O Estado de S. Paulo
Em vez de ‘fechar’ o País, Brasil deveria ter adotado o ‘pulo do gato’ que um dia a Coreia do Sul deu. Novo governo pode reverter este processo
A reindustrialização do Brasil é uma das
prioridades que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva elencou na sua
primeira declaração pública. Esta é uma declaração da maior importância, porque
a reindustrialização vai afetar de maneira positiva todas as atividades de
pesquisa e ensino superior do País e da educação em geral, duramente atingidas
pelas políticas de indiferença e descaso que o atual governo adotou nos últimos
quatro anos.
O sucesso do setor agropecuário no Brasil –
que nos levou a ser um grande produtor e exportador de grãos – deve muito à
atividade de pesquisa e difusão da Embrapa e de algumas excelentes escolas de
agricultura, como a Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP), a de
Viçosa e outras. Não só tecnologias para enriquecimento dos solos foram
desenvolvidas, como também pesquisas científicas de ponta permitiram a seleção
de melhores cepas e o consequente aumento da produtividade.
Em contraste, parte da indústria se manteve
operando com tecnologias obsoletas, sem incentivos para procurar as
universidades e institutos de pesquisa para ajudá-la a resolver seus problemas
e aumentar sua produtividade.
As causas para este atraso são antigas e, na análise de Edmar Bacha, se devem à adoção de um modelo de desenvolvimento baseado na proibição de importações para estimular a produção de similares nacionais.
Outros países fizeram exatamente o oposto
no passado, como a Coreia do Sul, que na década de 50 do século passado era um
país subdesenvolvido, com uma renda per capita aproximadamente igual
à do Brasil, e que em três décadas se tornou um país altamente desenvolvido,
com uma renda per capita de US$ 35 mil, enquanto o Brasil mal atingiu US$
10 mil, e caindo.
Segundo Bacha: “Por que isso aconteceu? Uma
explicação está na insistência em manter a economia fechada, tratando de
produzir no Brasil insumos, máquinas e equipamentos que eram antes importados
por preços menores e com produtividade maior. O País aprofundou a substituição
de importações, em vez de aumentar a exportação para facilitar as importações e
o investimento eficiente. Esse seria o caminho para a produção eficiente de
bens e serviços de qualidade capazes de concorrer no mercado internacional. Foi
o caminho que a Coreia do Sul tomou”.
Facilitar a entrada da tecnologia moderna,
reduzindo as tarifas de importação, e usar essas tecnologias para aumentar o
conteúdo tecnológico dos produtos nacionais e exportá-los são o pulo do
gato que a Coreia do Sul deu e que o Brasil deveria ter adotado, em lugar
de fechar o País.
O novo governo tem condições de reverter
este processo: existem várias empresas brasileiras que seguiram um roteiro
evolutivo com sucesso. Exemplos delas são a Natura, a Klabin e a Votorantim,
que sabiamente utilizam recursos locais como produtos florestais, florestas
plantadas e alumínio produzido com energia hidrelétrica; e também a Embraer,
que explorou um nicho do mercado de aviação com grande sucesso utilizando
motores importados e engenheiros competentes e criativos do Instituto
Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O clima, a geografia e a competência
existentes no País favorecem a competitividade dessas empresas em suprir o
mercado nacional e exportar. Para competir no exterior, elas tiveram de usar as
melhores tecnologias existentes e realizar as pesquisas necessárias para tal.
Várias das nossas universidades, sobretudo
as públicas do Estado de São Paulo (USP, Unicamp e Unesp), estão equipadas para
atender a demandas do setor produtivo graças ao nível de excelência que
atingiram em razão do apoio continuado do governo do Estado desde 1989, que
destina a elas um porcentual fixo do ICMS. Além disso, a ação da Fapesp em São
Paulo há mais de 50 anos – e de outras similares – tem sido exemplar.
O sistema universitário atual e os
institutos de pesquisa atualmente são orientados para a produção de
conhecimentos mantendo vínculos estreitos com a comunidade científica
internacional e trabalhando nas áreas de vanguarda do conhecimento, e
rapidamente se capacitam para ajudar o País, como o fizeram com sucesso enfrentando
a pandemia de covid-19. O papel do Instituto Butantan e do Instituto Oswaldo
Cruz nessa área foi fundamental.
Da mesma forma, a demanda de um setor
industrial renovado fará com que a enorme competência existente em várias
universidades brasileiras e em institutos de pesquisa os leve a apoiar a
reindustrialização, e com isso deixariam de ser considerados “torres de
cristal” afastadas das necessidades da sociedade – do que são frequentemente
acusados, injustamente.
O que é necessário para tal são políticas
do governo federal na área econômica que promovam de fato a reindustrialização,
com créditos, financiamentos atrativos e promoção ativa de exportações, como
fez o setor agropecuário, para que as indústrias procurem a ciência e a
tecnologia de que necessitam nas universidades e nos institutos de pesquisa,
além do pessoal qualificado que elas preparam.
*Foi Secretário de Ciência e Tecnologia da presidência da República (1990-1992)
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