PEC da Transição não deve criar gasto permanente
O Globo
Excluir R$ 175 bilhões do teto para pagar
novo auxílio não é melhor ação contra pobreza — e agrava crise fiscal
Na semana passada o presidente eleito Luiz
Inácio Lula da Silva deu declarações que frustraram quem imaginava uma gestão
da economia semelhante à de seu primeiro mandato. O discurso desastrado de Lula
é corroborado pelas negociações em curso no Congresso para retirar do teto de
gastos o equivalente a R$175 bilhões, destinados a financiar seu novo programa
de ajuda aos mais pobres, rebatizado de Bolsa Família.
Na forma como vem sendo encaminhada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, não há apenas uma permissão excepcional — ou waiver — para gastar R$ 70 bilhões em duas medidas emergenciais: 1) o aumento de R$ 200 reais no Auxílio Brasil previsto no Orçamento de 2023, para mantê-lo em R$ 600 (o gasto subiria de R$ 105 bilhões a R$ 157 bilhões); e 2) um novo benefício de R$ 150 destinado a crianças de até seis anos (mais R$ 18 bilhões). Em vez disso, Lula quer manter todo o programa — R$ 175 bilhões — fora do teto. Isso abriria mais R$ 105 bilhões sob o teto, para o novo governo gastar como quiser.
Há dois problemas nessa proposta. Primeiro,
não está claro que cumprir a promessa de manter o auxílio em R$600 e criar um
novo adicional para as crianças seja a melhor forma de diminuir a pobreza
extrema em que se encontra parte da população. Para a economista Cecilia
Machado, o governo eleito deveria garantir a eficácia do novo Bolsa Família no
combate à miséria mudando o critério de distribuição.
Não faz sentido, diz ela, um único cidadão
receber R$600 e uma família com quatro pessoas ganhar o mesmo valor. A ideia de
distribuir R$150 por criança reduz a discrepância, mas não a elimina. É preciso
reduzir o valor pago a um indivíduo para poder aumentar o dos demais. O antigo
Bolsa Família teve sucesso com bem menos recursos justamente por saber
destiná-los com foco a quem de fato precisava.
O segundo problema é a incúria fiscal. A
ideia em discussão é estender a licença para gastar por quatro anos, sob a
justificativa de bancar outros programas sociais e investimentos. Trata-se de
um aumento contratado nos gastos de quase 2% do PIB. De onde sairão recursos
para financiá-lo? Não se sabe. Pelo cálculo do economista Samuel Pessôa,
estabilizar a dívida pública no patamar atual já custaria 2% do PIB. Com o novo
aumento de gastos, seria necessário aumentar a carga tributária entre 3% e 4%
do PIB para evitar a explosão da dívida, da inflação e dos juros.
Os economistas a quem Lula tem dado ouvidos
podem ser sinceros ao dizer valorizar a gestão das contas públicas. Mas, no
pensamento mágico petista, tudo se resolve com o crescimento econômico
aumentando a arrecadação e cobrindo o rombo. Só que voluntarismo e investimento
público raramente têm o efeito esperado no crescimento. Essa visão não passa de
uma quimera.
É inverossímil que alguém com a experiência
de Lula acredite que o dinheiro para gastos sociais brotará por geração
espontânea. Ao contrário da ex-presidente Dilma Rousseff, ele sempre teve a
sabedoria de ouvir pontos de vista diferentes. Há na equipe de transição gente
qualificada capaz de aconselhá-lo, a começar pelo vice-presidente eleito Geraldo
Alckmin. Espera-se que Lula caia em si e que a PEC da Transição traga apenas a
autorização para um gasto excepcional em 2023, destinado a um programa social
que — qualquer que seja seu nome — precisará ser completamente redesenhado.
