terça-feira, 30 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Debate evidencia limite de Bolsonaro no público feminino

O Globo

Agressão gratuita a jornalista tirou dele a vantagem obtida quando Lula derrapou falando de corrupção

O primeiro debate entre os presidenciáveis na noite de domingo deixou claros os limites dos dois líderes nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Lula teve dificuldades para dar explicações convincentes sobre os escândalos de corrupção nos governos petistas. Quanto a Bolsonaro, desferiu um ataque gratuito e abjeto à jornalista Vera Magalhães, colunista do GLOBO e âncora do programa “Roda Viva”, da TV Cultura, que na certa lhe cobrará um preço num público decisivo nesta eleição: o eleitorado feminino.

Desde o início do debate, promovido por um pool de veículos de imprensa liderado pela Band, Lula tentou desviar do tema mais incômodo para sua campanha, os escândalos na Petrobras. Em resposta à primeira pergunta, feita por Bolsonaro, reivindicou para o próprio governo leis de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro aprovadas antes ou depois de sua gestão, para logo em seguida mudar de assunto e elencar conquistas sociais que atribuiu às gestões petistas. Como sempre faz quando o tema vem à baila, driblou a questão. A hesitação permitiu a Bolsonaro reivindicar a paternidade do Auxílio Brasil — de valor, segundo ele, maior que programas sociais do PT — e deixou-o em vantagem. Não durou muito.

Bolsonaro foi pouco depois instado por Vera a comentar uma pergunta ao candidato Ciro Gomes (PDT) a respeito da desinformação sobre vacinas que espalhou na pandemia. Em vez de responder, agrediu com acusações descabidas quem perguntava. Dificilmente teria a mesma atitude se estivesse diante do questionamento de um homem.

O comportamento machista de Bolsonaro foi atacado nas redes sociais e voltou ao foco no debate. “Quando homens são ‘tchutchuca’ com outros homens, mas vêm para cima da gente como tigrão, eu fico extremamente incomodada”, afirmou a candidata Soraya Thronicke (União Brasil). “Quero dizer ao presidente que fabrica fake news e diz inverdades: não tenho medo de você, dos seus robôs ou dos seus ministros”, disse a também candidata Simone Tebet (MDB). Bolsonaro tentou consertar, citou políticas de seu governo em favor das mulheres, desculpou-se por uma declaração desastrada sobre a única filha (a que chamara de “fraquejada”) — mas de nada adiantou. Por mais que tentasse se emendar, o que dizia soava artificial, quando o machismo trouxe de volta a autenticidade rústica que o projetou à vitória em 2018.

A campanha de Bolsonaro tem tentado ampliar sua votação entre as mulheres de todas as formas, lançando mão até da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Os 82,4 milhões de eleitoras, 53% do total, são um dos grupos demográficos em que Bolsonaro enfrenta maior rejeição e mais dificuldade para alcançar Lula. Mais de metade das mulheres afirma que não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum. A distância dele para Lula no segmento chega a 20 pontos percentuais, ante menos de 15 no eleitorado como um todo.

As próximas pesquisas dirão se sua estratégia para o público feminino convenceu e se alguma outra candidata ou candidato se projetará depois do debate. Por ora, o fundamental é registrar um desagravo em solidariedade a Vera e a todas as demais profissionais agredidas na cobertura da campanha apenas em razão de sua condição feminina. É simplesmente inaceitável que o presidente da República se comporte assim.

Risco de envelhecer antes de enriquecer é desafio para o Brasil

O Globo

Com fim do bônus demográfico, mão de obra será mais escassa — e país terá de ser mais produtivo

Se a classe política brasileira não acordar, o Brasil ficará velho antes de ficar rico. Hoje ainda temos uma situação vantajosa. Há bem mais brasileiros em idade produtiva que crianças e idosos. É o período em que vigora uma espécie de bônus demográfico: o máximo possível de gente com capacidade de trabalhar. Só que esse bônus tem hora para acabar. Com famílias tendo menos filhos e idosos vivendo mais, a proporção da força de trabalho será em breve declinante.

