Economia global não permite complacência
O Globo
FMI revisa previsão do PIB do Brasil para
cima, mas momento é de aprovar reformas, não de comemorar
A revisão do relatório Panorama Econômico
Mundial, do FMI,
anunciada ontem, elevou a previsão de crescimento do Brasil para este ano. Em
abril, a projeção para 2023 era de 0,9%. Agora, com a
atualização, passou a 2,1%, em linha com a média prevista por
instituições financeiras brasileiras. A mudança de 1,2 ponto percentual foi a
maior registrada entre todas as grandes economias, mas, antes que o governo use
o anúncio para tirar conclusões equivocadas, vale lembrar que o prognóstico do
FMI para 2024 piorou — e é de apenas 1,2%.
Não é hora de abrir o espumante nem de
complacência por parte do governo e do Congresso. A melhora da previsão de 2023
aconteceu por fatores conjunturais, principalmente o aumento da produção
agropecuária. Para que a economia brasileira tenha condições de elevar de forma
sustentada o ritmo de crescimento, o governo e o Parlamento precisam acelerar a
aprovação de reformas, como a tributária, atualmente sob a análise do Senado.
Embora o prognóstico do FMI para a economia global neste ano tenha saído de 2,8% na análise feita em abril para 3%, continua abaixo dos 3,5% registrados no ano passado e da média histórica. Por isso motivos para preocupação não faltam. “A inflação está perdendo força na maioria dos países, mas se mantém alta” , diz o relatório. A continuidade do aperto monetário é esperada nos Estados Unidos e na Europa. Se confirmada, colocará pressão sobre os bancos.
Outro ponto de atenção é a perda de força
da economia chinesa. O FMI manteve a estimativa de crescimento de 5,2% para
2023. Reconhece, porém, a existência de riscos. Na semana passada, o governo
chinês anunciou que o PIB cresceu apenas
0,8% no segundo trimestre na comparação com o primeiro. Tanto as exportações
como o mercado interno estão dando sinais de fraqueza. As vendas externas
caíram 12,4% em junho em relação ao mesmo mês de 2022. O ritmo de crescimento
do varejo teve queda na comparação com maio. O desemprego de trabalhadores
entre 16 e 24 anos subiu para 21,3%, um novo recorde no mercado de trabalho.
A expectativa do FMI é que a China seja
responsável por 35% do crescimento mundial neste ano, mais que o dobro da fatia
da Índia, em segundo lugar. Portanto qualquer eventual queda na economia
chinesa terá impacto global. É certo que alguns países sofrerão mais que
outros. Embora o mercado chinês seja o maior para a soja e o minério de ferro
do Brasil, os efeitos por aqui tendem a ser menores que em outros países
latino-americanos.
Ligada ao setor da alimentação, a soja é
menos sensível ao ciclo econômico. Eventuais perdas de renda não deverão
provocar grandes mudanças na dieta dos chineses. As vendas de minério de ferro
costumam ser sustentadas pelos investimentos em infraestrutura. Sempre que a
economia embica para baixo, os comunistas lançam um pacote (um novo é esperado
nos próximos dias). Há, porém, cada vez mais motivos para cautela sobre a
eficiência da estratégia de crescimento baseada em investimentos e exportações.
A situação fiscal chinesa preocupa mais hoje que no passado, e a crise do
mercado imobiliário ainda não foi debelada. O melhor que o Brasil tem a fazer é
arrumar a própria casa.
Regulamentação de apostas é positiva, mas
taxação não pode ser única meta
O Globo
Coibir fraudes que põem em risco
credibilidade do futebol brasileiro deveria ser questão central
Ainda que tardia, é positiva a decisão do
governo de regulamentar as apostas esportivas.
A Medida Provisória (MP) fixando as regras para o setor entrou em vigor
imediatamente, mas ainda terá de ser apreciada pelo Congresso num prazo de 120
dias, ou perderá a validade. Um dos principais aspectos da nova legislação é
que as empresas, conhecidas como bets, serão taxadas em 18%. O percentual é
maior que o anunciado em maio, quando o Ministério da Fazenda indicara
tributação de 16%.