Nova primeira-dama precisará achar papel
compatível com sua experiência
O Globo
Janja Lula da Silva adquiriu na campanha
eleitoral uma influência política que transcende sua história
Foi Rosângela Lula da Silva, a Janja,
mulher do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, quem telefonou à
senadora Simone Tebet depois do primeiro turno para colocá-la em contato com o
marido, de modo a garantir apoio na campanha vitoriosa ao Planalto. “Não tenho
nenhum papel de articulação política”, contou Janja em entrevista ao
Fantástico. “Pode ter acontecido, mas não que tenha sido uma coisa planejada.”
Em comparação com Michele Bolsonaro e cônjuges de outros candidatos, porém,
Janja foi bem mais ativa politicamente. Escalou quem entrava em reuniões ou
voos com o marido, participou de encontros reservados e nunca deixou de dar sua
opinião quando quis. Recentemente, ganhou espaço na transição, com a missão de
organizar a festa da posse.
A própria Janja se descreve como
“propositiva”, alguém que será “uma soma” ao marido no futuro governo. Na
entrevista ao Fantástico, falou em “ressignificar o conteúdo do que é ser
primeira-dama” e se disse disposta a assumir um papel de articulação com a
sociedade civil em pautas importantes, como violência contra as mulheres,
garantia da alimentação ou racismo. Revelou buscar inspiração em nomes como
Evita Perón e Michelle Obama.
Cada nova eleição traz de volta a questão
antiga, ainda sem solução ideal: o poder concedido aos cônjuges dos candidatos
eleitos. A História traz exemplos de quem manteve discrição, sem surfar na onda
de popularidade levantada pelos detentores de mandato. Mas também de quem
assumiu funções incompatíveis com as atribuições de alguém que não recebeu um
só voto.
No primeiro grupo está Denis Thatcher. Nos
11 anos em que sua mulher Margaret esteve no poder no Reino Unido, ele se
manteve alheio aos círculos do poder britânico. Ou Joachim Sauer, cujo nome é
pouquíssimo conhecido fora da Alemanha — ele é o marido da ex-chanceler Angela
Merkel, que governou por 16 anos. No extremo oposto está Hillary Clinton.
Quando seu marido Bill assumiu o primeiro mandato nos Estados Unidos, em 1993,
ela passou a ter uma sala na Ala Oeste da Casa Branca e foi responsável pelo
projeto (fracassado) de mudanças na Saúde. Depois de eleita senadora, Hillary
foi derrotada em duas tentativas de chegar à Presidência.
Formada em Sociologia pela Universidade Federal
do Paraná, Janja trabalhou por mais de 10 anos na Itaipu Binacional e por cinco
na Eletrobras. Embora seja filiada ao PT desde 1983, não tem histórico de
cargos eletivos nem de altos postos no partido. Seu currículo não parece
justificar a influência que adquiriu na campanha.
Mulheres ou maridos de chefes do Executivo necessariamente passam por uma adaptação uma vez no poder. A eleição exige mudança de casa ou cidade, paciência com o olhar constante da imprensa, uma agenda infindável de reuniões, eventos e problemas a resolver. Igualmente desafiador é encontrar um papel a cumprir como primeira-dama ou primeiro-cavalheiro. O mais importante é sempre lembrar quem foi eleito para tomar decisões.
Legado reformista
Folha de S. Paulo
Novo governo poderá se beneficiar das
mudanças na Previdência, 3, e na CLT, 5
O ano de 2022 encerra um período de
governos adeptos, ao menos nas intenções declaradas, de uma agenda liberal e de
medidas dedicadas à eficiência econômica e à contenção da dívida pública. Desde
2016, as mudanças mais profundas foram as reformas trabalhista, que completou
cinco anos, e previdenciária, que chegou aos
três.
Cabe mencionar também o teto para os gastos
federais inscrito na Constituição, que entretanto tem caráter temporário e se
encontra desvirtuado hoje por iniciativas eleitoreiras de Jair Bolsonaro
(PL).Ainda assim, serviu para conter o crescimento da dívida pública e as taxas
de juros, ao menos até 2021.
A reforma da Previdência teve sucesso bem
mais evidente. Corrigiu iniquidades e ajudou a conter o aumento veloz da despesa,
limitada ainda pela suspensão dos reajustes reais do salário mínimo.
