quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Vinicius Torres Freire - Governo paga caro pela transição

Folha de S. Paulo

Juros na praça do mercado dão salto grande; Senado diz que PEC não passa como está

Se o governo quisesse tomar dinheiro emprestado nesta quarta-feira (16), pagaria muito mais do que na quarta passada, um dia antes do "Lula Day", como dizem os povos dos mercados. As taxas de juros deram um salto no mercado de títulos da dívida pública. Foram ao pico recente, de julho passado, e estão no nível mais alto desde o início do desastroso 2016.

O governo, o Tesouro Nacional, não precisa tomar dinheiro emprestado durante esses tumultos. Pode (ainda) esperar por uns dias, por um preço melhor. Se o caldo engrossar por mais tempo, o Tesouro acaba tendo de engolir a coisa. Isto é, pagar taxas de juros mais altas para cobrir a despesa para a qual não há receita e para rolar a dívida que vence, grosso modo.

O motivo do tumulto é, como se sabe, a "PEC da Transição", a emenda constitucional que vai permitir uma despesa além do teto. No Senado, estão dizendo ao governo de transição que não vai passar. E se passar?

A PEC previa que a despesa com o Bolsa Família não seja considerada no teto. Não apenas o teto é furado. O déficit primário pode aumentar em pelo menos R$ 175 bilhões (pode haver mais despesa extra, como está no rascunho da PEC).

Em relação ao tamanho da economia, o déficit seria de 2,2% do PIB (em vez dos 0,6% do PIB previstos pelo Orçamento inviável deixado por Jair Bolsonaro). Seria o terceiro maior déficit primário (que nem leva em conta a despesa com juros) desde 1991, abaixo daquele do ano da explosão da epidemia, 2020, e o de Michel Temer em 2016, quando a receita era muito menor.

Se o caldo continuar grosso, as taxas de juros continuarão altas ou subirão ainda mais. Com juros altos e déficit grande a perder de vista, a dívida pública crescerá rapidamente. Isto é, afora um "milagre do crescimento" da economia.

Por ora, a PEC é assunto da "equipe política" da transição, dizem parlamentares; os economistas da transição estavam de fora da conversa. Não faz sentido.

Muita gente diz que um problema da PEC é que a licença para o gasto acima do teto vai além de 2023. Mas essas pessoas precisam explicar como, mesmo com licença apenas em 2023, como um déficit primário de 2,2% do PIB seria reduzido em tempo hábil.

Aumento de imposto? Algum seria inevitável, mesmo para lidar com a conta anterior à da PEC. Agora, complicou.

receita do governo federal já está em nível recorde.

Imagina-se conter despesas com uma reforma administrativa (salários de servidores, no que interessa aqui). Uma nova reforma da Previdência, se houvesse, levaria tempo para fazer efeito. Por aí, é difícil arrecadar mais, diz Armínio Fraga, que acaba de propor as linhas gerais de um método de contenção de dívida e déficit, com Marcos Mendes, em artigo nesta Folha.

Cancelar gastos tributários (descontos de impostos para tal ou qual tipo de setor, empresa ou pessoa física) pode render. Mas qualquer tributação extra, ainda que necessária, pode ter seus custos, lembra Fraga. Pode provocar ineficiências econômicas, o impacto do aumento da receita do governo pode não compensar as perdas privadas etc. Um aumento brusco pode ser até recessivo.

Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro de Temer e ora economista-chefe do banco BTG Pactual, escreveu em uma rede social que, com um déficit inicial de 2% do PIB, será muito difícil que, ao fim de 4 anos, se chegue a um superávit primário de 2% do PIB necessário para estabilizar a dívida (seria uma virada de uns R$ 400 bilhões).

O economista estima que, se a PEC da Transição tirar R$ 175 bilhões por ano durante o governo Lula 3, a dívida pública, em 2023, crescerá entre 3 e 4 vezes o ritmo dos últimos quatro anos, com juros altos, o que "não vai ajudar na redução da pobreza".

Um comentário:

Anônimo disse...

Preocupante, haja coração!