Como mostrou reportagem do GLOBO, a pandemia, com seus quase 700 mil mortos, apressou o encolhimento e o envelhecimento da população. Pelas estimativas anteriores, o fim do bônus demográfico só aconteceria na segunda metade da década de 2030. Agora a expectativa é que comece já ao final desta década, com as esperadas consequências negativas em diferentes áreas, da Previdência à capacidade de gerar riquezas.

Para fazer a economia crescer, o país precisará ser mais produtivo. Será preciso obter mais da força de trabalho existente, em vez de contar com um reservatório generoso de mão de obra. Para isso, é essencial elevar os investimentos em educação. Trabalhadores mais capacitados podem executar tarefas mais complexas.

Mas melhorar o ensino, embora imprescindível, não bastará, pois é uma ação de efeito demorado. Não dá para ficar sentado até que dê frutos. Por isso é inadiável tomar todas as medidas possíveis para que o Brasil volte a crescer de forma sustentada quanto antes, com a mão de obra disponível.

Falta ao Congresso senso de urgência para o que realmente importa. Nos últimos tempos, o Parlamento criou consenso para aprovar uma série de emendas constitucionais, mas sem saber eleger prioridades. Em vez de soluções, as mudanças criaram novos problemas. Os temas mais importantes, que ajudariam a mudar o ambiente de negócios e a dar um ritmo acelerado ao crescimento, continuaram na gaveta.

É o caso da reforma tributária. Sem um sistema de tributos mais simples e justo, as empresas continuarão gastando fortunas apenas para entender o que devem pagar, processos judiciais sugarão tempo e energia, distorções manterão os setores privilegiados intactos. Tudo isso é sinônimo de menos dinamismo e também de menos trabalho.

Numa outra frente, precisamos disseminar boas práticas. Contamos com um enorme número de empresas no primeiro pelotão da corrida global. É necessário espalhar o conhecimento e a experiência dessas companhias ao restante da economia. Em vez da velha fórmula falida de subsídios e proteções, o caminho é dar apoio temporário e sob medida a pequenas e médias empresas, de modo a não desincentivar seu crescimento. Acima de tudo, não podemos perder mais tempo. O Brasil precisa acelerar antes de envelhecer.

Ainda incógnitas

Folha de S. Paulo

Lula e Bolsonaro omitem ideias em debate, no qual mulheres ganharam destaque

Depois de muita hesitação e algum suspense, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afinal participaram do debate entre os presidenciáveis no domingo (28) à noite. Melhor assim.

A ausência dos dois líderes de intenção de voto segundo as pesquisas do Datafolha representaria um gesto descortês para com os demais candidatos e, sobretudo, um sinal de desprezo pelo eleitor.

Debates integram o processo democrático tanto quanto outros momentos da campanha. Mas com uma diferença: por mais restritivas que sejam as regras negociadas pelos marqueteiros, permitem que os cidadãos analisem os postulantes sob o crivo do contraditório.

Uma coisa é conhecer os candidatos através do filtro enobrecedor da propaganda eleitoral ou acompanhá-los no ambiente controlado dos comícios; outra, bem diferente, é vê-los esgrimir suas teses em meio às antíteses soerguidas pelos adversários políticos.

Daí decorre o elevado interesse suscitado pelo evento de quase três horas organizado pela Folha, pelo UOL, pela TV Bandeirantes e pela TV Cultura. Mas daí também decorre certa frustração provocada pelos dois principais candidatos.

Lula e Bolsonaro revelaram-se menos interessados em esclarecer seus verdadeiros planos de governo do que em adotar uma conduta definida de acordo com as estratégias da campanha eleitoral.