Estimativas da Fazenda projetam uma
arrecadação de até R$ 2 bilhões em 2024, podendo chegar a valores entre R$ 6
bilhões e R$ 12 bilhões nos anos seguintes. Nada mau para um governo que faz
malabarismos para aumentar as receitas e tentar viabilizar as metas fiscais. De
acordo com a MP, a maior parte da taxação irá para a seguridade social (10%) e
para o Ministério do Esporte (3%). Também serão beneficiados o Fundo Nacional
de Segurança Pública (2,55%), clubes e atletas que tiverem seus nomes ligados
às apostas (1,63%) e a educação básica (0,82%).
É incompreensível como o país levou tanto
tempo para regulamentar as apostas, deixando a atividade no limbo e renunciando
a uma arrecadação que só tende crescer diante da profusão de empresas que atuam
no setor. A Lei 13.576/18, que trata do assunto, foi sancionada em 2018, ainda
no governo Michel Temer, mas dependia de regulamentação.
A pressão de grupos contrários não faz
qualquer sentido, uma vez que anúncios estão por toda parte. Estima-se que
existam mais de 8 mil sites de apostas no mundo e ao menos 500 operando no
Brasil. Não regulamentar não acabaria com a prática.
Embora importante, o aspecto arrecadatório
não pode ser a única preocupação. Há muito o mercado precisa de regras para
prevenir fraudes. Isso ficou patente no escândalo de manipulação de resultados
que veio à tona no início deste ano após denúncia do Ministério Público de
Goiás. O que parecia ser um esquema localizado revelou-se algo maior,
alcançando a elite do futebol brasileiro. Jogadores cooptados pela quadrilha
recebiam dinheiro para cometer pênaltis ou levar cartões, favorecendo apostas
fraudulentas.
O problema é que essas fraudes, que não
acontecem só no Brasil, afetam a credibilidade do futebol. Como acreditar em
campeonatos de cartas marcadas? Daí a necessidade de uma legislação que coíba
essas práticas nefastas.
É verdade que a MP estabelece algumas
normas para disciplinar o setor (como o veto à participação de jogadores,
técnicos e árbitros em apostas), além de prever multas para as empresas que não
respeitem as regras. Mas tudo dependerá de como será a fiscalização, e o
Ministério da Fazenda não parece o órgão mais adequado para fazer essa
vigilância, a não ser na questão tributária. Evitar fraudes como as denunciadas
pelo MP de Goiás deveria ser questão central da regulação. Se o objetivo for
meramente arrecadar mais, o futebol será o grande derrotado.
IPCA-15 e expectativas confirmam cenário
benigno para inflação
Valor Econômico
O câmbio valorizado, há semanas abaixo de
R$ 5, e uma atividade econômica que perde força também colaboram para a redução
da taxa básica de juros
O comportamento da inflação e das
expectativas para os índices de preços abre espaço para o início do ciclo de
queda dos juros. O processo de corte da Selic pode começar na reunião da semana
que vem do Comitê de Política Monetária (Copom). O câmbio valorizado, há
semanas abaixo de R$ 5, e uma atividade econômica que perde força colaboram
para a redução da taxa básica de juros, que subiu de 2% em março de 2021 a
13,75% em agosto de 2022, com o objetivo de domar uma inflação resistente, que
superou dois dígitos.
Divulgado ontem pelo IBGE, o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15) de julho teve deflação de
0,07%, levando o acumulado em 12 meses para 3,19%. O grupo alimentação no
domicílio recuou 0,72% e produtos industriais caíram 0,55%. Mais importante do
que esses números, porém, foi a abertura do indicador. As pressões
inflacionárias se mostraram menos disseminadas e as medidas de núcleos e
serviços tiveram uma desaceleração razoável.
A média dos cinco núcleos acompanhados de
perto pelo Banco Central (BC) passou de 0,34% no IPCA-15 de junho para 0,09% no
de julho, segundo números da MCM Consultores Associados. Os núcleos buscam
eliminar ou reduzir a influência dos itens mais voláteis, para mostrar a
trajetória da inflação sem o impacto de choques mais fortes. Em 12 meses, a
média desses núcleos desacelerou de 6,19% para 5,53%, a menor variação desde
julho de 2021. Ainda assim, é um número bem superior à meta deste ano, de
3,25%, e segue acima do teto da banda de tolerância, de 4,75%.