No quadriênio 2018-2022, o gasto do regime
geral de aposentadorias e pensões por morte elevou-se em 5,7% acima da
inflação. Entre 2010 e 2018, a título de comparação, os desembolsos se
expandiam em cerca de 20% por quadriênio.
Com isso, a conta decresceu como proporção
do PIB e está em nível similar ao de 2016, em torno de 8,2% —cifra ainda alta.
Já a velha CLT, com mais de 70 anos, passou
por atualização necessária. Seus pontos centrais foram a flexibilização dos
tipos de contrato, a prevalência de acordos sobre a lei e o desestímulo ao
contencioso trabalhista.
Estudos ainda não permitem dizer qual o
saldo concreto. O tempo decorrido desde a sua aprovação foi curto, no que
interessa à análise econômica e estatística. De resto, desde 2017, o país
passou por mais choques, como o tumulto político de 2018 e a pandemia; a
mudança tecnológica se acelerou.
Pode-se dizer que a redução do número de
ações trabalhistas limita o custo e a incerteza da despesa com trabalho, que
prejudicam contratações. Novas formas de contrato, em tese, contribuiriam para
facilitar o emprego formal.
O número de pessoas ocupadas cresceu de
modo inesperado neste ano, mas ainda se debate o motivo da surpresa. O salário
médio ainda está nos piores níveis em uma década. Não se conhece a natureza dos
novos empregos formais.
Em vez de combater as novas normas com slogans vazios, urge estudar a fundo a situação do trabalho, tarefa de um governo que pretende dar prioridade à causa social. O país precisa de mais reforma, tributária, administrativa, do Orçamento, ambiental, no SUS. A oportunidade é de avanço, não de regressão saudosista.
Na defesa de florestas
Folha de S. Paulo
Com desmate em alta, Brasil evita países
ricos; cenário tende a mudar com Lula
Como em 2021, o Brasil entrou na COP27, no
Egito, sem divulgar
informações completas sobre o desmatamento na Amazônia. Sobram
razões para o governo Jair Bolsonaro (PL) se mostrar acuado diante da pressão
mundial.
Virá decerto nova cifra escabrosa sobre a
maior fonte nacional de gases do efeito estufa, quando o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciar a estatística oficial anual do sistema
Prodes. A julgar por alertas mensais do programa Deter-B, do mesmo Inpe, a
devastação segue firme.
Em outubro,
mediram-se 904 km² de corte raso, a maior área registrada para o mês desde
que o Deter-B começou, em 2015. Só nos quatro meses desde agosto,
registraram-se 4.020 km² de derrubadas, aumento de 45% sobre os 2.779 km² de
igual intervalo em 2021.
Sob Bolsonaro, o desmatamento aumentou a
partir de 2019 e voltou ao patamar acima de 10.000 km² por ano. Não espanta,
assim, que a diplomacia nacional comece a COP27 mais uma vez na defensiva.
O Brasil não toma parte, por exemplo, na
Parceria de Líderes para Floresta e Clima lançada no Egito. Há União Europeia e
26 países na lista, inclusive Indonésia, a terceira nação com mais matas
tropicais —ainda assim, só um quinto do que se encontra aqui. O segundo posto é
da República Democrática do Congo (RDC), que tampouco integra a iniciativa.
O Itamaraty justificou em nota que haveria
foros com formato mais adequado para tratar das necessidades dos países em
desenvolvimento. Defende, ainda, que se renove o Fundo Verde para o Clima e que
países ricos diminuam a resistência a pagamentos por redução do desmatamento.
Seria irônico, se não fosse trágico: o
mesmo governo, por pirraça ideológica, congelou R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia,
depositados por Noruega e Alemanha para recompensar o país por seu desempenho
antes de Bolsonaro.
