Valor Econômico
Membros do STF, do BC e do TCU foram à NY
às custas do Lide
A viagem do presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva ao Egito no jato de um bem sucedido empresário do ramo da saúde
suscitou uma relevante discussão sobre conflitos de interesse.
Lula venceu a eleição, mas ainda não exerce
o cargo de presidente e nem sequer foi diplomado. A rigor, portanto, ele não
foi à COP27, a Conferência do Clima, como representante do governo brasileiro.
Pelo prestígio e pelo cargo que irá assumir em janeiro, o petista cumpre uma
agenda típica de chefe de Estado em Sharm el-Sheikh, a cidade sede do encontro.
Mas chefe de Estado ele não é.
Não há dúvida de que teria sido melhor
evitar a aeronave do empresário. Mas só uma cabeça muito obtusa pode defender
que, no atual patamar de polarização, o petista, em nome da impessoalidade,
deveria se arriscar num voo comercial. O PT poderia financiar via Fundo
Partidário, mas não tem essa obrigação e alega não dispor dos recursos. Caberia
ao governo brasileiro fornecer o transporte ao presidente eleito?
Ninguém enxergaria problema nisso se Lula estivesse prestes a suceder um presidente que, em elevado clima de transição, tivesse tido a inteligência política de convidá-lo para uma participação conjunta na importante conferência.
Seria possível imaginar um cenário assim na
virada de 2010 para 2011, quando Dilma Rousseff estava prestes a receber a
faixa do mesmo Lula. Ou, com um pouco de boa vontade, até mesmo entre 2002 e
2003, quando Lula estava expectativa de receber o bastão de Fernando Henrique
Cardoso.
Mas ninguém espera um gesto com esse grau
de civilidade de um tipo como Jair Bolsonaro. O presidente recluso, aliás,
preferiu ignorar a COP27 e, ao que consta, sua ausência não foi lamentada por
lá.
O caso parece inédito. Até onde a vista
alcança, nunca antes na história deste país houve situação como essa: um político
de oposição já eleito, mas ainda não diplomado, convidado para um relevante
evento de caráter diplomático boicotado pelo presidente ainda em exercício.
Uma ótima oportunidade para se pensar em
algum tipo de regulamentação.
Situação com alguns pontos de similaridade
ocorreu no mesmo feriado de Proclamação da República com um punhado de
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), um ministro do Tribunal de Contas
da União (TCU), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o
governador de São Paulo em fim de mandato, Rodrigo Garcia (PSDB).
Todos eles acharam por bem participar em
Nova York de um evento promovido pela empresa privada Lide, firma criada pelo
agora novamente empresário João Doria, o ex-governador de São Paulo que
resolveu voltar ao mundo dos negócios após ter fracassado no plano de disputar
a Presidência.
Na segunda-feira, 14, conforme a empresa,
os magistrados Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto
Barroso e Ricardo Lewandowski debateram na Big Apple com um ex-colega de corte
e com o ministro do TCU Antonio Anastasia na mesa “O Brasil e o respeito à
liberdade e à democracia”.
No dia seguinte, Campos Neto e Rodrigo
Garcia discutiram “A economia do Brasil a partir de 2023” com um empresário
brasileiro, um representante de entidade patronal brasileira e outros três
economistas brasileiros.
Curiosamente, todos os palestrantes do
“Lide Brazil Conference - New York”, no Harvard Club, eram brasileiros que
residem no Brasil. Apesar do Brasil com “z” no cartaz, não havia conferencista
americano ou de outro país.
Medido pelo porte e pela quantidade das
marcas associadas, a conferência foi um sucesso. Entre as cinco empresas que
constavam como apoiadoras estavam o Bradesco e o Grupo J. Safra. No grupo das
11 apresentadas como patrocinadoras, com o status de ter o logo um degrau acima
no material de divulgação, estavam a Cosan, a Febraban, a gigante asiática
Paper Excellence (PE) e a J&F Investimentos.
A presença das duas últimas lado a lado é
uma amostra da capacidade de articulação de Doria no meio empresarial. Conforme
noticiado, o ex-governador foi contratado para prestar consultoria à PE logo
após abandonar a carreira política. Desde 2018, PE e J&F travam aquela que
ficou conhecida como a maior disputa judicial empresarial em curso no país: um
conflito de R$ 15 bilhões pelo controle da Eldorado Celulose.
Com a honrosa exceção de Roberto Campos
Neto, do Banco Central, nenhuma das autoridades públicas presentes no evento
privado do Lide registrou a participação em suas respectivas agendas oficiais.
Segundo o Lide informou à coluna, ninguém
recebeu cachê. Mas todos viajaram às custas da empresa, que pagou passagens
aéreas, hospedagem, alimentação e “transfers”.
Não precisava ser assim. Como no caso Lula,
o episódio poderia servir de oportunidade para regulamentação.
Em junho de 2016, ante indícios de uma
certa farra de palestras de juízes Brasil afora, o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) criou uma norma de transparência segundo a qual todo magistrado deve
registrar no site de seu correspondente tribunal a data e o local da palestra
que aceitou ministrar, o tema da apresentação e o nome da entidade ou da
empresa promotora.
Em linha com os princípios mais básicos da
transparência, um bem-vindo primeiro avanço poderia ser o estabelecimento de
parâmetros para eventuais remunerações, assim como a exigência de divulgação de
valores eventualmente pagos para transporte, hospedagem e, quando for o caso,
cachê.
Um segundo avanço republicano seria
estender a norma para ministros do STF.
Numa abordagem defensiva, os membros da
suprema corte costumam dizer que não são obrigados a se submeter às regras do
CNJ. É igualmente verdadeiro que também não são impedidos de adotar as regras
mais elementares de transparência seguidas pelos demais magistrados do país.
Num caso como o do feriadão da Proclamação da República, ninguém precisaria recorrer à empresa privada para saber o que foram fazer em Nova York e em quais condições.
3 comentários:
Texto interessante pra quem criticou ou discutiu a viagem de Lula no jatinho dum empresário! Os críticos se preocuparam com os milhões do dinheiro público que Bolsonaro torrou pra participar das CENTENAS DE MOTOCIATAS por todo o país? Ou alguém vê interesse público na AUTOPROMOÇÃO E DIVERSÃO DO GENOCIDA desde o primeiro dia do seu DESgpverno?
Imaginem isso acontecendo em Usa.Ridícula preocupação brasileira, só mesmo aqui essas coisas acontecem.
Procurar chifre na cabeça de cavalo?
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