Novo arcabouço é pior que antigo teto de gastos
O Globo
Governo dependerá de ampliar arrecadação e
de malabarismos contábeis para cumprir metas
A Câmara aprovou enfim o novo arcabouço fiscal, que segue para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de ter protelado desde o final de junho, os deputados deram ao país um novo conjunto de regras para controlar a dívida pública. O teto de gastos, marco criado por Michel Temer, já perdera a eficácia depois de repetidas violações durante o governo Jair Bolsonaro. Mesmo imperfeito, o novo arcabouço fiscal é melhor que nada. Se ajudará o governo federal a equilibrar suas contas, é cedo para dizer. Para que isso aconteça, Lula precisará cumprir a promessa de controlar o gasto e, ao mesmo tempo, promover aumento considerável da arrecadação, algo que depende do Congresso.
Na votação, os deputados tinham de dizer
sim ou não às mudanças feitas pelos senadores no texto. Infelizmente, deixaram
fora do limite dos gastos os fundos do Distrito Federal e da Educação. É o tipo
de manobra que tira credibilidade da política fiscal. O fato de fundos e
despesas não estarem no limite de gastos não os torna invisíveis. Eles
continuarão contribuindo para o rombo nas contas
públicas. Quando Lula diz que investimento não é gasto, também cria
confusão. Independentemente da palavra usada, se o governo gasta mais do que
arrecada, a dívida cresce. Cada sinal errado eleva o receio de que o
compromisso de responsabilidade fiscal não passe de promessa vã.
Felizmente, os deputados rejeitaram a
mudança na correção das despesas. Os senadores tinham alterado o cálculo da
inflação de modo a permitir ao governo gastar mais R$ 40 bilhões em 2024.
Embora os deputados tenham barrado a mudança, o governo pretende garantir tais
recursos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) — outra manobra que corrói a
credibilidade.
As metas do Ministério da Fazenda são
ambiciosas: zerar o déficit em 2024 e alcançar superávits de 0,5% do PIB em
2025 e 1% em 2026. São objetivos sensatos para quem quer mudar a trajetória de
descontrole na dívida pública. Mas trata-se de ajuste fiscal nada desprezível,
da ordem de R$ 300 bilhões em dois anos e meio. Como o novo arcabouço impõe
aumento nas despesas em qualquer situação (no mínimo 0,6% além da inflação),
não há como o governo cumprir a meta sem alta expressiva na receita, para a
qual conta com a cooperação do Congresso.
A Fazenda espera que o Senado confirme a
mudança da regra nos julgamentos de disputas tributárias entre contribuintes e União.
Se o texto passar, o governo ganhará quando houver empate e estima obter R$ 60
bilhões a mais por ano. Outros projetos serão enviados ao Congresso para
ampliar a arrecadação, entre eles a tributação de fundos exclusivos e offshore.
E estão em curso tentativas de manobras contábeis para adiar o pagamento de
dívidas judiciais (precatórios) e retirar do teto despesas das estatais com o
PAC. Não importa o malabarismo, uma hora o governo terá de encarar o árduo
trabalho de cortar gastos se quiser cumprir suas próprias metas. Como mecanismo
de controle de despesas, não há como fugir à conclusão de que o teto de gastos
era muito melhor.
Ação contra PM do DF achou provas mais
contundentes da trama golpista
O Globo
Mensagens de líderes da corporação
demonstram omissão deliberada de autoridades no 8 de Janeiro
Prosseguem as investigações sobre mensagens
atribuídas ao ex-presidente Jair Bolsonaro usadas como mote em redes sociais
golpistas e sobre as suspeitas que pairam sobre seus auxiliares, em particular
o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-ajudante de ordens,
tenente-coronel Mauro Cid. Por ora, a evidência mais contundente de
envolvimento de altas autoridades numa conspiração golpista veio da operação
da Polícia
Federal (PF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR)
que prendeu na sexta-feira cinco oficiais da cúpula da Polícia Militar (PM) do
Distrito Federal.
Desde o fatídico 8 de Janeiro, eram
intrigantes as cenas de policiais militares do DF confraternizando e tirando
selfies com manifestantes golpistas que invadiram as sedes do Palácio do
Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). Sete meses
depois, com o avanço das investigações, percebe-se que as imagens não eram
fortuitas. A polícia do DF não apenas deixou de cumprir seu papel, como foi
protagonista da trama.
A PF prendeu o hoje comandante-geral,
coronel Klepter Rosa Gonçalves (em 8 de janeiro ele era subcomandante), o
ex-comandante e coronel Fábio Vieira e outros três oficiais que ocupavam cargos
de chefia. Eles são acusados pela PGR de disseminar mensagens golpistas,
conspirar para a abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de
Estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio e violação do regimento da
PM.
Ao autorizar as prisões, o ministro Alexandre de
Moraes, do STF, disse que os policiais militares se omitiram de
forma intencional, pois tinham conhecimento do propósito golpista em curso,
escalaram efetivo incompatível com as dimensões do evento, retardaram a ação da
tropa, facilitaram a entrada dos baderneiros na Praça dos Três Poderes e só
passaram a atuar de forma eficaz a partir da intervenção federal.
Pelas provas apresentadas, fica claro que
não havia desconhecimento. São estarrecedoras as conversas às vésperas do
segundo turno das eleições. Numa delas, Klepter diz a Vieira: “O Bolsonaro, ele
está preparado com o Exército, com as Forças Armadas, aí, para fazer a mesma
coisa que aconteceu em 64”. Não poderia ter sido mais explícito.