O Planalto vê com bons olhos outra
iniciativa, a chamada Opep das Florestas, que reúne as três potências
florestais —Brasil, RDC e Indonésia— e foi lançada no G20. Ficam então de fora
países da Europa, como França e Reino Unido, que o atual presidente tanto
hostilizou.
A ida ao
Egito do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode
começar a recompor a liderança brasileira no esforço global para conter a
mudança climática.
O país tem muito a ganhar, seja em recursos para a conservação, seja poupando a economia, a agropecuária e a população dos eventos atmosféricos mais extremos previstos pela ciência.
Educação contra a barbárie
O Estado de S. Paulo
Episódios de intolerância de alunos em escolas particulares não podem ser enfrentados apenas com repressão; é preciso aprimorar capacidade de argumentação dos jovens estudantes
A polarização política que divide famílias,
amigos e vizinhos está presente também nas escolas. Como noticiou o Estadão,
colégios particulares em diferentes cidades do País registraram episódios de
intolerância e violência após a eleição presidencial, com estudantes
protagonizando ofensas e agressões. Tal realidade, reflexo do clima de
beligerância ideológica que tanto mal faz à sociedade brasileira, exige ação
imediata por parte de professores e educadores. Não para evitar discussões
políticas, fingir que não há divergências nem silenciar vozes. Mais que nunca,
é papel das escolas aprofundar os debates, problematizar as diferentes visões
de mundo e contribuir para que os alunos aprimorem a sua capacidade de
argumentação e diálogo.
A escola é, por excelência, o espaço onde
os alunos ampliam seus horizontes, ao entrar em contato com crianças e adultos
fora do círculo familiar. A vida escolar prepara os indivíduos para conviver na
sociedade. Ora, as manifestações de intolerância nos dias seguintes à eleição
presidencial vão na contramão de tudo o que vem a ser o papel da escola. Ainda
mais em uma sociedade democrática, cuja característica, ao contrário das
ditaduras, é justamente possuir mecanismos que permitam superar divergências
com mais, e não menos, debate.
Em sua missão de formar cidadãos, as
escolas têm um inadiável desafio pela frente, que exigirá ações coordenadas, na
medida em que será preciso garantir respaldo e formação adequada aos
professores, bem como atenção às famílias, para que entendam exatamente quais
são os objetivos da escola. Na sala de aula, um caminho possível é convidar os
alunos a questionar os argumentos uns dos outros, inclusive buscando
informações para enriquecer críticas e a compreensão dos assuntos. A premissa,
claro, é que as discussões se deem em tom civilizado e com absoluto
respeito.
Entrevistada pelo Estadão, a
professora Telma Vinha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
lamentou a falta de iniciativas para preparar os estudantes brasileiros para a
vida democrática. “A escola particular, com medo de perder alunos, tornou-se
apolítica e colocou essas questões para debaixo do tapete. Não dá para se
preocupar só com português e matemática”, disse ela. De fato, a educação vai
muito além das disciplinas tradicionais. Países como Bélgica, França ou
Finlândia, por exemplo, reservam espaço em seus currículos para atividades que
fomentam, nos jovens, maior apreço por tolerância, equidade e autonomia. Um dos
focos é a participação dos estudantes em redes sociais e sua capacidade de
identificar fake news, verdadeiros vetores de intolerância e violência
extremista.
A reportagem do Estadão relatou
casos como o de uma mãe que, assustada, orientou a filha de 8 anos a não falar
de política na escola, depois que a menina se envolveu em discussões a respeito
dos candidatos a presidente da República. Em outra escola, alunos de 11 anos
gritaram que os pais de quem votou em determinado candidato “morreriam a
pauladas”. Para o diretor de Políticas e Direitos do Instituto Alana, Pedro
Hartung, as escolas devem usar materiais e abordagens adequados a cada faixa
etária. “Sou contra a ideia de que política, futebol e religião não se
discutem. Política se discute, sim, e desde cedo”, disse ele.
