quarta-feira, 26 de julho de 2023

Elio Gaspari - O Cristo de Lula volta ao palácio

O Globo

A imagem conta uma história de tempos estranhos

Lula recolocou em seu gabinete a imagem do Cristo Crucificado de 1,50m com a qual conviveu por oito anos. A história da peça fala dos tempos estranhos que o Brasil viveu.

Ela foi presenteada a Lula pelo empresário José Alberto de Camargo, que a havia comprado por R$ 60 mil ao bispo de Caxias (RJ), Dom Mauro Morelli. Estava bastante maltratada e em 2003 foi para os cuidados de Antonio Fernando Batista, do Iphan mineiro, coautor do catálogo da obra do Aleijadinho. Durante três meses, as peritas Lucienne Elias e Alessandra Riosado devolveram-lhe a beleza e estabeleceram sua origem ibérica, do final do século XVI.

Foi a primeira vez que uma imagem de Cristo entrou no gabinete presidencial. Fernando Collor havia levado uma Virgem Maria, e José Sarney um São José. (Getúlio Vargas e Ernesto Geisel eram agnósticos.) À época, a imagem valia cerca de US$ 30 mil. Lula havia prometido doá-la à Arquidiocese de Brasília.

Em 2011, começou o calvário da peça. Ela acabou num cofre do Banco do Brasil, onde ficou com outros presentes recebidos por Lula. De lá, foi mandada para o Museu da República.

O cofre do Banco do Brasil, onde estavam os presentes recebidos por Lula, foi exposto com algum espetáculo em 2016. Era parte da Operação Aletheia, durante a qual o juiz Sergio Moro determinou buscas e apreensões “para colheita de provas em relação a possíveis ilícitos criminais relacionados ao ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e a pessoas associadas”. O Crucificado estava junto a mais de uma centena de peças, foi apresentado à imprensa e retido com outros 21 objetos. O acervo pertencia à Presidência da República. Nada a ver com episódios posteriores.

Numa trapaça da História, no mesmo dia de atividade frenética em que a turma da Lava-Jato tratava do grampo de Lula (9 de março de 2016, às 17h16), o procurador Deltan Dallagnol conversava com um colega e informava:

— Operação de hoje no cofre do BB em nome do Lulinha e da Marisa, (...) Lá está a cruz do Aleijadinho que estava desde Itamar no Planalto… prova de valor inestimável (...)

— Peculato com lavagem… coisa pouca kkkk

— (...) Isso, pode sorrir (...)

— Pode agora começar a pular (...) Segura tudo que aguardamos confirmação de 100% kkkk.

Santas palavras as de Dallagnol decidindo esperar a confirmação. O Cristo não era do Aleijadinho, nem de seu século, e nunca esteve no gabinete do presidente Itamar Franco. Nesse dia, pelo menos sete telefonemas de Lula foram grampeados.

O retorno da imagem ao gabinete presidencial é uma expressiva mudança. Felizmente, Lula não reativou o pequeno museu de peças que o autoglorificavam. Seu antecessor expunha a roupa que vestiu ao assumir o cargo.

Serviço: as mensagens de Dallagnol tratando do Cristo do Aleijadinho que estava no gabinete de Itamar Franco e foi levado por Lula estão no livro “Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil”, de Letícia Duarte e do The Intercept Brasil.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Deltan e suas diatribes!