O comportamento dos serviços mais sensíveis
ao ciclo econômico também foi positivo, embora a desaceleração tenha sido mais
branda que a dos núcleos. A medida que retira serviços domésticos, cursos,
turismo e comunicação passou de 0,56% em junho para 0,35% em julho, de acordo
com a MCM. No acumulado em 12 meses, a inflação desses serviços ficou em 5,93%,
abaixo dos 6,53% do mês anterior. A queda de 0,6 ponto percentual nessa base de
comparação é significativa, embora o número continue num nível ainda elevado.
Ainda assim, outra métrica desses serviços que mais respondem à demanda mostrou
um comportamento favorável: a média de três meses anualizada desacelerou de 6%
em junho para 5,2% em julho, na série com ajuste sazonal, como destaca o
Bradesco. Essa medida é uma mais preferidas dos analistas para avaliar a
evolução da inflação no curto prazo, sendo menos volátil do que os dados
mensais.
Outra boa notícia foi o índice de difusão,
que revela o percentual de itens em alta no mês. Em julho, ficou em 47,96%, o
menor desde junho de 2020, apontando para pressões inflacionárias menos
disseminadas. Esses resultados confirmam a perda de fôlego da inflação, com o
IPCA devendo fechar o ano em 5% ou um pouco menos, havendo a possibilidade de
terminar 2023 abaixo do teto da banda de tolerância, de 4,75%.
As expectativas de inflação também têm
exibido projeções mais benignas. O consenso de mercado do Boletim Focus,
divulgado ontem, apontou melhora nas estimativas para o IPCA de 2023, 2024 e
2025. Para este ano, o consenso do indicador recuou de 4,95% para 4,9%; para
2024, de 3,92% para 3,9%; e para 2025, de 3,55% para 3,5%.
O Goldman Sachs observa que, desde a
reunião mais recente do Copom, as expectativas de inflação caíram 0,22 ponto
percentual para 2023, 0,1 ponto para 2024, e 0,3 ponto para 2025 e 2026. O Goldman
Sachs nota que a maior parte da melhora das estimativas para 2025 e 2026
ocorreu após a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de confirmar a meta
de 3% para o ano que vem e para os dois anos seguintes, sepultando os temores
de que o alvo pudesse ser elevado. Com as projeções mais próximas dos alvos, o
BC tem conforto para iniciar o processo de redução dos juros. Hoje, a maior
parte dos analistas espera que a Selic caia na reunião da semana que vem. Ganha
força a aposta num corte de 0,5 ponto da Selic, embora não se deva descartar
uma baixa de 0,25 ponto. O quadro inflacionário é mais favorável e o dólar
abaixo de R$ 5 contribui para melhorar as perspectivas para os preços dos bens
influenciados diretamente pelo câmbio, mas as expectativas para 2024, 2025 e
2026 seguem acima da meta de 3%, embora estejam em declínio. O BC pode optar
por ser mais comedido no começo do ciclo, esperando quedas adicionais das
projeções de inflação para prolongar o processo de redução da Selic.
Como pano de fundo, a aprovação do
arcabouço fiscal pelo Congresso tende a contribuir para manter o câmbio
valorizado, assim como a divulgação de resultados fiscais expressivos. Também é
necessário que fique mais claro se o governo conseguirá as receitas necessárias
para cumprir as metas de resultado primário (que excluem gastos com juros),
assim como controlar a expansão de despesas. Com a redução das incertezas sobre
as contas públicas, a percepção de risco Brasil continuará a melhorar,
colaborando para um câmbio mais valorizado e menos volátil, um ponto importante
para o controle da inflação.