No caso do presidente, isso se traduziu na tentativa de elevar a rejeição do petista, explorando os escândalos de corrupção do passado, ao mesmo tempo em que buscava reduzir a própria reprovação, particularmente entre as mulheres.

No caso do ex-presidente, a opção foi dourar a pílula de seus mandatos, lembrando-se de citar Dilma Rousseff (PT) apenas quando fosse conveniente e arriscando-se a criar expectativas irrealistas diante da nova conjuntura global.

Ambos seguiram um roteiro previsível e pouco esclarecedor, exceto por dois momentos: um, a dificuldade de Lula ao responder perguntas sobre mensalão e petrolão; outro, a deplorável misoginia de Bolsonaro, que atacou a jornalista Vera Magalhães ao ser questionado sobre a vacinação no país.

A hostilidade do mandatário a mulheres ganhou relevo na discussão, o que foi bem aproveitado pelas candidatas Simone Tebet (MDB), principalmente, e Soraya Thronicke (União Brasil).

Lula e Bolsonaro são muito conhecidos; não precisam se apresentar a ninguém, porém não estão isentos de listar ideias. A julgar pelo debate, o eleitorado só pode supor que eles as tenham e que sabem como implementá-las.

Dor e sacrifício

Folha de S. Paulo

Principais bancos centrais anunciam tempos difíceis para o controle da inflação

Tornam-se mais duras as palavras utilizadas pelos principais bancos centrais do mundo para descrever os desafios atuais. A julgar pelos pronunciamentos mais recentes dos dirigentes do americano Fed e do europeu BCE, ao trabalho de controlar a inflação exigirá juros elevados por longo tempo, agravando os riscos de recessão.

No caso do Fed, o presidente Jerome Powell reforçou que fará o necessário para cumprir sua missão de estabilizar preços. Haverá alguma dor, segundo seu raciocínio, pois aceitar agora uma acomodação dos índices em patamar elevado —de 8,5% nos 12 meses encerrados em julho— poderia trazer custos maiores no futuro.

O sinal é que os juros nos EUA, hoje em 2,5% ao ano, devem subir mais, para cerca de 4%, segundo a expectativa dos mercados, permanecendo assim até que haja evidência clara de queda sustentada da inflação. Diante da resiliência do mercado de trabalho e do ritmo acelerado de crescimento dos salários, a mensagem é que será inevitável o aumento do desemprego.

O mesmo vale para a Europa, com o agravante de que o continente enfrenta um choque maior nos preços de energia pela redução do fornecimento do gás russo. Nesse contexto, mesmo um quadro recessivo poderá conviver com preços em alta por algum tempo.

As incertezas em torno da política monetária são atualmente maiores do que as observadas a partir da década de 1990. Até a pandemia, havia persistente tendência de queda da inflação e dos juros no mundo desenvolvido.

São vários os motivos apontados para esse comportamento benigno, entre eles o avanço da globalização, com ganhos de eficiência e cadeias de produção bem sincronizadas, além da demografia favorável, com a entrada no mercado de trabalho de centenas de milhões de trabalhadores asiáticos, num contexto de avanços tecnológicos e digitalização.

Desde a pandemia, e ainda mais depois da guerra na Ucrânia, alguns desses pilares têm sido abalados. A busca pela nacionalização da produção de itens considerados essenciais para a segurança, a competição por recursos naturais e os bloqueios ao livre-comércio podem agora resultar num período de inflação maior e de difícil controle.

O fato é que todas essas perturbações tornam o cenário especialmente complexo. O que parece claro é o recado dos bancos centrais de que o controle da inflação hoje é a prioridade principal, ainda que à custa dos empregos.

Um debate muito útil

O Estado de S. Paulo

O debate entre os candidatos a presidente escancarou a baixa estatura moral de Lula e Bolsonaro; felizmente, mostrou também que a eleição não se limita aos líderes nas pesquisas

O debate entre os candidatos a presidente na TV Band, na noite de anteontem, escancarou uma realidade há muito denunciada neste espaço: como são ruins os dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto. 

