- Folha de S. Paulo
O que há de tão especial no instante do nascimento?
Deu na revista The New Yorker que a astrologia está em alta. A geração millennial não vê problemas em crer simultaneamente na influência dos astros sobre nossas vidas e na ciência. Quase 30% dos norte-americanos acreditam em astrologia, e o setor de serviços místicos já movimenta US$ 2,2 bilhões anuais no país.
Como liberal autêntico, não quero impedir ninguém de fazer o que deseja. A astrologia, assim como a religião, a poesia, a filatelia, a pornografia e o uso de drogas, é fonte legítima de prazer para os apreciadores. Mas, ao contrário dos millennials, eu vejo um problema em sustentar, na esfera pública, que ciência e astrologia são compatíveis.
Uma das funções da ciência é justamente a de retirar do radar da sociedade ideias equivocadas. Foi assim que aposentamos a teoria dos miasmas ou o uso de metais pesados para tratar doenças.
E os pressupostos da astrologia são demonstravelmente despropositados. Em primeiro lugar, cabe perguntar o que há de tão especial no instante do nascimento. É aceitável que, cinco milênios atrás, os sumérios que fundaram a astrologia atribuíssem um peso mágico a esse momento. Hoje, porém, conhecemos um bocadinho mais de embriologia e podemos afirmar sem medo de erro que bebês têm intensa vida intrauterina várias semanas antes de passar pelo canal vaginal.
Igualmente estranho é limitar o estoque de astros capazes de influenciar o destino das pessoas aos objetos celestes conhecidos à época que a astrologia foi catalogada. Por que não incorporar à "ciência" também os exoplanetas, que já são mais de 4.000?
Como já disse, no plano individual, cada um pode divertir-se com o que preferir, mas, a partir do momento em que aceitamos o vale-tudo epistemológico no discurso público, não devemos mais nos surpreender com o surgimento de coisas como o terraplanismo e movimentos antivacina.
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