É lamentável, para dizer o mínimo, que
crianças e adolescentes tenham sido contaminados pela polarização política que
tomou conta do Brasil. Por outro lado, no entanto, difícil seria imaginar que
alguém pudesse ficar imune à escalada extremista e ao acirramento do debate
público nos últimos anos. Não é de estranhar, portanto, que o problema se
manifeste dentro das escolas. Diferentemente de muitos outros ambientes, porém,
as escolas têm condições de solucionar conflitos e de ajudar o País a reduzir
os estragos da polarização. O caminho é preparar os alunos para debater mais e
melhor, enfrentando o contraditório de maneira civilizada. Enfim, apostar no
diálogo – como deve ser em uma democracia.
Uma rota sustentável para a América Latina
O Estado de S. Paulo
A região é uma das mais afetadas pelas mudanças climáticas. Mas a riqueza de seus biomas oferece oportunidades únicas de extrair ganhos socioeconômicos da transição verde global
Os impactos da pandemia e da guerra na
Ucrânia na América Latina são um lembrete de sua baixa resiliência aos choques
globais, expondo seus desafios estruturais: sistemas de proteção social
frágeis, baixa produtividade e instituições instáveis. Os mais pobres foram os
mais afetados. Estima-se, por exemplo, que a inflação para as famílias
vulneráveis foi 3,6 pontos porcentuais maior que a média. A degradação
ambiental pode implicar um choque semelhante em câmera lenta. Dos 50 países
identificados como os mais afetados pelas mudanças climáticas, 13 estão na
América Latina. Por outro lado, a região contém metade da biodiversidade
mundial, e tem grande potencial para se beneficiar da transição verde global.
A edição deste ano do Panorama da
América Latina da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) foca nesse potencial. Apresentado na conferência global sobre
o clima, a COP-27, ele tem o mérito de equacionar, já no seu subtítulo – Rumo
a uma transição verde e justa –, os polos elementares de todo
desenvolvimento sustentável: a responsabilidade ambiental e a social. Uma
transição verde que não seja justa não é sustentável, assim como um
desenvolvimento econômico que não seja verde também não é. Felizmente, segundo
a OCDE, “a região está bem posicionada para embarcar em uma transição verde
efetiva e acelerar o progresso em direção às suas metas de desenvolvimento
econômico, social e ambiental”.
Hoje, a participação da América Latina nas
emissões globais de gases de efeito estufa é inferior às emissões per capita em
regiões com níveis de desenvolvimento semelhantes. Além disso, sua matriz
energética é mais verde: os recursos de energia renovável representam 33% de
sua oferta total de energia, bem acima dos 13% globais.
Essas vantagens comparativas devem ser
aproveitadas para acelerar a transformação da matriz energética. O investimento
em tecnologias renováveis promete um ganho triplo: redução das emissões de gás
carbônico, geração de energia a baixo custo e redução da dependência de
produtos de combustíveis fósseis importados. A OCDE projeta que uma transição
verde efetiva pode adicionar 10,5% a mais em novos empregos até 2030.
Um impulso importante a esses investimentos
deve vir de políticas fiscais que, gradual e responsavelmente, eliminem
subsídios prejudiciais ao meio ambiente e alavanquem impostos favoráveis. A
regulação de títulos verdes também é crucial. O aproveitamento do potencial da
região na nova economia global dependerá de investimento em novas tecnologias e
competências, e, em especial, na requalificação da força de trabalho. A
importância, tanto qualitativa quanto quantitativa, dos biomas da região impõe
uma agenda de construção e expansão de parcerias internacionais que envolvam o
setor privado e instituições multilaterais para aproveitar novas normas e
regulamentos e gerenciar o impacto das políticas adotadas nos países parceiros,
como, por exemplo, no comércio.
