Valor Econômico
Confronto cada vez mais profundo entre os
Estados Unidos e a China continua erodindo os laços comerciais entre as duas
maiores economias do mundo
O confronto cada vez mais profundo entre os
Estados Unidos e a China continua erodindo os laços comerciais entre as duas
maiores economias do mundo. Os dados mais recentes mostram que a fatia da China
nas importações feitas pelos Estados Unidos, que chegou a 21,9% em 2017, caiu
agora para 13,6%, na sua menor participação nos últimos 20 anos. O México
tornou-se o principal parceiro comercial dos EUA, seguido pelo Canadá,
empurrando os chineses para a terceira posição.
O “decoupling”, o desacoplamento entre os EUA e a China, acelerou? E até onde vai? A essas indagações, o economista-chefe da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ralph Ossa, constata que efetivamente a narrativa predominante desde o final da Segunda Guerra Mundial, de que a interdependência econômica era crucial para o crescimento e a prosperidade, teve uma mudança de 180 graus. Discursos de políticos hoje enfatizam necessidade de independência econômica em vez de interdependência, alegando que a globalização expôs a riscos excessivos.
Isso deu lugar a uma nova era na qual
competição geopolítica e preocupações de segurança conduzem a política
econômica. Retomando o pensamento de Ossa, ele aponta que a mudança de
narrativa começou a afetar a política comercial. O elefante na sala é,
obviamente, o conflito comercial entre os Estados Unidos e a China. As duas
maiores economias comerciais do mundo têm tarifas enormes sobre uma fração
grande do comércio bilateral. E tem todas as outras políticas voltadas para o
mercado interno, adotadas por Washington, Pequim e por países do mundo todo.
Terceiro, de fato surgem os primeiros
sinais de desacoplamento entre as duas maiores economias do mundo - mas, ao
mesmo tempo, vários países hoje exportando mais para os EUA aumentaram suas
importações procedentes da China. Por exemplo, estatísticas consolidadas
mostram que os chineses aumentaram suas exportações para o México em 7% no
primeiro semestre deste ano, enquanto os mexicanos elevaram suas exportações
para os EUA em 5,5%. Os embarques chineses para Cingapura expandiram 43%,
enquanto as importações americanas procedentes de Singapura cresceram 23%. Isso
ocorre também no caso do Vietnã. Ou seja, em vez de mercadorias irem
diretamente da China para os EUA, estão indo da China para o Vietnã e depois
para o mercado americano. Para deslocar a China nas exportações, países
precisam ter vínculos com a cadeias de suprimentos... com a China.
Esses casos evidenciam que o valor agregado
chinês continua a fluir para os EUA. Na prática, os EUA buscam um
desacoplamento muito mais cirúrgico em alguns setores que são de alta
importância geopolítica, mas o governo de Joe Biden fala agora de “redução de
riscos”, e não de desacoplamento extremo.
Entre 2008 e 2022, o valor em dólares das
importações dos EUA aumentou 56%. As importações originárias da China cresceram
61%, enquanto no caso do Vietnã a alta foi de 880%, da Índia, de 237%. Em
comparação, as compras feitas pelos americanos no Brasil só expandiram 29%.
Pelos dados, não há sinais de que a
dominação da China em certas cadeias globais de suprimentos tenha sido
reduzida. Os bens intermediários diminuíram sua participação no comércio
mundial, para abaixo dos 50% no primeiro trimestre, mas esse declínio pode
estar mais relacionado com a fragilidade econômica da Europa, e não à China.
Os riscos de fragmentação se acumulam. Mas
Ralph Ossa acha muito cedo para se desistir da globalização. Sua preocupação é
de que, se for consolidada a impressão de que os países não respeitam mais as
regras, o sistema multilateral de comércio se tornará um dano colateral.
Significa que os estragos para a economia mundial nesse caso são muito maiores
do que os danos provocados por políticas individuais.
Mesmo que um país esteja se beneficiando da
fragmentação, como são os casos de México ou Vietnã no momento, essa é uma
vitória perigosa se vier às custas do sistema de comércio baseado em regras.
Muitos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, precisam de um sistema
comercial confiável. Ganhar um pouco mais de exportações agora por causa de
conflito entre os Estados Unidos e a China pode ajudar um país no curto prazo,
mas não no longo.
Os custos de uma fragmentação serão enormes
para o mundo inteiro, e principalmente para nações em desenvolvimento, pagando
o preço por políticas econômicas baseadas em quem é amigo ou inimigo.
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