De forma incontestável, o petista Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro foram os piores no primeiro embate na televisão. O País entendeu perfeitamente por que os dois precisam tanto do cercadinho da polarização: sem propostas para os problemas do País e sem respostas para as acusações que pesam contra ambos, Lula e Bolsonaro limitaram-se a mentir e trocar acusações. Graças a essa miséria, os demais candidatos, com destaque para Ciro Gomes e Simone Tebet, pareciam estadistas.

O debate demonstrou a exata dimensão de Lula e Bolsonaro nesta eleição. Eles podem ser bastante conhecidos e contar com o apoio das respectivas militâncias, mas na realidade têm se mostrado nanicos em ideias e campeões de desrespeito ao voto e à inteligência do eleitor.

Sobre sua trajetória penal, o candidato petista distorceu uma vez mais a realidade. Tendo deixado a prisão e se tornado elegível em razão de nulidades processuais causadas por erros do Ministério Público e da Justiça, postulou o reconhecimento de uma inocência que nunca houve. Lula disse ter sido inocentado até pela ONU. Faltou só citar o Tribunal do Santo Ofício. E tudo isso quando foi questionado sobre a inegável corrupção do PT e o rombo das estatais. 

É realmente assustador. Depois de tudo o que foi revelado, depois dos bilhões de reais desviados, Lula é incapaz de reconhecer o problema e de dizer o que fará de diferente para evitar, em um eventual futuro governo, a reedição dos escândalos de corrupção que marcaram para sempre as gestões petistas.

Ao longo do debate, viu-se que Lula não mudou nada. Não pediu desculpas ao País pelo desastre econômico causado pelo PT, tampouco pelo mensalão e pelo petrolão. Repetiu a cantilena petista de que é perseguido injustamente e de que Dilma Rousseff sofreu um golpe.

O País também viu que Jair Bolsonaro não mudou nada. Foi grosseiro com as mulheres, lavou as mãos sobre a articulação política de sua base que resultou no escandaloso orçamento secreto, deu desculpas esfarrapadas sobre a decretação de sigilo de 100 anos até para informações triviais de sua administração, não esclareceu as denúncias de corrupção envolvendo a compra da vacina Covaxin, negou o vergonhoso escândalo do Ministério da Educação e, no geral, reafirmou seu profundo desconhecimento sobre os problemas nacionais. Isso ficou particularmente claro no bloco final, concedido ao candidato para dizer o que pretende fazer se for eleito: quando tomou a palavra, usou-a para falar exclusivamente dos riscos representados pela esquerda na América Latina. A mensagem foi cristalina: o candidato à reeleição não tem rigorosamente nada a propor ao eleitor.

Apesar dessa miséria, o debate não foi em vão. Ficou evidente que há outros candidatos à Presidência da República sérios, com propostas e com experiência. É absolutamente falsa a ideia de que o eleitor neste ano terá de decidir apenas entre Lula e Bolsonaro. O voto não é uma escolha, sob coação, entre dois destinos infelizes. É um exercício consciente e maduro de liberdade.

Em meio ao tumulto protagonizado por Lula e Bolsonaro, Ciro Gomes, por exemplo, encontrou maneiras de expor suas ideias e, de quebra, mostrar as contradições do PT. O candidato do PDT deixou claro que a pretensão de hegemonia de Lula sobre todo o campo da esquerda é antidemocrática, ainda mais quando o PT não quer real debate de ideias e propostas: exige um cheque em branco do eleitor para seu demiurgo.

Outra candidata que se destacou foi Simone Tebet. A senadora do MDB enfrentou com altivez os arreganhos desrespeitosos de Bolsonaro e rebateu com segurança as fabulações de Lula, apresentando-se ao País como alternativa racional e pacífica.

Se o alarido do debate teve alguma utilidade, foi a de mostrar que o País, se quiser, pode deixar de ser prisioneiro do passado corrupto e incompetente do lulopetismo e do presente indecoroso e reacionário do bolsonarismo.