Um país violento
Folha de S. Paulo
Alta em índices de criminalidade mostra que
política pública integrada é urgente
Nada a comemorar. Esta é a conclusão que se
pode extrair do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado quinta (20),
que se baseia em dados oficiais de 2022. A publicação expõe um país violento e
ressalta tendências de mudança, tanto no perfil das ocorrências, quanto nos
focos de maior insegurança. As poucas boas notícias vieram com ressalvas.
Houve aumento vertiginoso no registro de
certos crimes em comparação com 2021, como os patrimoniais envolvendo
tecnologia, os de ódio e no espaço doméstico.
O estelionato eletrônico disparou (65,2%)
no ano passado. Quase 1 milhão de aparelhos celulares foram subtraídos. O
racismo aumentou 68%, e a homotransfobia, 54%. No estado de São Paulo, o
feminicídio teve alta de 43,3%.
Mais de 102
mil crianças e adolescentes foram vítimas de violência (abandono,
maus-tratos, lesão corporal e estupro). Este último teve a maior alta (15,3%),
de 45.076, em 2021, para 51.971.
Apesar de as mortes violentas intencionais
(MVIs) —homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e morte
por intervenção policial— terem
atingido o menor índice em 12 anos, o ritmo de queda desde 2018 desacelerou.
Entre 2020 e 2021, por exemplo, os números
caíram 4%; agora, a redução foi de 1,9%. A taxa ainda é alta (23,4 por 100 mil
habitantes). Foram 47.508 MVIs no ano passado —cerca de metade das vítimas
tinha entre 12 e 29 anos, 76,9% eram negras e 91,4% do sexo masculino.
A dinâmica de mercados legais influencia a
taxa de mortes violentas. Um quinto delas ocorreu na Amazônia Legal e, na
contramão da tendência nacional, os estados do Sul tiveram aumento de 3,4%
entre 2021 e 2022.
Ambas as regiões passam por conflitos
territoriais envolvendo facções criminosas do tráfico de drogas e outras
contravenções.
O próprio Estado contribui para as
estatísticas. As polícias civis e militares mataram 6.430 pessoas em 2022
(quase 18 por dia).
Bahia e Rio de Janeiro lideram o ranking de
mortes por forças de segurança —juntos respondem por 4 de cada 10 mortes do
tipo. Outros estados, em particular os que instalaram câmeras policiais, como
São Paulo e Santa Catarina, diminuíram a letalidade.
Segurança não se resume a mais polícia ou
encarceramento. É preciso investir em inteligência e tecnologia, além de atuar
de forma interseccional com outras áreas para proteger estratos vulneráveis.
Não há solução imediatista para problemas
complexos. Cabe ao governo federal, em parceria com os estados, implementar
políticas públicas de longo prazo que revertam índices de criminalidade de modo
contínuo e duradouro.
Israel por um fio
Folha de S. Paulo
Reforma do Judiciário de Netanyahu racha a
sociedade e indica erosão democrática
Durante décadas, um dos principais
argumentos dos defensores de Israel era dizer que o Estado judeu constituía a
única democracia em todo o Oriente Médio.
Cercado de ditaduras árabes em graus
diversos, esta era uma assertiva relativamente de fácil aceitação, apesar do
histórico de Tel Aviv no trato dos palestinos nos territórios que ocupa desde
1967.
A origem de Israel, em si uma ideia
concebida na reação do judaísmo europeu a séculos de perseguição que desaguaram
no Holocausto, também favorecia tal percepção. O país se via, no berço, como um
ente quase socialista e igualitário —para judeus, claro.
Anos de conflitos cada vez mais difíceis de
serem justificados e uma transformação demográfica que trouxe o conservadorismo
para o coração da sociedade —muito em decorrência da imigração de locais como a
Rússia pós-soviética— mudaram completamente o cenário.
Israel, como era conhecido, está hoje por
um fio com a convulsão social decorrente do início da aprovação da reforma do
Judiciário proposta pelo premiê Binyamin Netanyahu. Sem a presença da oposição
no Parlamento, a primeira lei do pacote passou de forma unânime na segunda
(24).
O primeiro ministro fez avançar a proposta
apesar de meses de protestos, que agora só aumentam e vão de greves de médicos
à até então
impensável desobediência de militares, como pilotos de caça.
