Valor Econômico
Esta é uma crise criada pelo premiê
israelense, em meio à ambição de retornar ao poder alinhado aos elementos mais
extremistas da direita do país
A maior onda de protestos da história de
Israel não foi suficiente para conter Binyamin Netanyahu. O extraordinário
passo dado por reservistas do Exército, de recusar-se a prestar serviço militar
em um país obcecado com sua segurança - ou alertas de ex-autoridades de
segurança, executivos empresariais e muitos outros, também não. Em vez disso, o
governo de extrema direita do premiê deu continuidade na segunda-feira à
aprovação da primeira parte da reforma do Judiciário que desencadeou a maior
crise interna de Israel desde a fundação do Estado, em 1948. Netanyahu está
levando seu país por um caminho calamitoso que ameaça os valores e ideais
democráticos da unidade judaica sobre os quais foi erigido.
Este é um momento sombrio para uma nação que há muito tenta figurar como um modelo de democracia no Oriente Médio. E a crise tende a se acirrar. Os sionistas ultranacionalistas, religiosos, que compõem a coalizão de Netanyahu insistem que o projeto de lei aprovado nesta semana, que impede que a Suprema Corte use o padrão da “razoabilidade” para derrubar decisões do governo, é apenas o começo.
O próximo ponto da agenda deles é tomar o
controle sobre as nomeações para o Judiciário. Eles também querem que o
Parlamento tenha a capacidade de “anular” decisões da Suprema Corte de revogar
legislação. Netanyahu disse que não levará adiante este último projeto, mas os
críticos, não à toa, não confiam em suas intenções.
Ele insistiu em dizer na segunda-feira que
os tribunais continuarão independentes. Mas as reformas vão minar um dos
pilares essenciais do Estado. Israel não tem Constituição nem uma câmara alta,
portanto o Judiciário se constitui num freio vital ao poder. Ao corroer
gradualmente sua independência, a democracia israelense pode ficar
progressivamente esvaziada: as minorias terão menos proteções e um Judiciário
limitado será incapaz de fazer os dirigentes responderem por seus atos.
Esta é uma crise criada por Netanyahu. Seu
desejo de voltar ao poder após 18 meses na oposição o levou a se alinhar com
elementos mais extremistas da direita israelense e com judeus ultraortodoxos na
eleição do ano passado, após ter se indisposto, anteriormente, com políticos
mais moderados. Ele reconquistou o cargo ao formar a coalizão de governo mais ultradireitista
da história de Israel. Isso significou sujeitar-se às exigências dos radicais,
como o ministro da Segurança, Itamar ben-Gvir e o das Finanças, Bezalel
Smotrich.
Netanyahu, que está sendo julgado por
acusações de corrupção, parece dever favores aos fanáticos, bem como os
ideólogos de seu partido Likud, como o ministro da Justiça, Yariv Levin. Se
vacilar agora, corre o risco de ver sua coalizão se esfacelar. Tudo isso ocorre
contra um pano de fundo do mais grave grau de violência em anos, entre as
forças israelenses e militantes palestinos na Cisjordânia, num momento em que o
governo intensifica sua anexação gradual.
Algumas pessoas, entre as quais, mais
recentemente, o ex-premiê Ehud Olmert, alertam que Israel corre o risco de cair
numa guerra civil. Isso pode ser alarmismo. Mas, com a insistência dos
ultranacionalistas de que a reforma do Judiciário continuará e com a não
cessação dos protestos - os médicos entraram em greve ontem -, Israel dá sinais
de autodestruição.
Num momento em que a Knesset (o Parlamento)
ingressa em seu recesso de meio de ano, membros mais lúcidos do Likud deveriam
refletir sobre a ameaça à segurança e à estabilidade de Israel e pressionar seu
líder a voltar atrás. É pouco provável que Netanyahu lhes dê ouvidos. Diante disso,
caberá aos parceiros de Israel, sobretudo os EUA, a tarefa de aumentar a
pressão. Joe Biden vinha conclamando Netanyahu a buscar consenso. Mas o líder
americano deveria deixar claro que haverá consequências sobre as relações com
Washington, a menos que o premiê israelense pense mais uma vez.
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