Folha de S. Paulo
Reforma Tributária é grande vitória para o
governo, mas não só dele
A Câmara
dos Deputados aprovou a Reforma
Tributária proposta pelo governo Lula.
Foi a
primeira grande reforma tributária aprovada desde o fim da ditadura. O
Brasil vai ter um sistema tributário mais parecido com o dos países
desenvolvidos. Distorções que prejudicaram nossa indústria nas últimas décadas
serão eliminadas. A frente ampla que elegeu Lula mostrou que pode entregar mais
do que a reconstrução da democracia: a reforma foi resultado de gente diferente
conversando sobre progresso.
O economista Samuel Pessôa já havia escrito nesta Folha que ela pode ser um novo Plano Real. Não sei se será, mas as projeções dos economistas são mesmo boas. Além do que, depois da última década, meio Plano Real já seria suficiente para me fazer dar volta olímpica na praça dos Três Poderes.
Foi uma grande vitória para o governo, mas
não só dele.
Não há dúvida de que o presidente da
Câmara, Arthur
Lira, teve papel
importante na aprovação da reforma. Merece parabéns. Entrou em campo pela
reforma, mobilizou sua turma, botou para votar, cumpriu seu papel.
Mas é bom lembrar que Arthur Lira era ainda
mais poderoso até ano passado. O deputado Baleia Rossi (MDB-SP) já havia
apresentado, em 2019, proposta de emenda constitucional com teor muito parecido
com a reforma aprovada agora. Mas a reforma não andou, porque o governo
Bolsonaro não bancou.
A PEC 45 foi inspirada nos trabalhos do
economista Bernard Appy, um dos poucos membros da equipe econômica de Palocci
que havia sido próximo do PT nos anos 90. Appy saiu do governo Lula em 2009,
pouco antes da política econômica petista dar uma virada para pior. Passou a
ser visto como parte da comunidade dos economistas mais "ortodoxos".
Isso não o impediu de declarar voto em Fernando Haddad no segundo turno de
2018.
Quando Lula se elegeu presidente, o diálogo
institucional voltou e Appy foi nomeado para secretário extraordinário da
Reforma Tributária. Com Alckmin, Haddad e Tebet, Lula escolheu um vice, um
ministro da Fazenda e uma ministra do Planejamento que eram entusiastas da
reforma.
Fernando
Haddad, a propósito, fecha o semestre com o arcabouço fiscal e a reforma
tributária bastante adiantados. Em janeiro, chamavam isso de "cenário
otimista". Haddad continua funcionando.
O governador de São Paulo, Tarcísio
Freitas, também saiu bem do episódio. Eleito pelo bolsonarismo, desobedeceu
a Jair e apoiou a reforma. Bolsonaro resolveu mostrar quem é que manda,
mostrou, não era ele.
Tarcísio foi
vaiado pelos bolsonaristas e ganhou elogios do centro. Precisará
reacomodar tensões difíceis dentro de sua base. Mas passou no teste da
responsabilidade, que nunca havia aprovado alguém da órbita de Jair.
Volto a notar a diferença de clima após a
troca de presidente: o governo Lula tem relações melhores com Tarcísio, que se
elegeu como adversário, do que Bolsonaro tinha com Doria, que se elegeu como
aliado.
Alguém pode dizer: mas o que Lula fez foi o
óbvio. A proposta estava lá, foi só questão de indicar o pai da reforma como
secretário, arrumar um bom ministro da Fazenda, negociar com Lira e com
governadores de oposição. Pra mim, já parece muito. E lembrem-se: ano passado,
o óbvio ganhou do absurdo por menos de 2 pontos percentuais.
*É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".
Um comentário:
Arthur Lira tem mais responsabilidade e crédito na aprovação da reforma do que o colunista reconhece!
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