A lei
aprovada proíbe que juízes adotem critérios de razoabilidade em suas decisões.
Trata-se de um poder discricionário, em um país que não tem Constituição
escrita, usado como contrapeso a decisões consideradas abusivas do governo ou a
nomeações de nomes controversos a cargos públicos.
O próprio Netanyahu, alvo de um processo de
corrupção, está nesse rol. Casuísmo à parte, ele age movido por um gabinete de
extrema direita, que inclui ministros abertamente homofóbicos, racistas e
acusados de ilegalidades. Só esse contexto já degrada a ideia de que a lei visa
evitar excessos judiciais.
Eles podem ocorrer, por certo, e a razoabilidade
é subjetiva. Mas o pacote completo proposto é bem mais draconiano, pretendendo
submeter decisões até da Suprema Corte ao Parlamento.
Essa erosão institucional está sendo repudiada nas ruas de um país cindido. Netanyahu prometeu manter Israel democrático, mas sua condição moral para tanto parece, no mínimo, bastante abalada
Por uma verdadeira reforma administrativa
O Estado de S. Paulo
Proposta que cochila na Câmara e que Lira
quer votar é ruim, mas seria bom aproveitar esse ímpeto reformista para
elaborar um projeto que efetivamente traga eficiência ao Estado
O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), disse que a proposta de reforma administrativa está pronta para ser
votada pelos deputados. Segundo ele, de todas as reformas estruturantes a serem
apreciadas pelo Legislativo, essa seria a única que estaria faltando. “A
reforma administrativa que está pronta, com alguns ajustes que podem ser feitos
no plenário, não tira direito adquirido de ninguém”, afirmou.
Numa coisa Lira tem razão: o País, de fato,
precisa discutir regras capazes de trazer mais eficiência à despesa da União
com funcionalismo e aprimorar a gestão pública. O Brasil gasta hoje 12% do
Produto Interno Bruto (PIB) com servidores, um dos maiores índices do mundo
considerando países desenvolvidos e emergentes, mas isso está longe de se
traduzir em maior qualidade dos serviços públicos prestados à população.
Reconhecer essa realidade, no entanto, não quer dizer que a reforma
administrativa esteja pronta para ser votada.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
32/2020, a que Lira fez referência, foi aprovada por uma comissão especial da
Câmara em 2021 e, em tese, já poderia ser submetida ao plenário. Isso, no
entanto, nunca chegou a ocorrer. Embora a proposta tenha sido enviada pelo
governo de Jair Bolsonaro ao Legislativo em setembro de 2020, o próprio
presidente, na ocasião, trabalhou contra seu avanço – não por convicção de que
ela fosse ruim, como ela realmente era, mas por receio de que isso atrapalhasse
suas pretensões eleitorais.
Se o texto da PEC 32/2020 nunca chegou a
ser incluído na pauta do plenário da Câmara a pedido do próprio governo que o
elaborou, não há razões para acreditar que isso ocorrerá no mandato de Lula. É
bom que seja assim. Ainda na comissão especial, o parecer foi modificado cinco
vezes para que pudesse ser aprovado – e em cada uma delas ele foi
significativamente desidratado.
Com o avanço da malfadada PEC, as carreiras
exclusivas do Estado seriam ampliadas, categorias vinculadas à segurança
pública teriam direito a novos privilégios e controles contra supersalários
seriam levantados. Para completar, a reforma valeria apenas para os futuros
servidores e não resvalava na cúpula do Judiciário e do Ministério Público, que
detêm os maiores penduricalhos. Como alertamos neste espaço na ocasião, era
nada mais que um monstrengo que merecia ter o arquivo como destino.
Reconhecer a necessidade de uma reforma
administrativa tampouco justifica a destruição da estrutura do Estado, como
tentou Bolsonaro ao desmontar órgãos ligados à defesa do meio ambiente e dos
povos indígenas. Não fosse a resistência da burocracia pública, os retrocessos
teriam sido ainda maiores. Nesse sentido, o fato de o governo Lula ter
autorizado a realização de concursos públicos para diversas instituições,
principalmente para agências reguladoras que estavam à beira da paralisia, deve
ser celebrado.
