- Folha de S. Paulo
Coronelismo moderno se dá em meio às redes sociais
Os grandes personagens que têm animado nossa vida política estão profundamente mergulhados em um imaginário social excludente, masculino e alicerçado na legitimação da desigualdade. O mais paradigmático desses personagens talvez seja o coronel.
Não seria exagero dizer que, mesmo nos dias atuais, o sistema político brasileiro foi capaz de aprofundar algumas das estruturas mais perversas do coronelismo, a partir do personalismo e de padrões autoritários de comportamento gerados nesse longo processo histórico.
Afinal, a cultura brasileira ainda é rica nas características gestadas em todo o nosso processo social e histórico, tendo o coronel como figura chave do mandonismo brasileiro e um ator central na estrutura do poder. Tão grande foi o seu papel na construção de nosso imaginário social que ele se transformou numa espécie de “mestre da significação”.
Como a instituição imaginária que gerou nosso processo político muito antes do advento da República, o coronel foi instituinte do processo político brasileiro —ou seja, seus padrões de comportamento no poder moldaram nossas instituições, abortando em muitos aspectos nosso processo democrático.
Fomos, antes, marcados pelo nepotismo, compadrio, personalismo e outras características ligadas a um mundo social que se instituiu pela força do poder e não pelas construções coletivas. Instituições como a escravidão e o latifúndio têm forte papel nesse contexto.
O coronel é o personagem fundamental da chamada Primeira República, mas cujos restos sobrevivem até hoje. Inclusive no mundo empresarial, onde ainda existem traços desse coronelismo de viés autoritário.
Esse é um motivo para que, em grande parte a gênese de nossa gerência dê as costas para padrões modernos de gestão de pessoas. Assim, o coronel é uma figura central, o mestre da significação no mundo que fomos capazes de construir e que nos habita até hoje.
Não é por acaso que ele está no epicentro de nosso dilema. De um lado, as instituições que o coronelismo gerou não são mais capazes de dar conta de uma sociedade moderna como a que temos. De outro, ainda estamos presos aos personalismos e as saídas autoritárias.
No grande altar que construímos na política da ambiguidade que o coronel porta, colocamos o capitão Jair Bolsonaro no poder.
Moderno quando usa os meios de comunicação de massa digitais, mas arcaico quando o faz de forma personalista e autoritária —e ainda mais focado na sua própria família, símbolo maior da sociedade tradicional que queremos e precisamos vencer.
Decorre daí considerável parte da inadequação de seu funcionamento nos dias atuais. Sua inexorável crise.
Nosso sistema centralizado de poder foi construído garantindo o controle das elites nas instituições, inclusive as partidárias.
Tudo passa pela compreensão mais generosa e atenta de importantes características da sociedade brasileira. Entre elas, a invenção do coronel e a manutenção das instituições criadas a partir dele.
*João Gualberto Vasconcellos, doutor em sociologia política pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) e autor do livro ‘A Invenção do Coronel: ensaio sobre as raízes do imaginário político brasileiro’ (ed. Edufes)
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