O Brasil, guardião de 60% de todas as
florestas tropicais do mundo, tem um papel-chave. O maior potencial para as
políticas de mitigação envolve duas áreas cruciais para a economia nacional: a
agropecuária e a energia. O Brasil tem desenvolvido tecnologias e práticas
sustentáveis no agro que vêm se mostrando eficazes, mas ainda precisam ser
barateadas para ganhar escala. No setor energético, o Plano Nacional de Energia
para 2050 põe grande ênfase na expansão da geração de energia hidráulica. Em
termos de adaptação às mudanças climáticas, o Plano Nacional de Adaptação, de
2016, traçou 11 áreas prioritárias, mas ainda precisa avançar em termos de
financiamento e implementação interfederal.
Políticas para a Amazônia que garantam a
preservação da floresta, e, ao mesmo tempo, gerem prosperidade para os povos
locais são o grande teste para o compromisso do País com o desenvolvimento
sustentável. O bioma é vital para o equilíbrio climático do planeta, e, mais do
que em qualquer outro âmbito, é nesse que as parcerias internacionais podem ter
um papel decisivo.
Hospital para a Cracolândia
O Estado de S. Paulo
A oferta de leitos para dependentes é um passo na direção certa para o enfrentamento dessa chaga na cidade
A principal notícia sobre a Cracolândia, no
último dia 8 de novembro, passou longe das calçadas, praças e ruas onde
usuários de drogas se aglomeram no centro de São Paulo. Finalmente, após oito
anos de espera, o governo paulista inaugurou a nova unidade do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), com uma
ala para a internação de dependentes químicos. A notícia é boa e reflete a
necessária visão multidisciplinar que deve orientar a atuação do Poder Público
diante dessa verdadeira catástrofe humanitária, cujo enfrentamento requer uma
combinação de ações de segurança pública, assistência social e, acima de tudo,
saúde.
Como informou o Estadão, a nova
unidade hospitalar, chamada de Instituto Perdizes (antigo Hospital Auxiliar
Cotoxó), começou a ser construída em 2013 e deveria ter ficado pronta em 2014,
mas só foi entregue neste ano. Tamanho atraso é lamentável e revelador das
dificuldades que os governos parecem enfrentar na hora de tirar do papel
políticas públicas destinadas ao atendimento de usuários de drogas em geral − e
de crack em particular. Não é de estranhar, portanto, que realidades
gravíssimas e complexas como a Cracolândia se perpetuem, sem solução, ano após
ano, enquanto governadores entram e saem. Sem falar no prejuízo financeiro
inerente a obras que demoram para ser concluídas e, por óbvio, acabam
demandando mais recursos do que o previsto.
O Instituto Perdizes tem um total de 200
leitos, dos quais 80 para dependentes químicos da Cracolândia e da Grande São
Paulo. As internações serão voluntárias, ou seja, por escolha do usuário. Por
ora, como informou o Estadão, o novo hospital, mesmo pronto e equipado,
oferece apenas atendimento ambulatorial. A previsão é que a ala de internação
passe a funcionar no primeiro trimestre de 2023 e que só atinja 100% de sua
capacidade em junho. Antes será preciso contratar e treinar a equipe de 760
funcionários. Considerando-se que a unidade ficou pronta com oito anos de
atraso, vale perguntar: por que isso não foi feito antes?
No último mês de maio, o governo paulista,
em parceria com a Prefeitura, deflagrou uma série de ações policiais para
prender traficantes e dispersar o chamado fluxo de usuários de drogas que se
concentravam na Praça Princesa Isabel. Os dependentes químicos passaram, então,
a circular em grupos menores e se espalharam. Em setembro, o governador Rodrigo
Garcia declarou ao Estadão que a situação estava “longe” do ideal, embora o
número de dependentes químicos em circulação tivesse diminuído.
Como já tivemos a oportunidade de enfatizar inúmeras vezes aqui neste espaço, é preciso agir em diversas frentes no enfrentamento da tragédia da Cracolândia. E as operações policiais, embora necessárias, não serão capazes isoladamente de desarticular essa chaga na vida da cidade. Nesse sentido, o Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas tem enorme contribuição a dar. Dependentes químicos são doentes que necessitam de tratamento adequado. Com os novos 80 leitos, tão logo sejam disponibilizados, o governo paulista dá um passo na direção certa.
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