quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Maria Hermínia Tavares - O B no bloco do Brics

Folha de S. Paulo

Relação do Brasil com a China deve ser como a que tem com os EUA

Em 2009, Brasil, Rússia, Índia e China se reuniram para transformar em realidade o acrônimo criado oito anos antes pelo economista britânico Jim O’Neill quando se pôs a tratar da ascensão econômica dos quatro países que pareciam irromper com tudo na cena internacional. Em 2010, a África do Sul, ao se incorporar ao grupo, acrescentou o S à sigla que os identifica.

Os prognósticos sobre o destino do Brics nunca foram lá muito otimistas. Os especialistas não viam futuro para um bloco de nações separadas por continentes e tradições culturais, com escasso intercâmbio diplomático e sistemas políticos diferentes. Mas o grupo se institucionalizou, criou um banco, vitaminou seu intercâmbio comercial e adotou posições convergentes na ONU, como mostraram os cientistas políticos europeus Martin Binder e Autumn Payton.

Integrar-se ao Brics foi um dos pilares da política externa dos dois primeiros governos do PT. Voltou a ganhar estatura na agenda internacional de Lula 3, para quem a iniciativa é instrumento para uma "governança global mais equilibrada e representativa", como reiterou o presidente brasileiro em recente entrevista ao semanário sul-africano Sunday Times, de Joanesburgo.

Ocorre que hoje em dia são outras as circunstâncias e os desafios para a efetivação desse propósito legítimo. Afinal, desde a criação do bloco, a China, que já então ostentava a mais promissora das economias do grupo, avançou muito à frente dos parceiros. Cresceu a taxas robustas; diversificou sua produção; tornou-se figura de proa no comércio internacional; levou seus investimentos a todos os continentes. A ambição política de Pequim cresceu no mesmo compasso, chancelando sua metamorfose em potência que contesta e disputa com os Estados Unidos a hegemonia no planeta.

Resultado: tornou-se obsoleta a ideia de que o país comandado por Xi Jinping com mão de ferro é apenas o sócio mais abastado de um clube de países intermediários –o que já estaria de bom tamanho. A chamada República Popular tem tudo para ser a dona do pedaço, apta a conduzi-lo em benefício próprio.

Para Alissa Wang, cordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Brics da Universidade de Toronto, no Canadá, o básico é saber se está em curso a transformação de um grupo não ocidental em outro antiocidental.

Para persistir no objetivo de chegar uma ordem internacional multipolar e representativa, o Brasil terá que aprender a construir nas relações com a China a mesma autonomia que mantém frente ao grande irmão do norte. O Brics é um dos lugares desse exercício político tão decisivo quanto sutil.

 

3 comentários:

EdsonLuiz disse...

■Muito boas reflexões!
▪Mas eu não acho que cabe uma ordem internacional definida por construção de hegemonia de um país ou de grupos de países por critérios ideológicos.
▪Uma ordem definida assim não seria ordem e, ao contrário, significaria aceitar a desordem das disputas sectárias ideológicas.

■Uma ordem internacional legítima surge para estabilização do sistema econômico e social histórico vigente, sistema esse que aflora quase expontâneamente das interações que surgem das relações sociais estabelecidas para produzir e reproduzir a realidade material e social humana. E o atual sistema econômico-social surgido das interações sociais históricas é o Sistema Capitalista.

=>Aqui não se trata de analizar e/ou afirmar qualidades e defeitos do Capitalismo ; trata-se apenas de constatar que o Capitalismo foi o resultado do processo de transformação histórico e que é o Capitalismo o sistema econômico-social legítimo da atual etapa da história humana.

▪Assim, penso que só há um único sistema econômico-social legítimo em cada etapa histórica e que, se estiverem subsistindo dois ou mais sistemas sociais diferentes, apenas um dos sistemas é legítimo e resultado das interações sociais históricas vigentes e qualquer outro será um produto artificial e a-histórico, mesmo que como argumento de justificação seus ideólogos reivindiquem respaldo da história. A história que estiverem reivindicando não será a totalidade histórica e, portanto, não se tratará da história real, mas de um recorte ideológico feito por um grupo particular de interesses e que jamais constituirá um sistema.

Toda realidade construída assim não se sustenta por ser artificial, por não corresponder à realidade histórica e por não incorporar a peculiar natureza humana, constituindo mais especificamente uma crença e não o resultado histórico das interações sociais.

■Sendo a história sempre única e sendo um sistema econômico, jurídico-político e social o resultado de interações históricas, sempre só há um único sistema econômico-social legítimo vigendo, ao qual corresponde uma única ordem político-jurídica e ideológica que o estabiliza.

Caso considerássemos dois ou mais sistemas sociais históricos coexistindo, estaríamos considerando a coexistência de mais de uma história em transcurso, o que é uma impossibilidade.

■Portanto, se sempre só há um sistema econômico-social legítimo, sempre cabe só uma única ordem estabilizadora, por o sistema legítimo ser único. E esta ordem não pode ser polar -nem unipolar nem multipolar- por não haver mais de um polo legítimo a ser estabilizado.

Nesta nossa atual etapa histórica, o sistema social surgido do processo histórico e que vem sendo constituido desde o período do renascimento, no século XV, é o Sistema Capitalista, com os suscessivos avanços técnicos-científicos e sociais que resultaram na Revolução Industrial, na Revolução Francesa, na reinvenção da democracia e que, portanto, não sendo resultado de formulações artificiais, é o sistema legítimo em vigência.

Sendo resultado de um processo histórico, o Sistema Capitalista, assim como surgiu de mudanças históricas normais e quase naturais, e não artificialmente planejadas para constituirem um sistema, mas como resultado histórico das interações humanas que foram amadurecendo internamente e demoradamente dentro do sistema anterior, o Sistema Medieval, do mesmo modo o Sistema Capitalista será superado quando houver amadurecido as relações sociais internas a um ponto em que sua ordem estabilizadora não mais estiver cumprindo o papel de possibilitar uma dinâmica social de avanços tecnicos, científicos, materiais e sociais, mas servindo de impecilho ao processo histórico humano.

E esperemos que os próximos avanços no Capitalismo sejam no sentido de impedir a exclusão que sua própria lógica interna engendra e que seu substituto, que surgirá quando o Capitalismo amadurecer totalmente, não conserve resíduos desta lógica de exclusão.

EdsonLuiz disse...

●Correção.
=> Em vez de::
' - por não haver mais de um polo legítimo a ser estabilizado.' ,
=> Leia-se::
' - por não haver um polo a ser estabilizado.'.

ADEMAR AMANCIO disse...

Falou e disse.