O Globo
Mercado não é monólito pontificando desde a
Faria Lima. Não somente o banqueiro. Mercado é algo tão concreto quanto possam
ser os humores. É expectativa. Capta, avalia e difunde humores.
Se a expectativa é ruim, mobiliza-se a
prevenção. Erguem-se as defesas. Se a projeção é ruim, protejo-me. A empresa se
protege. São sinais gerados a partir de sinais. Reage-se. O caldo engrossa. O
dólar sobe. É resposta. Você de repente deixa de consumir elemento da cesta
básica cujo preço é dolarizado. Sinal. Também resposta. É mercado. Se o governo
— ou futuro governante — emite indicativo lido como ruim, reage-se. É do jogo.
Reagiu-se muito a Bolsonaro: à PEC dos Precatórios, às intervenções na Petrobras, à destruição do teto de gastos. Nenhuma reação — à sua responsabilidade sobre a inflação dos alimentos — sendo maior que a materializada em derrota nas urnas. Movimentos que sugiram insegurança geram desconfiança. E desconfiança, na linguagem do mercado, desdobra-se em inflação e juros, conjunto perverso especialmente contra os mais pobres.
Incerteza faz preço. Se há, e há, consenso
sobre gastos — licença excepcional — para além do orçamento de modo a custear
benefício social, e se de repente esse montante extra ganha peso e passa a
abarcar também porção outra de despesas, ademais em caráter permanente, a conta
fica mais cara. Se a PEC da Transição se acerca da Kamikaze para ser a da
Permanência, pague-se. É justo. É, sobretudo, lógico.
Nem sempre é. Expectativa faz preço e
pressão. Condiciona mercado. Em excesso, produz ilusão. O problema não está na
expectativa em si, mas em como se a calibra.
Escrevo isso a partir do que mobilizam a
eleição de Lula e a transição para seu governo. Não será o primeiro. Não há
muita margem a surpresas. Para o bem ou o mal. E não deixa de ser reconfortante
mirar a previsibilidade de Lula III: qualquer um sendo capaz de lhe listar os
potenciais, os prováveis, erros. Serão os mesmos. Há estabilidade — poder de
planejamento, de antecipação — num rol de barbaridades por que esperar. Serão
as mesmas, agravadas por não serem mais somente barbaridades; mas barbaridades
envelhecidas.
O governo será do PT. Nunca foi outra a
perspectiva, se eleito Lula — independentemente de quem o tivesse apoiado.
Precifique-se, se ainda não. Está tudo aí.
Sempre esteve. Sem campo para fantasia. Sem
histeria. Há um limite muito óbvio para a aplicação, em termos de governo, da
tal frente ampla eleitoral. A eleição acabou. A amplitude da frente, que
pressupunha envergadura para efeitos eleitorais, significa agora — para fins de
posição influente num governo — que há os mais próximos do tronco.
Por exemplo: Mantega não será ministro, mas
o manteguismo estará presente no ministério; se não no da Fazenda, no do
Planejamento. Precifique-se.
Você pode ter votado em Lula para remover
Bolsonaro. Milhões o fizeram, talvez mesmo a maioria dos que elegeram o próximo
presidente. Quem venceu, porém, foi Lula. Quem venceu: Lula e o PT. A
expectativa desaguará em sucessivas frustrações se não houver clareza a
respeito. Você votou contra Bolsonaro. Você votou em Lula. No PT. Você votou —
contra Bolsonaro — no PT porque esse era o corpo competitivo, o único, capaz de
vencer. Outro, ao centro, não prosperou.
Simone Tebet foi derrotada na eleição. Terá
lugar no novo governo, por haver formado com Lula no segundo turno? Sim.
Possivelmente com destaque. Mas é ilusório supor que haverá algo que não
presença majoritariamente petista na composição estratégica do ministério.
Inclusive na gestão da economia.
A expectativa de que aquilo que se acomodou
na eleição como esforço antibolsonarista — reunião de atores políticos não raro
incompatíveis — pudesse se reproduzir na dinâmica do governo é estúpida.
Imaginar — apostar — que um agente político não petista será ministro da
Fazenda de um governo petista é uma improbabilidade desautorizada pela
história. Seria surpresa sem precedentes.
Surpresa será se Lula não buscar solução
como a de 2003 para as pastas da área econômica. O pensamento manteguista
estará lá. E com vigor. Talvez no Planejamento. No mundo real, à luz da
história, o que se pode esperar — por balanço — é um ministro da Fazenda
petista que emule Palocci. Um político, do partido, com experiência
administrativa — um ex-governador — e que transite bem no Parlamento. Um Rui
Costa. Um Wellington Dias. Não se descarte Haddad. Um perfil a ser cercado,
como fora Palocci, de técnicos percebidos como garantidores da sensibilidade
fiscal.