Uma verdadeira reforma administrativa deve
ser discutida à luz dos objetivos e funções do Estado que o País quer ser. Já
há consenso sobre algumas premissas que devem pautar esse debate. É preciso
regulamentar a avaliação de desempenho dos funcionários públicos, premiando os
que mais se destacam e demitindo os que não estão à altura de suas funções. É
preciso reduzir o salário inicial das funções, valorizando os servidores que
veem na carreira pública uma vocação e um projeto de longo prazo.
É preciso desengessar as carreiras e
garantir remanejamentos que permitam aos funcionários assumir funções em que
sua presença é mais demandada. É preciso abandonar mitos que só contribuem para
travar o debate sobre o tema, como a ideia de que o funcionário público padrão
não passa de um aproveitador. É preciso não perder de vista o aumento da oferta
e da qualidade dos serviços prestados à população.
Nada disso está contemplado na PEC 32/2020,
uma mera reforma de recursos humanos. Esse debate precisa ser retomado, e não
interrompido. Este jornal é favorável a um Estado enxuto e eficiente, que
esteja a serviço da sociedade, o que não significa nem um Estado mínimo nem um Estado
inchado e aparelhado.
Batalha do gás divide o governo
O Estado de S. Paulo
Silveira e Prates trocam acusações em
embate público, enquanto mercado produtor tenta administrar um volume
insuficiente e caro de gás natural num mercado monopolizado
A partir de 1.º de agosto a Petrobras
reduzirá o preço do gás natural vendido às distribuidoras em 7,1%. No ano, a
queda acumulada chegará a 25%. Coincidência ou não, o movimento acontece no
momento em que a disputa entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e a
Petrobras em torno do mercado de gás natural ganha proporções extremas. “Não
existe crise”, desconversou o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, na
entrevista em que anunciou o corte no preço.
Não é o que demonstram, desde o início do
ano, declarações públicas cada vez mais acaloradas. O governo Lula da Silva
está claramente dividido entre a ala que defende a desconcentração do segmento,
tendo à frente o ministro do MME, Alexandre Silveira (PSD), e a que cerra
fileira pela manutenção da Petrobras como mandante do setor, liderada por
Prates (PT). Os dois senadores licenciados passaram a personificar o duelo
entre as correntes liberal e estatizante que marcam o alto escalão do governo.
Interesses de parte a parte fazem desta
mais uma história sem mocinhos. Mas a atitude de Prates é um evidente
retrocesso num mercado que, desde o marco regulatório, instituído há dois anos,
caminhava em direção a uma maior competitividade. Insumo imprescindível para a
indústria, especialmente a mais intensiva no uso de energia, o gás negociado em
ambiente mais diversificado traria um avanço sem precedentes.
O quase monopólio da Petrobras na produção,
processamento e comercialização do produto torna desigual a negociação de
preços e até mesmo o volume ofertado, aquém das necessidades do mercado. Em
documento assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a
petroleira comprometeu-se a adotar medidas para permitir a abertura do mercado.
Essa liberalização viria especialmente da
venda de ativos de transporte, distribuição e terminais de GNL, mas também do
leilão de estoques e outras medidas. A Petrobras faria uma redução planejada de
sua participação nos diversos elos da cadeia para permitir a entrada de novos
agentes. A empresa chegou a vender alguns ativos, como a Gaspetro e redes de
dutos, especialmente no Nordeste, mas a chegada de Jean Paul Prates à companhia
suspendeu o programa. O próximo ativo da lista seria a operadora do gasoduto
Brasil-Bolívia.
O ministro Alexandre Silveira não tem economizado
munição no embate com Prates. Elegeu a reinjeção de gás durante extração de
petróleo no présal – técnica necessária no processo, mas que o ministro
considera excessiva – como mote para acusar a Petrobras de sonegar o produto ao
mercado. Não é bem assim, mas, em entrevista ao jornal Valor, chegou a dizer
que a prática da empresa era duvidosa “inclusive do ponto de vista ético e
moral”.
