Folha de S. Paulo
Alguém precisa ceder parte do seu espaço
para o colega e tentar voltar com mais votos para o próximo embate
As especulações sobre
substituições de ministros e outros nomeados ao primeiro escalão do governo atingiu
um nível frenético. A acreditar-se no que publicam os jornais e sites de
notícias, garantidos mesmo no governo Lula depois
da iminente reforma só Janja e
um ou dois ministros que o presidente fez questão de etiquetar publicamente
como sendo dele.
Não se pode, claro, acreditar na maior
parte do que se diz sobre danças das cadeiras em períodos em que governos sem
maioria parlamentar precisam de rearranjo na distribuição de poder. Pois é
muito difícil distinguir o que decorre de apuração jornalística e o que é o
jornalismo sendo usado por suas fontes na política para fazer o jogo de balões
de ensaio, frituras e testes de conceitos dos grupos concorrentes.
No Brasil, a temporada de demissões e contratações no governo é um período de lamentações e de reafirmação de quão inferior e movido por interesses mesquinhos é o jogo político, em contraste com a superioridade moral do povo.
Como um líder escolhido pela melhor parte
da sociedade, pergunta-se, vai agora ceder à vontade moralmente rebaixada de
grupos de interesses e de partidos poderosos, compartilhando com ele o governo
que lhe foi confiado pelo povo?
O líder pode ser Lula e as novas forças
políticas a serem acomodadas podem ser aquela entidade que o jornalismo costuma
proteger do ajuste de contas eleitorais chamando-a de centrão, mas o raciocínio
se aplica sempre, não importando os atores do momento.
A resposta deveria ser óbvia: quem ganha
uma eleição presidencial não é investido como monarca de um Estado absolutista,
mas apenas como titular do Poder Executivo em um regime em que o controle sobre
o Estado é dividido por três poderes. Pragmaticamente deveria ser simples
entender que Lula não ganhou a eleição passada, mas que apenas, e por muito
pouco, ganhou a eleição presidencial, tendo perdido de lavada a eleição para o
Congresso. E que, portanto, não poderia governar sozinho e com os da sua
afinidade ideológica, a não ser que passasse por cima do Parlamento.
Mas Lula perdeu, de muito, a eleição
parlamentar, e isso aconteceu pela vontade livre da maioria do povo brasileiro,
que, ao mesmo tempo em que lhe dava a presidência, negava-lhe a capacidade de
fazer reformas, aprovar leis, controlar o orçamento público etc. E fez isso
enchendo o Congresso de deputados e senadores bolsonaristas, fisiologistas e do
centrão, quando não são as três coisas ao mesmo tempo.
Sofrem mais com isso, naturalmente, as
franjas extremas do espectro ideológico, compostas pelos menos afeitos a uma
compreensão realista da política. São os que mais pressionam para que os
eleitos assumam o seu credo e para que o governo seja de sangue puro, mas foram
também os menos capazes de oferecer a contrapartida que o mercado eleitoral
demanda para que se possa vencer os concorrentes: votos.
Um candidato de esquerda poderia
francamente dizer: garanta-me votos que preciso para que eu me eleja e dê-me
uma maioria parlamentar que lhe darei políticas públicas e uma composição de
governo de matar de inveja os suecos.
Um candidato da direita conservadora pode
garantir: traga-me os votos que eu lhe darei a Hungria, a Polônia e o trumpismo,
tudo junto e misturado. Não foi o caso.
No final das contas, há uma obviedade com
que todos precisamos lidar: uma posição não prospera politicamente e ganha o
direito de governar como bem lhe parece e sem compartilhar poder porque é
moralmente superior às outras, ou porque vem de algum grupo meritório e
virtuoso, porque é a mais verdadeira e honesta, nem porque há de produzir o
maior bem possível ao maior número possível de pessoas.
Quer dizer, esses critérios, juntamente com
outros, podem influenciar o êxito político de uma posição, mas ela só prospera
se convencer a maioria —a maioria dos cidadãos no momento de votar nas eleições
presidenciais e parlamentares e a maioria dos representantes eleitos em um
sistema representativo.
Depois da posse dos eleitos, o jogo está
feito, o negócio é ver a distribuição de poder que a democracia eleitoral
produziu e lidar com o cenário proposto.
No caso brasileiro, uma presidência da
República petista e um parlamento controlado pelo centrão e pelo bolsonarismo é
o que temos. Poderia ter sido de outro modo? Claro, mas não foi. Lidemos com o
fato.
Alguém vai ter de ceder espaço para um
grupo de que não gosta e tentar voltar com mais votos da próxima vez.
Desculpem-me ter que afirmar o óbvio desta vez.
*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"
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