Esse é o esquema que o PT e Lula têm na
conta de bem-sucedido — e que poderá perfeitamente se encaixar, segundo o
partido, na faixa do que seria justa representação da frente ampla e boa
mensagem ao mercado. Precifique-se. Goste-se ou não, foi — por paixão, defesa
da democracia ou simples cansaço de Bolsonaro — o que se elegeu.
11 comentários:
Mais um 'talkinglittlehead' a soldo.
Desta vez com marca, arram, Andreazza (lembram? Socuero).
Acautelem-se, pois!
Palocci foi um dos melhores - inteligente e funcional foi o responsável pelo êxito do PT no primeiro governo do Lula. O resto foi resto, com certeza, cada qual menos profissional que o outro. Seus artigos são como uma previsões vindas de uma bola de Cristal. Parabéns pela “afiada” interpretação dos fatores da nossa política a qual levo muito a sério.
Desculpem pelos erros de concordância, refletem a minha ausência de décadas fora do nosso país, vagando por esse imenso mundão velho sem porteira.
Palocci foi muito melhor que Mantega... Gosto da visão do colunista! Inclusive nesta coluna!
Todo anônimo é um covarde. O daqui também é burro.
MAM
Belo artigo. Os votos em Bolsonaro também "precificaram", pois é muito bardoto pra não gerar insegurança...
MAM
Precifique-se.
Possso ter lido errado. Mas fiquei com a impressão de que Carlos Andreazza adoraria se Lula colocasse na economia um ministro neoliberal. E se Lula mantivesse o Posto Ipiranga acho que o homem chegaria ao orgasmo. Acho que Carlinhos não sabe qual a diferença entre frente ampla eleitoral e frente antifascista. Quem venceu a eleição não foi Lula apenas, mas Geraldo Alckmin, Simone Tebet, Marina Silva, Ciro Gomes (apesar dele mesmo), Fernando Henrique Cardoso e Cia (os homens do Plano Real) e mais os índios, os negros, os viados e as mulheres. E mesmo que Lula, antolhado pelo seu passado, faça um repeteco do que ele sabe fazer. Pra mim Lula governou para os ricos e deixou cair as migalhas do banquete para os pobres. Acontece que essas migalhas foram suficientes para despertar no povo pobre a consciência de que eles têm direitos. E o principal de tudo é que a ideia de que a democracia é um direito sagrado. E com o avanço da democracia isso que o Carlos Andreazza chama de "barbaridades envelhecidas" (esse Brazil moldado pelos nazilatifundiários do agronegócio)tenderão a entrar em xeque. Finalizo dizendo que fiquei intrigado com essa história do "cansaço" do boçal. Querias o que Carlinhos? Que o traste fosse vitorioso em sua intentona golpista?
F. Carvalho é petralha...
MAM
Por falar em mercado, "O assuto não se limita à mercadoria. Todas e cada uma das categorias da economia do mercado parecem ser aceitas sem análise, como evidentes por si mesmas e como se fossem as bases naturais das relações humanas. Não obstante, enquanto as realidades do processo econômico são: o trabalho humano, as matérias primas, as ferramentas, as máquinas, a divisão do trabalho, a necessidade de distribuir os produtos acabados entre os participantes no processo do trabalho, etc., as categorias como "mercadoria", "dinheiro", "salário", "capital", "lucro", "imposto", etc., são unicamente reflexos meio místicos na cabeça dos homens dos diversos aspectos de um processo econômico que não compreendem e que não podem dominar. Para decifrá-los é indispensável uma análise científica completa". Leon falando sobre Karl.
Segundo marcos MAM eu sou um "petralha". Já ele é um bolsonarista. No meu texto digo que Lula governa para os ricos e deixa as migalhas do banquete para os pobres. Algum petista concorda com isso? Só mesmo para a inteligência de um seguidor do boçal. Ainda segundo essa inteligência "petralha" é sinônimo de comunista. Sem querer marcos acertou. Sou comunista sem ser petista. Mas reconheço que Lula encarnou no Brasil a frente democrática que em qualquer país do mundo é recomendada para derrotar o nazifascismo. Aqui no Brasil isso se chama fascismo bundalelê ou trumpobolsonarismo. E o que fizeram no dia 8 de janeiro Intentona bolsonaresca.
Postar um comentário