O tom das acusações, que se sucedem há
meses, tem se tornado cada vez mais forte. “A Petrobras não sonega gás”, diz
Prates. “O presidente da Petrobras dizer que nada pode ser feito é, no mínimo,
negligência”, acusa Ferreira. “O transporte foi repassado para terceiros, a
Gaspetro também. Só falta alguém pegar os campos do pré-sal e dizer para
alguém, que não nós (Petrobras), operar. Que culpa tem a Petrobras de ser tão
boa em operar petróleo e gás?”, provoca Prates.
Dizer que não existe embate ou crise em um
ambiente assim é desafiar a lucidez do público. A abertura do mercado é um
processo gradual, que deve ser feito de forma controlada. Exatamente devido à
lentidão, não deve ser interrompido, como faz o presidente da Petrobras, nem
tampouco deve ser acelerado da forma destrambelhada, como sugere o ministro.
Amarrar o mercado de gás a questões
ideológicas é, antes de tudo, negar ao País a chance de acelerar seu
crescimento. Ao contrário de gasolina e diesel, cujos preços variam sem um
intervalo de tempo definido, o preço do gás é estipulado por contrato a cada
três meses, em negociação direta com as distribuidoras. É um produto que
costuma se manter acima da média internacional – o que, aliado à falta de
previsibilidade em relação à oferta, é mais um item a reforçar o famigerado
“custo Brasil”. Bom seria ter outras opções de fornecimento além da Petrobras.
Mais controle sobre as armas
O Estado de S. Paulo
É fundamental restringir o acesso, mas
medida pouco adiantará se vier desacompanhada de maior fiscalização
Vem em boa hora o conjunto de decretos
assinados pelo presidente Lula da Silva no dia 21 passado, no âmbito do
Programa de Ação na Segurança (PAS), que torna mais rigoroso o controle de
acesso a armas de fogo e munições no País. A ação do Executivo federal está
alinhada a recentes decisões do Congresso e do Supremo Tribunal Federal nessa
seara, o que é revelador de uma convergência institucional em área de vital
importância para a sociedade – literalmente.
Como noticiou o Estadão, reduziu-se o
limite de armas de fogo a que os cidadãos podem ter acesso, mesmo os que detêm
o certificado de Caçador, Atirador Desportivo e Colecionador (CAC);
impuseram-se restrições à compra de armamentos de determinados calibres, como o
da pistola 9mm; e limitou-se o horário de funcionamento dos clubes de tiro em
todo o País. Além disso, o governo federal também decidiu que a fiscalização
dos armamentos passará, progressivamente, do Exército para a Polícia Federal
(PF).
Lula deu um importante passo para tornar o
Brasil, no mínimo, um país menos violento do que já é. Os decretos também
servem para mostrar que o Executivo federal exerce papel fundamental na
construção de boas políticas públicas na área de segurança, respeitando-se, por
óbvio, as competências subnacionais determinadas pela Constituição. Se até a
adequada manutenção da iluminação em vias públicas pelos municípios se
descortina como ação de segurança pública, resta evidente que não haverá
política bem-sucedida nessa área sem a coordenação de esforços entre todos os
entes da Federação.
A malévola obsessão de Jair Bolsonaro de
armar a população – “povo armado jamais será escravizado”, dizia o
ex-presidente, sem esconder que a distribuição irrestrita de armas de fogo era
tida por ele como instrumento de ação política, não como medida de segurança
pública – fez com que, na prática, todo cidadão maior de idade que quisesse
adquirir armas no Brasil, inclusive fuzis e outros armamentos de uso restrito,
recebesse do Estado a autorização para a compra, porte e posse, a depender do
caso. Há muito era necessário dar fim a essa perigosa bagunça.
A essa irresponsável política de liberação
geral do governo anterior soma-se a precária fiscalização das armas em poder de
civis no País, seja por leniência das autoridades constituídas para esse
trabalho, sobretudo na concessão dos certificados de CAC, seja pela falta de
recursos materiais e humanos para exercê-lo a contento. Isso só contribuiu para
agravar um quadro de absoluto descontrole.