Um prazo para a Lei de Cotas

O Estado de S. Paulo

Reserva de vagas para alunos da rede pública em universidades federais não pode ser eternizada, pois solução das desigualdades educacionais passa pela melhoria do ensino básico

A reserva de vagas para alunos de escolas públicas em universidades e institutos federais, tema de recente reportagem do Estadão, acaba de completar dez anos. Sancionada em 29 de agosto de 2012, a chamada Lei de Cotas (Lei 12.711/2012) contribuiu para ampliar o acesso de estudantes pretos, pardos e indígenas ao ensino superior − o que é bem-vindo, na medida em que as instituições federais passaram a refletir, em grau maior, a diversidade nacional, especialmente nos cursos mais disputados, como medicina e direito. Outro resultado digno de nota é que uma parcela dos jovens matriculados em escolas públicas no País viu crescer suas chances de ingressar na universidade, sem dúvida um incentivo a mais para concluir o ensino médio.

Reconhecer tais avanços propiciados pela Lei de Cotas não dispensa a sociedade brasileira de revisar esse importante mecanismo de acesso ao ensino superior. Não à toa, a própria lei previu que isso fosse feito dez anos depois da sua publicação. E por um motivo simples: a reserva de vagas, por melhor que possa funcionar, é uma excepcionalidade que só se justifica enquanto ação temporária e transitória. Afinal, a verdadeira solução para as desigualdades estruturais que travam a mobilidade social passa pela oferta de educação básica de qualidade para todos.

Em essência, a Lei de Cotas existe para possibilitar que um maior número de estudantes de grupos desfavorecidos ingresse em instituições federais. Tanto que, para ser beneficiário da lei, o critério comum a todos é ter cursado o ensino médio integralmente em escola pública. Corretamente, o mecanismo adotado na lei federal parte da premissa de que, em geral, o aluno da escola pública tem um desempenho escolar inferior ao do estudante da escola particular. Assim, sem a existência da cota, menos alunos da rede pública ingressariam nas instituições federais, perpetuando ou até agravando uma situação indesejável.

A Lei de Cotas, portanto, corrige uma desigualdade. Mas o faz de maneira artificial, uma vez que só garante o acesso dos egressos da rede pública por meio da reserva de vagas − uma espécie de “atalho” que, na prática, permite que candidatos com notas mais baixas tomem o lugar de quem obteve notas mais altas no processo seletivo. Do ponto de vista estritamente da meritocracia, essa está longe de ser a melhor solução. Por outro lado, como argumentam os defensores das cotas, tampouco faz sentido falar em meritocracia quando não há igualdade de oportunidades, isto é, quando os estudantes que concorrem às vagas partem de pontos muito desiguais, como é o caso no Brasil.

É nesse contexto que a reserva de vagas despontou como “solução”, ainda que verdadeiramente não o seja. Por força de lei − e sem avançar um milímetro na qualidade do ensino básico −, metade das vagas passou a ser reservada para egressos de escolas públicas. Dentro desse universo de estudantes da rede pública, a lei definiu subgrupos cujo acesso a universidades e institutos federais também passou a ser assegurado: estudantes de famílias de baixa renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Posteriormente, a reserva de vagas foi estendida a pessoas com deficiência. Todos, claro, com a exigência de ter cursado o ensino médio integralmente em escola pública.

Ora, ninguém em sã consciência há de ignorar que as cotas são um paliativo, jamais a resposta definitiva que a sociedade brasileira há de dar para problema tão grave como o da desigualdade educacional. É justamente por isso que a Lei de Cotas não pode ser eternizada como saída para a falta de qualidade da educação básica. É chegada a hora de o Congresso Nacional enfrentar esse debate e estabelecer um prazo para o fim da reserva de vagas em instituições federais. Que o faça com sabedoria, pactuando metas de melhoria da qualidade do ensino público e, se necessário, prevendo um período de transição longo o suficiente. Não se trata de tirar direitos de ninguém. Pelo contrário, a ideia é obrigar o Poder Público a cumprir a sua parte e oferecer à população brasileira uma educação digna de um país que pretende ser desenvolvido. 

