O Estado de S. Paulo.
Há quem acredite saber exatamente ‘o que
fazer’ e se dedique a convencer os demais a acreditar nisso em busca do poder
Começamos muito mal esta terceira década do
século 21. É assustador imaginar os desdobramentos desta crise, que transcende
em muito a questão ucraniana. Os horrores da guerra, o sofrimento causado ao
povo da Ucrânia, terão consequências globais, geopolíticas e econômico-sociais
que se projetarão por anos. As incertezas, os riscos e a volatilidade, que já
não eram pequenos, acentuaram-se sobremaneira com os choques de oferta, as
fortes pressões inflacionárias e a inevitável redução da taxa de crescimento global.
“É assustador imaginar que não sabemos
algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido
por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo.” A frase de
Amos Tversky poderia ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber
exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso –
como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar.
Bolsonaro já está no poder e nele pretende continuar, para o que precisa obter 50% + 1 dos votos válidos nas próximas eleições. Conta, para tanto, com o relato de seus feitos neste primeiro mandato, turbinando a narrativa com o uso de sua ampla militância digital nas redes sociais. Conta, também, com os instrumentos do poder – a prerrogativa de nomear, demitir, cooptar, ameaçar, prometer e distribuir benesses. Esse poder do incumbente não deve ser subestimado, principalmente quando se está disposto a fazer o que for necessário, custe o que custar, para alcançar o objetivo de mais um mandato. Pouco importa que outros não concordem, desde que representem menos de 50% dos votos válidos. Se forem mais, é sempre possível alegar fraude; o modelo Trump vem sendo seguido à risca, desde 2016.
Lula, por sua vez, parece crer que fala por
si só o (autoproclamado) sucesso, extraordinário, do governo do “nunca antes na
história deste país”. A impressão é de que pretende apenas reativar uma memória
seletiva no eleitorado e repetir, com eloquente convicção, que conhece os
grandes desafios do presente, como também a forma de lidar com eles no futuro.
Afinal, já o teria feito com êxito no passado. Ao eleitorado caberia ouvir suas
generosas promessas – e confiar.
Em novembro de 2006, reeleito para seu segundo
mandato, Lula afirmou: “Eu vou me dedicar, até 31 de dezembro, a destravar o
País. Ou seja, tem algo, e não me pergunte o que é, que eu ainda não sei, e não
me pergunte a solução, que eu não a tenho, mas vou encontrar, porque o País
precisa crescer. (...) me deixe trabalhar que eu vou pensar direitinho no que
vou fazer”. Naquele mesmo mês, seu ministro da Fazenda anunciou: “Nosso
objetivo máximo é implantar o social-desenvolvimentismo. (...) Hoje é um novo
modelo. É inédito no País”. E surgiu o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) para o quadriênio 2007-2010. Nada menos que 1.600 “ações do governo”, das
quais mais de 900 eram “obras” e mais de 700, “estudos e projetos em
andamento”. Todos a serem monitorados pela Casa Civil da Presidência da República,
chefiada por Dilma Rousseff. (Não à toa, o PAC foi alcunhado por Eduardo
Giannetti de “Programa de Abuso da Credulidade”.)
“Nos países não apenas capazes de formar um
governo, mas efetivamente governados, existe uma relação entre grupos e
programas em torno de certas questões de fundo. Mas um sistema de partidos
complicados, onde por ‘governabilidade’ se entende até a difícil equação de
formar um governo, não se fazem alianças com base em opções de fundo
(governabilidade em sentido forte): as opções são feitas com base em possíveis
alianças, de tal forma que por vezes tornam as opções de fundo impossíveis.”
Essas palavras de Norberto Bobbio,
relativas à Itália, aplicam-se como uma luva ao Brasil. Lula demorou quase
cinco meses após sua reeleição para completar seu ministério – com nada menos
que 36 ministros, 16 dos quais do PT. E precisou do “mensalão” e do “petrolão”
para assegurar certa “governabilidade”. Dilma chegou a ter 39 ministros.
Quantos ministros serão necessários no quadriênio 2023-2026?
Conhecido economista ligado ao PT assim se
expressou em meados de 2017: “Na economia, há quase um consenso de que o País
precisa de reformas estruturais para viabilizar um novo ciclo de
desenvolvimento” (...) “É certo que mudanças são necessárias na Previdência e
na legislação trabalhista, assim como na tributação, na remuneração dos
servidores públicos, no gasto social e, também, no gasto financeiro do governo”
(...) “A solução da crise atual requer um debate equilibrado e transparente de
questões impopulares, inclusive nas campanhas eleitorais, inclusive pela
esquerda”.
Referi-me a esse texto como encorajador, em
artigo publicado neste espaço (Diálogos
não impossíveis?, 11/6/2017). Concluí
citando Rogoff: “(...) é lamentável que neste debate sobre ações do governo
haja muito pouca discussão sobre como fazer do governo um provedor de serviços
eficiente. Aqueles que desejam um papel mais amplo do setor público
fortaleceriam sua posição se estivessem preocupados em encontrar formas de
fazer o setor público mais eficaz”. E acrescentei: “Não creio que isso seja
impopular”.
*Economista, foi ministro da Fazenda no
governo FHC.
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