A despeito de seus aspectos positivos, os decretos de Lula também suscitam pontos de atenção. Por exemplo: mesmo com o aumento das restrições, um CAC ainda pode comprar muitas armas de fogo no País – o limite caiu de 30 para 6 armas, podendo haver acréscimo de mais duas de uso restrito, em alguns casos e sob fiscalização. Além disso, as boas intenções do governo federal não bastam. É preciso que a PF seja dotada de capacidade operacional para exercer a fiscalização rigorosa da compra e, em particular, da circulação de todo esse armamento em poder de civis. O monopólio do emprego da violência, nunca é demais lembrar, é e seguirá sendo do Estado.
É preciso ir além da renegociação de
dívidas
Correio Braziliense
Há necessidade de o governo investir na
educação financeira em todo o ensino brasileiro, com capacitação e preparação
de professores
O governo federal se apressou em comemorar
os primeiros resultados do Programa Desenrola Brasil, lançado em 17 de julho.
Apenas nos primeiros cinco dias, o programa limpou o nome de 2 milhões de
brasileiros que estavam negativados por dívidas de até R$ 100 e permitiu a
renegociação dos débitos que totalizaram R$ 500 milhões, em 150 mil contratos.
A comemoração tem motivo, uma vez que o programa cumpre uma promessa de
campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dividido por faixas de renda,
a negociação começou pelas dívidas do sistema financeiro, com a adesão dos
bancos, e se estende às redes de varejo, que se anteciparam e já oferecem ao
consumidor a opção de repactuar os débitos.
O programa era mais do que necessário
diante do quadro de endividamento crônico do brasileiro nos últimos meses, com
o percentual de famílias com dívidas a vencer chegando a 78,5% em junho, sendo
que, desse total, 18,5% se consideram muito endividados, e outros 29% têm
dívidas em atraso, conforme dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC). Ao atender a uma necessidade urgente diante desse
quadro de sufoco financeiro das famílias, o governo busca retomar a condição de
adimplência desses consumidores para que eles voltem a consumir, o que se
confirma com a intenção de lançar um programa de redução de preços de eletrodomésticos,
com incentivos, para estimular o consumo e a produção industrial.
Mais uma vez, o presidente Lula adota
medidas emergenciais sem a preocupação — pelo menos imediata — de contribuir
para a solução de problemas estruturais. O governo perde a oportunidade de
condicionar a renegociação de dívidas à educação financeira, para que os
consumidores que, agora, estão conseguindo aliviar o endividamento não voltem a
se endividar e a acumular débitos que ultrapassem a capacidade de pagamento.
Esse risco existe, diante do prazo oferecido pelos bancos e as taxas de juros.
Um consumidor que renegociar uma dívida acima de R$ 4 mil, mesmo com desconto
de 50% na negociação inicial, chegará ao fim do contrato pagando mais do que a
dívida inicial.
É preciso lembrar que a educação financeira
é adotada hoje na grade curricular de apenas algumas escolas e uma parte delas
se queixa de dificuldades para se adaptar à nova disciplina. Aqui é preciso
fazer uma reflexão: o consumidor atende ao mercado. À medida que ele se educa
financeiramente ele adquire mais um aspecto de cidadania, ao adquirir
capacidade de lidar com suas finanças de forma consciente e sustentável. É
preciso que o governo invista na educação financeira em todo o ensino
brasileiro, com capacitação e preparação de professores para transmitir aos
alunos os conceitos e conhecimentos que lhes permitirão trocar o imediatismo
consumista pelo planejamento.
Hoje, a educação financeira está fixada em lei, com o estabelecimento da Estratégia Nacional de Educação Financeira, instituída pelo Decreto nº 7.397 do governo federal de dezembro de 2010. O objetivo é exatamente promover a educação financeira e previdenciária para fortalecer a cidadania dos brasileiros. Colocar em prática essa estratégia é urgente para que jovens brasileiros não cheguem à fase adulta integrando o contingente de endividados e sem noções de como lidar de forma adequada com o dinheiro. O governo precisa ir além de simplesmente renegociar dívidas de consumidores para que estes voltem a consumir.
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