A melhora das expectativas

O Estado de S. Paulo

Em meio a problemas fiscais e sociais graves, as projeções de crescimento e de inflação constroem um cenário melhor

Sob os números e gráficos dos relatórios de mercado semanalmente divulgados pelo Banco Central para retratar as expectativas dos analistas das principais instituições financeiras, há sinais de melhora. As estatísticas mostram que, ainda ruins, as coisas estão melhorando. A economia brasileira demonstra mais uma vez capacidade de reação. A inflação cai e a atividade econômica começa a se acelerar.

Não se pode ignorar, porém, que a recuperação é lenta, a alta dos preços supera amplamente os limites da política de meta de inflação e persistem problemas nos campos fiscal e social. A pobreza aumentou, o número de desempregados e de pessoas desalentadas continua alto, a renda média encolheu e a inadimplência bate recordes. Gastos extraordinários e benefícios tributários anunciados nos últimos tempos, que podem somar centenas de bilhões de reais em 2023, representam sério risco à sustentabilidade da política fiscal.

É contínua, porém, e até mesmo acentuada, a redução das projeções para a inflação em 2022 captadas pelo boletim Focus do Banco Central. Em sua mais recente edição, a mediana das estimativas da alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 6,70%. Essa variação está acima da meta de 3,50% para este ano. Mas é bem menor do que a de 8,89% que os analistas privados estimavam no início de junho.

Reduções nos preços dos combustíveis resultantes de fortes pressões do governo sobre a Petrobras, da redução do ICMS e da queda das cotações do petróleo no mercado internacional deram força à tendência de queda da inflação. Também caem as projeções para a inflação em 2023. No mais recente boletim, a estimativa ficou em 5,30%, contra 5,33% na semana anterior. Observe-se, porém, que a meta para 2023 é de 3,25%.

Do lado da atividade econômica, as projeções estão subindo ininterruptamente há cerca de cinco meses. Em abril, a mediana das projeções de crescimento do PIB em 2022 estava em 0,53%; no boletim mais recente, a mediana alcançou 2,10%. É uma melhora notável. Mas, também nesse caso, é preciso observar que o ritmo de expansão ainda é baixo para os padrões históricos do País e reproduz o desempenho pífio registrado há muitos anos. Na melhor hipótese, estamos voltando à mediocridade observada há muito tempo.

E, para 2023, as projeções para o crescimento econômico fazem o movimento contrário ao das expectativas para este ano. Em abril, a previsão predominante era de crescimento de 1,25% do PIB no próximo ano. A mais recente previsão é de apenas 0,37%.

Juízo, moderação, responsabilidade e um mínimo de eficiência administrativa e de compreensão dos problemas reais, quando marcam ações do governo, estimulam a reação da economia. Parece ilusório esperar dos atuais governantes, há 44 meses no poder, que passem a demonstrar pelo menos algumas das características citadas. Mas o País não está condenado à mediocridade e à desesperança. As eleições de outubro oferecem a oportunidade para que os brasileiros optem por mudanças a partir de janeiro de 2023. 

Inadimplência cresce e é motivo de apreensão

Valor Econômico

Aumento dos calotes é dado como certo, alimentado pela inflação e juros elevados

Vários sinais de aumento da inadimplência se espalham no cenário econômico. Birôs de crédito, associações comerciais, empresas de varejo, bancos e até escolas vêm registrando o aumento do endividamento e dos calotes dos clientes. O aumento da inflação, a elevação dos juros e o recuo da renda real influenciam na deterioração das condições financeiras. Apesar de a inflação estar agora recuando um pouco não há sinais de que a inadimplência vá diminuir para níveis normais diante da perspectiva de que a economia vai se deteriorar no próximo ano.

