O Globo
Com estilos diferentes, presidente da
Câmara e ministro da Economia conquistam resultados inéditos
A aprovação da emenda constitucional da
Reforma Tributária mostrou que, com a costura de Arthur Lira, presidente da
Câmara, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Lula terá uma pista livre
para governar. Lira e Haddad têm estilos diferentes. Quando os dois estilos se
juntam, conseguem resultados inéditos. A PEC teve 382 votos, 74 acima do
necessário, no primeiro turno e 375, no segundo.
A Reforma Tributária ficou na agenda do
país por 30 anos. Sabendo-se que entre a hora em que o presidente americano
John Kennedy quis mandar um americano à Lua e o dia em que Neil Armstrong lá
pisou, passaram-se apenas oito anos, vê-se o tamanho dos obstáculos que estavam
no caminho.
Tão significativa quanto o resultado da última quinta-feira, foi a autoimolação a que Jair Bolsonaro submeteu seus mais fiéis seguidores. É verdade que em condições normais de temperatura e pressão, Bolsonaro é o adversário dos sonhos de políticos habilidosos como Haddad e frios como Lira. Em menos de uma semana, o ex-capitão perdeu no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por 5 a 2 e na Câmara, por 382 a 118.
A votação da Reforma Tributária, com suas
muitas virtudes e diversos defeitos, deu ao governo uma autoridade que seus
antecessores não tiveram. Ele buscou uma coligação semelhante à que elegeu Lula
no ano passado e os votos vieram. É natural que se pense nos R$ 5,3 bilhões de
emendas parlamentares liberadas às vésperas da votação. Contudo, emendas são uma
prerrogativa dos parlamentares e liberá-las é uma atribuição do Executivo. Se
uma emenda manda kits de robótica superfaturados para escolas alagoanas, essa
questão pode ser resolvida pela Polícia Federal.
O êxito na aprovação da PEC da Reforma
Tributária ocorreu pouco depois da trava imposta ao projeto de regulamentação
das redes sociais. No caso da reforma, o governo conversou. No segundo,
prevaleceu a onipotência, dando aos adversários do projeto o argumento de que
embutia uma forma de censura. Pudera, pois apareceu até agência do Estado
oferecendo-se para gerenciar os conteúdos que circulam na rede. Se em um caso a
Câmara mostrou que está blindada contra tratoraços, no outro, mostrou como se
pode aprovar até emenda constitucional mexendo com impostos.
Conselho Federativo
Pelo andar da carruagem, o Conselho
Federativo a ser criado pela Reforma Tributária terá a maior sala de espera de
Brasília.
Esse conselho terá poderes coloniais sobre
a partilha de impostos e a concessão de benefícios.
Lula 2026
Por enquanto, Lula deixou aberta a
possibilidade de vir a disputar a reeleição para livrar seu governo do desgaste
provocado pelas rivalidades internas.
Esse bloqueio será eficaz por mais um ano.
Bolsonaro e Tarcísio
Inelegível, Bolsonaro pode sorrir quando
seus seguidores hostilizam o governador Tarcísio de Freitas.
A partir desta semana, ajudará a apagar o
fogo que ajudou a atear. Afinal, 20 deputados do PL votaram a favor da reforma.
O perigo americano
Quem passa pela esquina da Park Avenue com
a rua 68 pode não notar aquele casarão branco. Lá dentro está o Council on
Foreign Relations, um dos pilares da elite americana. Numa sala da entrada, há
um exemplar da Foreign Policy, a revista que ele publica, anotada pelo
bolchevique Lênin.
Ele não é mais o que foi, mas ainda é muita
coisa. Depois de 20 anos no comando da instituição, Richard Haass deixou-a e
deu uma entrevista na qual disse que com a guerra da Ucrânia, o aquecimento
global, a ameaça chinesa e o risco de uma nova pandemia, o que lhe tira o sono
é a situação interna dos Estados Unidos.
Haass passou pelas tramas de Washington e
pelo serviço diplomático, o que ele diz hoje pode parecer uma profecia
precipitada, mas no ano que vem os americanos elegerão um novo presidente.
Se o jogo não mudar, a escolha ficará entre
um retorno de Donald Trump ou a reeleição de Joe Biden, que outro dia falou que
a Rússia vai mal na sua guerra com o Iraque. Quis dizer Ucrânia.
Daqui a um ano vai-se ver a importância da
profecia de Haass.
As convicções de Sabino
Em 2016 o futuro ministro do Turismo, Celso
Sabino, escreveu no Facebook que a presidente Dilma nomeou Lula para a chefia
de sua Casa Civil, numa “manobra” para “garantir o foro privilegiado ao homem
que poderia ser preso por crimes como lavagem de dinheiro para não citar outros”.
Em 2022 muita gente que pensava assim em
2016 votou em Lula.
Sabino, contudo, apagou a mensagem na
semana passada, depois que se tornou pública. Ele ganha um fim de semana no
Hilton Princess de Manágua se conseguir explicar a utilidade desse cancelamento.
Zanin no STF
Cristiano Zanin é um homem de poucas
palavras, mas no Supremo Tribunal Federal (STF) continuará seguindo hábitos de
sua vida de advogado.
Não há registro de que tenha feito
palestras remuneradas.
Americanas
Os três grandes acionistas da rede
varejista Americanas dificilmente escapam de depoimentos na Comissão
Parlamentar de Inquérito que trata da quebra da rede e da fraude que havia na
sua gestão.
É provável que sejam tratados com cortesia,
mas devem se preparar para responder à seguinte pergunta de um deputado:
Os senhores não estavam na direção da
Americanas e eu acredito nisso. Sendo um empresário bem-sucedido, o senhor não
viu a fraude de dezenas de bilhões de reais. Se o senhor me diz que não sabia
das malfeitorias do gerente da loja da Praça Marechal Deodoro, na minha cidade,
eu entenderia. O que o senhor quer que eu entenda?
O repórter Lauro Jardim revelou que os
diretores da rede (nada a ver com os grandes acionistas) venderam R$ 244
milhões de ações da empresa no segundo semestre de 2022, quando ela emborcou.
Um ano antes, um deles (Márcio Cruz) comprou uma casa no Jardim Pernambuco, no
Leblon, por R$ 32,6 milhões, pagos à vista.
A falta de sorte do reitor
Mexer com estudantes não traz sorte. Em
2007 o diretor da Faculdade de Direito da USP, João Grandino Rodas, chamou a
tropa de choque da PM para desalojar alunos que ocupavam parte do prédio.
Afrontou a lição do reitor Pedro Calmon (UFRJ), que disse ao comandante da
tropa da PM do Rio que pretendia desocupar a faculdade de Direito: “Aqui só se
entra com vestibular.”
Na semana passada, Grandino Rodas foi
condenado a pagar uma indenização por ter celebrado um acordo com um banqueiro
e um advogado. Os dois pagariam a reforma de um auditório, banheiros e uma sala
de aulas. Em troca, ganhariam placas homenageando-os.
Grandino foi condenado por não cumprir os trâmites da faculdade. Tudo bem, mas penalizar diretores que aceitam doações e prestam as devidas contas é um desestímulo para quem pensa em dar dinheiro para as combalidas universidades públicas.
Um comentário:
Pois é.
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