Folha de S. Paulo
Mark Twain tem algo a dizer aos perplexos
com o embotamento das faculdades mentais de extremistas
"É mais fácil enganar as pessoas do
que convencê-las de que foram enganadas". Assim, "nunca discuta com
pessoas estúpidas, porque vão lhe arrastar para o nível delas e acabar vencendo
por experiência". Estas duas boutades ferinas de Mark Twain podem servir
de guia para os perplexos com o embotamento das faculdades mentais de
extremistas.
De fato, é tarefa inglória argumentar sobre o grau de realidade de um fato, quando o interlocutor foi emocionalmente capturado por outra certeza, absurda. O fato: TSE, STF, militares, observadores internacionais, governantes à esquerda e à direita no mundo reconhecem a lisura das eleições brasileiras. Mas um empresário retruca: "Creio que é fraude. Mandei caminhões para protestar".
"Creio porque é absurdo" é frase
derivada de Tertuliano, teólogo cristão do século três, que queria assim
afirmar a fé como transcendental à razão. Só que extremismo nada tem a ver com
teologia, e sim com basbaquice, imbecilidade ou estupidez legítima, que é uma
forma deliberada de idiotia. Às vezes, o que se diz não coincide com o que se
pensa, isso pode ser corriqueiro. Preocupante é o abismo entre um e outro,
ocupado pelas ilusões de onipotência do estado de autoexaltação, em que o
imbecil veste uma fantasia pretensamente capaz de resgatá-lo de sua miséria
existencial. Por insólito que pareça, o absurdo banal é uma droga do
extremismo.
Têm se multiplicado na mídia interpretações
de natureza psi sobre o fenômeno. Em geral, numa bela língua, mas talvez seja
um esforço excessivo. O estúpido, o imbecil, o cretino, o basbaque, o mané não
comporta profundidade, é grosseiramente linear. Daí a dificuldade de apreendê-lo
pela via da racionalidade culta: busca-se um sentido oculto na cabeça da
ovelha, enquanto o comportamento é regido pela mecânica irreflexa do rebanho.
Por mais incômodo e ridículo que seja o
despautério nas redes, em frente a quartéis ou sob um céu de ovnis, seria de
bom aviso pautar a verve de Mark Twain, uma reflexão prática sobre os impasses
do diálogo. Na verdade, isso pode estar ocorrendo, quando até mesmo militares
começam a se preocupar mais com o lixo acumulado pelas "livres expressões
democráticas" nas portas de suas unidades do que com aquele que enche
cabeças "patrióticas" às voltas com picanha e linguiça, ao som de
música sertaneja.
Mas estupidez não tem agenda, pode durar.
Nesse meio tempo, recomenda-se aos sãos de espírito meditar sobre uma canção
("Le Roi des Cons") do genial Georges Brassens, em que ele diz ser
possível rolar por terra a Coroa da Inglaterra, mas "não se destrona o rei
dos imbecis". É empresa árdua, certo, porém factível: bem avisadas, as
urnas democráticas dão conta do recado.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ,
autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar
Nagô".
Um comentário:
Descreve muuuuuuuuuito bem o universo gadense, q tem exemplos pastando neste blog.
Traduzo pra eles: mu Mu mu mu mu MU é Mu.
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