Segundo a Serasa Experian, o número recorde de 66,8 milhões de pessoas que não conseguem honrar o pagamento de suas contas e dívidas atualmente é 4,6 milhões maior que o de agosto de 2021. O percentual da população adulta inadimplente passou de 38,9% para 41,4% em junho; e o valor devido cresceu 15,04%, saindo de R$ 244,6 bilhões para R$ 281,4 bilhões no mesmo espaço de tempo.

A onda atual de inadimplência é superior até mesmo à verificada no início da pandemia, quando subiu da marca de 62 milhões de pessoas para pouco menos de 66 milhões. Naquele momento, a bolha foi ainda de curta duração, refluindo em três meses. Agora, vem crescendo com firmeza desde outubro, na sequência do aumento da inflação para o patamar de dois dígitos. A elevação dos preços, especialmente dos alimentos, explica em 90% a inadimplência, segundo a Serasa Experian; e a alta dos juros é responsável pelos 10% restantes.

As pessoas deixam de pagar as dívidas financeiras, mas também os serviços básicos, como água, luz, gás, e aquisições no varejo. Entre comprar comida ou pagar uma conta de luz a opção é clara. As dívidas não financeiras respondem por 59% do total da inadimplência, sendo 22,6% relativas a gás, luz e água; e 7% a serviços de telefonia e internet.

Levantamento de outro birô de crédito, o Boa Vista, detecta que a inadimplência chegou nas compras de comida. O Boa Vista apurou que, no primeiro semestre, 18% dos inadimplentes deram calote em despesas com alimentação e tiveram o CPF incluído na lista de restrição. É o percentual mais elevado desde quando esses dados começaram a ser coletados, há cinco anos. Outras contas não pagas se referem a educação, saúde, impostos, taxas e lazer.

No varejo, a inadimplência também é recorde, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Sua Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) constatou que, em julho, 29% das famílias tinham algum tipo de conta ou dívida vencida, o maior percentual desde 2010, início da série histórica. E o percentual de famílias endividadas atingiu 78%, igualmente um índice recorde. As famílias com menor renda foram as mais afetadas.

Na outra ponta, o quadro tem exigido medidas de cautela dos varejistas. Levantamento do Valor nos balanços das dez maiores redes de capital aberto contabilizou R$ 7,8 bilhões em provisões para devedores duvidosos nos balanços do primeiro semestre, com aumento de quase 22% frente aos R$ 6,4 bilhões registrados no fim de 2021 e de 42,2% acima do apurado no mesmo período de 2021.

Os grandes bancos ainda não registram aumentos significativos da inadimplência nos balanços recentemente divulgados. Dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC) informam que a inadimplência média ficou em 2,7% em junho, com aumento de 0,4 ponto no ano. De toda forma, os bancos reforçam as provisões. Outro levantamento do Valor constatou que os quatro maiores bancos de capital aberto elevaram em quase 50% as provisões para devedores duvidosos ao fim do primeiro semestre, para R$ 21,53 bilhões.

O reforço reflete em parte o aumento das carteiras de crédito, mas também a precaução diante da expectativa de que o aumento da inadimplência é dado como certo, alimentado pela inflação e juros elevados. A deflação registrada em julho não ameniza o temor pois é concentrada em alguns itens como energia e combustíveis.

Não por acaso o tema entrou no debate político. Candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) abriu aos beneficiários do Auxílio Emergencial o acesso ao consignado e foi criticado por estimular o endividamento de uma população sem recursos. Inspirado na experiência inglesa, muito distante da brasileira, o candidato Ciro Gomes (PDT) propôs a “lei antiganância”, que pode acabar reduzindo a oferta de crédito. As duas ideias são ineficientes para enfrentar a bolha da inadimplência, diante da desaceleração da economia esperada para 2023.

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