Folha de S. Paulo
Para que não haja mais guerras, devemos
travá-las como animais
Para que não haja mais guerras,
devemos travá-las como animais, sem fazer prisioneiros e sendo tão cruéis quanto
possível com o inimigo. Chocante? Hoje, sem dúvida, mas esse tipo de raciocínio
era relativamente comum até o início do século 20. Ele está presente, por
exemplo, nas reflexões que Leon Tolstói põe na boca do príncipe André, um dos
protagonistas de "Guerra e Paz".
É verdade que, à medida que Tolstói foi se tornando um fanático religioso, também foi abraçando um pacifismo que soa menos paradoxal a nossos ouvidos modernos. Mas talvez o príncipe André não estivesse tão errado assim.
"Humane" (humanitário), de Samuel
Moyn (Yale), mostra como os esforços para disciplinar a guerra, tornando-a
menos letal, acabaram modificando-a —e de um jeito que talvez não seja o
melhor. Enquanto alguns ativistas, tidos por românticos irrealistas, insistiam
que era preciso tornar as guerras um crime, os pragmáticos diziam que, dada a
inevitabilidade dos conflitos, o melhor a fazer é definir alguns crimes de
guerra e tentar bani-los. Especialmente após a Primeira Guerra, a visão do
segundo grupo preponderou, e os conflitos foram se tornando, no papel, cada vez
mais regulados.
O governo e os militares americanos (o
livro é principalmente sobre os EUA) abraçaram a causa. Mesmo quando estavam
dispostos a violar as regras, mobilizavam divisões de advogados para tentar
justificar coisas como "waterboarding",
prisões sem acusação etc. Houve também consideráveis avanços tecnológicos.
Unidades de operações especiais e drones substituíram infantarias e
bombardeios.
O resultado é que as guerras, agora menos
letais, se tornaram ubíquas e mais duradouras. Os EUA hoje se dão o direito de
eliminar "terroristas" em qualquer país e a qualquer tempo. Operações
tipicamente policiais são executadas sob a rubrica e as leis da guerra, o que
representa um retrocesso em termos de direitos humanos.
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