quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Ricardo Mendonça - Lula, o jato e potenciais conflitos de interesse

Valor Econômico

Membros do STF, do BC e do TCU foram à NY às custas do Lide

A viagem do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ao Egito no jato de um bem sucedido empresário do ramo da saúde suscitou uma relevante discussão sobre conflitos de interesse.

Lula venceu a eleição, mas ainda não exerce o cargo de presidente e nem sequer foi diplomado. A rigor, portanto, ele não foi à COP27, a Conferência do Clima, como representante do governo brasileiro. Pelo prestígio e pelo cargo que irá assumir em janeiro, o petista cumpre uma agenda típica de chefe de Estado em Sharm el-Sheikh, a cidade sede do encontro. Mas chefe de Estado ele não é.

Não há dúvida de que teria sido melhor evitar a aeronave do empresário. Mas só uma cabeça muito obtusa pode defender que, no atual patamar de polarização, o petista, em nome da impessoalidade, deveria se arriscar num voo comercial. O PT poderia financiar via Fundo Partidário, mas não tem essa obrigação e alega não dispor dos recursos. Caberia ao governo brasileiro fornecer o transporte ao presidente eleito?

Ninguém enxergaria problema nisso se Lula estivesse prestes a suceder um presidente que, em elevado clima de transição, tivesse tido a inteligência política de convidá-lo para uma participação conjunta na importante conferência.

Seria possível imaginar um cenário assim na virada de 2010 para 2011, quando Dilma Rousseff estava prestes a receber a faixa do mesmo Lula. Ou, com um pouco de boa vontade, até mesmo entre 2002 e 2003, quando Lula estava expectativa de receber o bastão de Fernando Henrique Cardoso.

Mas ninguém espera um gesto com esse grau de civilidade de um tipo como Jair Bolsonaro. O presidente recluso, aliás, preferiu ignorar a COP27 e, ao que consta, sua ausência não foi lamentada por lá.

O caso parece inédito. Até onde a vista alcança, nunca antes na história deste país houve situação como essa: um político de oposição já eleito, mas ainda não diplomado, convidado para um relevante evento de caráter diplomático boicotado pelo presidente ainda em exercício.

Uma ótima oportunidade para se pensar em algum tipo de regulamentação.

Situação com alguns pontos de similaridade ocorreu no mesmo feriado de Proclamação da República com um punhado de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o governador de São Paulo em fim de mandato, Rodrigo Garcia (PSDB).

Todos eles acharam por bem participar em Nova York de um evento promovido pela empresa privada Lide, firma criada pelo agora novamente empresário João Doria, o ex-governador de São Paulo que resolveu voltar ao mundo dos negócios após ter fracassado no plano de disputar a Presidência.

Na segunda-feira, 14, conforme a empresa, os magistrados Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski debateram na Big Apple com um ex-colega de corte e com o ministro do TCU Antonio Anastasia na mesa “O Brasil e o respeito à liberdade e à democracia”.

No dia seguinte, Campos Neto e Rodrigo Garcia discutiram “A economia do Brasil a partir de 2023” com um empresário brasileiro, um representante de entidade patronal brasileira e outros três economistas brasileiros.

Curiosamente, todos os palestrantes do “Lide Brazil Conference - New York”, no Harvard Club, eram brasileiros que residem no Brasil. Apesar do Brasil com “z” no cartaz, não havia conferencista americano ou de outro país.

Medido pelo porte e pela quantidade das marcas associadas, a conferência foi um sucesso. Entre as cinco empresas que constavam como apoiadoras estavam o Bradesco e o Grupo J. Safra. No grupo das 11 apresentadas como patrocinadoras, com o status de ter o logo um degrau acima no material de divulgação, estavam a Cosan, a Febraban, a gigante asiática Paper Excellence (PE) e a J&F Investimentos.

A presença das duas últimas lado a lado é uma amostra da capacidade de articulação de Doria no meio empresarial. Conforme noticiado, o ex-governador foi contratado para prestar consultoria à PE logo após abandonar a carreira política. Desde 2018, PE e J&F travam aquela que ficou conhecida como a maior disputa judicial empresarial em curso no país: um conflito de R$ 15 bilhões pelo controle da Eldorado Celulose.

Com a honrosa exceção de Roberto Campos Neto, do Banco Central, nenhuma das autoridades públicas presentes no evento privado do Lide registrou a participação em suas respectivas agendas oficiais.

Segundo o Lide informou à coluna, ninguém recebeu cachê. Mas todos viajaram às custas da empresa, que pagou passagens aéreas, hospedagem, alimentação e “transfers”.

Não precisava ser assim. Como no caso Lula, o episódio poderia servir de oportunidade para regulamentação.

Em junho de 2016, ante indícios de uma certa farra de palestras de juízes Brasil afora, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou uma norma de transparência segundo a qual todo magistrado deve registrar no site de seu correspondente tribunal a data e o local da palestra que aceitou ministrar, o tema da apresentação e o nome da entidade ou da empresa promotora.

Em linha com os princípios mais básicos da transparência, um bem-vindo primeiro avanço poderia ser o estabelecimento de parâmetros para eventuais remunerações, assim como a exigência de divulgação de valores eventualmente pagos para transporte, hospedagem e, quando for o caso, cachê.

Um segundo avanço republicano seria estender a norma para ministros do STF.

Numa abordagem defensiva, os membros da suprema corte costumam dizer que não são obrigados a se submeter às regras do CNJ. É igualmente verdadeiro que também não são impedidos de adotar as regras mais elementares de transparência seguidas pelos demais magistrados do país.

Num caso como o do feriadão da Proclamação da República, ninguém precisaria recorrer à empresa privada para saber o que foram fazer em Nova York e em quais condições.

3 comentários:

Anônimo disse...

Texto interessante pra quem criticou ou discutiu a viagem de Lula no jatinho dum empresário! Os críticos se preocuparam com os milhões do dinheiro público que Bolsonaro torrou pra participar das CENTENAS DE MOTOCIATAS por todo o país? Ou alguém vê interesse público na AUTOPROMOÇÃO E DIVERSÃO DO GENOCIDA desde o primeiro dia do seu DESgpverno?

Anônimo disse...

Imaginem isso acontecendo em Usa.Ridícula preocupação brasileira, só mesmo aqui essas coisas acontecem.

Anônimo disse...

Procurar chifre na cabeça de cavalo?