraestrutura e energia elétrica: os certames realizados até agora já garantiram investimentos privados de R$ 22,4 bilhões nos próximos anos. Um único leilão no setor de energia assegura investimentos de R$ 11,1 bilhões.
A política de atração do setor privado para estas áreas adotada no governo Temer tem sequência com Bolsonaro. Já houve 20 leilões de projetos em portos, ferrovias, aeroportos, estradas e energia elétrica. Este ano, empresas que arremataram projetos já destinaram ao Tesouro R$ 5,8 bilhões.
Até o final do governo, em 2022, há uma carteira de projetos a serem leiloados que podem significar R$ 230 bilhões em investimentos do setor privado ao longo do tempo. Sem considerar as altas cifras dos leilões de petróleo e gás. Para uma economia anêmica em termos de ampliação da infraestrutura em geral, uma boa perspectiva.
Onde há carência, existem oportunidades de investimentos. E as carências brasileiras são inúmeras. Nos transportes há várias. A meta do Ministério da Infraestrutura é passar para a iniciativa privada 16 mil quilômetros de rodovias federais. Tudo dando certo, haverá nelas R$ 137 bilhões de investimentos.
É historicamente difícil no Brasil o modal das ferrovias. Mas o ministério conseguiu atrair interessados em explorar 1.537 quilômetros, o principal trecho da Ferrovia Norte-Sul, entre São Paulo e Goiás. Espera-se que os casos se multipliquem, enquanto há excesso de liquidez em um mundo em desaceleração econômica.
O Brasil, se não errar muito, continuará a ser uma boa opção para este dinheiro que não consegue retornos aceitáveis numa fase de juros muito baixos em todos os mercados globais. Até no brasileiro. O risco dos erros se concentra no Palácio e no anexo da família Bolsonaro.
Os investidores analisam o grande potencial econômico do país. Mas também se preocupam com a estabilidade política. A cada crise gerada pelo próprio governo, algum investidor se retrai na Ásia, Europa e América do Norte. O governo que trabalha pode seguir em frente, mas sempre será afetado pelo governo que só se preocupa com a luta política e as desavenças pessoais.
Abrir e competir – Editorial | Folha de S. Paulo
Ainda a detalhar, plano para expor empresas à competição externa é bem-vindo
O Brasil deveria caminhar para tornar-se uma economia competitiva e uma sociedade inclusiva. Esses objetivos só serão alcançados mediante uma série de reformas que retirem entraves e privilégios do setor produtivo e que, do outro lado, condicionem o Estado como alavanca de ascensão social para dezenas de milhões de brasileiros.
Nessa marcha, o governo fará melhor se transferir as decisões e os riscos de produzir para a iniciativa privada, enquanto se especializa em zelar para que as regras do jogo econômico sejam simples, estáveis, não discriminatórias —e estimulem, assim, a competição.
Essa convicção tem levado a Folha a apoiar, em seus editoriais, projetos liberalizantes em todos os governos e legislaturas que se sucederam neste ciclo democrático. Não é diferente agora, com a agenda de modernizações abraçada pelo Ministério da Economia e pelas lideranças da Câmara e do Senado.
Vencida a mudança na Previdência, cujo efeito na redução de desigualdades no acesso a esse bem público é ao menos tão importante quanto a economia para o erário, o ministro Paulo Guedes indica que pretende abrir mais a economia à concorrência internacional.
Pelo que foi ventilado até agora, haveria um ambicioso programa de reduções unilaterais do imposto de importação, que faria a proteção média da indústria cair, ao longo de quatro anos, dos atuais 13,6% para 6,4% do preço do bem adquirido de empresa estrangeira.
Essa média geral embute, como se noticiou, reduções acentuadas em segmentos como automóveis e calçados, borracha e aço. Associações que representam interesses industriais reclamam da profundidade e da velocidade propostas.
Não se pode descartar a hipótese de que o governo de Jair Bolsonaro (PSL), ao dar tais sinais, deseja na verdade pressionar os parceiros no Mercosul —Argentina, Paraguai e Uruguai— a preservar uma política de abertura conjunta.
Não há dúvida, no entanto, que interessa ao Brasil abrir-se ao comércio externo com certa rapidez, dado o seu atraso nessa agenda. A melhor teoria e a melhor evidência concordam que estimular a troca de bens e serviços entre países impulsiona a produtividade e a prosperidade de suas populações.
Mas é preciso atentar para o fato de que investimentos foram feitos sob regras de proteção, que não deveriam ser subvertidas da noite para o dia, sem regimes de transição. Arrancar de parceiros comerciais concessões para as exportações brasileiras nesse processo, quando possível, também é boa diretriz.
Quanto ao Mercosul, a alternativa de reduzi-lo a um acordo de livre comércio —o que liberaria o Brasil para determinar suas próprias tarifas de importação— tampouco deveria ser descartada pelas autoridades brasileiras.
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