Houve planejamento não para conter, mas
para facilitar a balbúrdia. Policiais escalados eram os menos experientes da
corporação. A inércia fica patente quando se constata que o Batalhão de Choque,
quando acionado, levou apenas três minutos para retirar os invasores de dentro
do Congresso. O resultado teria sido diferente se a polícia tivesse formado
logo barreiras para impedir a ação dos golpistas.
Embora seja peça importante, a atuação da
PM do DF é apenas parte do quebra-cabeça da conspiração. Não está clara a
participação de Torres, então secretário de Segurança do DF, a quem as polícias
estavam subordinadas. Tampouco se conhece o papel do próprio Bolsonaro.
Entender o que aconteceu naquele dia é fundamental. Não só para punir os
responsáveis, mas para proteger a democracia brasileira de investidas
semelhantes.
Aprovado, novo regime fiscal tem de provar
que é viável
Valor Econômico
Se as projeções do Focus estiverem certas,
haverá redução do reaajuste de despesas a 50% das receitas e acionamento de
medidas de corte de gastos no primeiro ano do novo regime
Após a aprovação final pela Câmara dos
Deputados, o novo regime fiscal enfrentará o teste das receitas, essencial para
que seja cumprido, algo que é visto com ceticismo por economistas e
consultorias. Os deputados consertaram algumas liberalidades concedidas pelo
Senado, que ampliavam gastos, e tornaram o texto mais equilibrado, fechando
brechas a aumentos arbitrários de despesas. Um pouco antes, lideranças da
Câmara chegaram a um acordo com o governo para retirar a taxação dos fundos
offshore da MP que reajustava a tabela do imposto de renda das pessoas físicas
e ampliava a faixa de isenção a R$ 2,64 mil - o aumento de tributos compensaria
a perda de recursos com o IR.
Houve acordo na votação do novo regime
fiscal para impedir a fixação de regra permanente para que o orçamento tivesse
“despesas condicionadas”, referentes à diferença entre a inflação de julho do
exercício anterior a julho do exercício corrente. Neste ano de transição, ela
faz diferença. A variação anual até junho de 2023 foi de 3,16%, enquanto as
estimativas do boletim Focus apontam que o IPCA final será de 4,9%. Isto
permitiria que despesas sob condição aumentassem perto de R$ 30 bilhões além
das fixadas no orçamento, segundo contas do Ministério do Planejamento.
A possibilidade de incluir despesas em
função de receitas realizáveis (ou não) no futuro, proposta pelo governo, foi
eliminada. No entanto, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que o governo tem de
enviar até 31 de agosto poderá fazer isso. Ou seja, o orçamento será ajustado
pela inflação plena, como queria o governo, mas apenas uma vez. O relator
eliminou, além disso, a possibilidade de que o aumento real de despesas, de
0,6% a 2,5%, fosse automaticamente reajustado pelo teto na largada do novo
regime.
O governo poderá pedir crédito suplementar
na avaliação bimestral de maio se o crescimento real das receitas estimadas
para 2024 for menor que a projeção orçamentária feita em 2023, que levará em
consideração o intervalo de doze meses entre julho de 2022 e junho de 2023. Se
o aumento da despesa for superior a 70% do avanço das receitas primárias, a
diferença será abatida do limite no exercício de 2025.
Os deputados mantiveram fora dos limites de
gastos as despesas com o Fundo Constitucional do Distrito Federal, que já
estava excluído do teto de gastos anterior, e o Fundeb, da educação. Mas
impediram que isso fosse feito com as despesas de ciência, tecnologia e
inovação.
Após a votação do novo regime, os desafios
que o cercam continuaram do tamanho que estavam - enormes. As expectativas
registradas no boletim Focus não preveem qualquer superávit primário até 2026.
O resultado primário do governo central em junho foi negativo em R$ 42,5
bilhões, diante de um positivo de R$ 54,2 bilhões no mesmo mês de 2022, uma
virada de R$ 96 bilhões de gastos acima das receitas. Em 12 meses, mesmo
critério que passará a ser aplicado no novo regime, há um déficit de 0,41% do
PIB - ele está crescendo ao longo do ano e não diminuindo. O déficit fiscal
estimado na terceira revisão bimestral feita pelo Tesouro subiu para R$ 145,4
bilhões.
Nas contas da Instituição Fiscal
Independente, as medidas anunciadas pelo governo para aumentar as receitas
terão impacto menor do que o previsto - 0,6% do PIB este ano e 0,9% do PIB no
ano que vem (R$ 90,7 bilhões), segundo Vilma Pinto, diretora do IFI. Faltam
para zerar o déficit em 2024 entre R$ 100 bilhões e R$ 105 bilhões.
Não está sendo fácil, como era previsto,
arranjar mais receitas. A Câmara brecou a tributação de fundos offshore e
exclusivos embutida na MP do reajuste da tabela do IR sob os argumentos de que
não tolera aumento da carga tributária - ainda que essas aplicações de grandes
investidores estejam subtributadas - e de que se tratava de um “jabuti”, objeto
que nada tem a ver com a finalidade original da MP. Sem dúvida, era um jabuti,
daqueles que os deputados estão cansados de incluir a todo momento, mas um que
não era do agrado do Centrão. A saída do governo foi editar nova MP para
preservar a mudança na tabela e enviar um projeto de lei em caráter de urgência
para tributar os fundos e possivelmente juros sobre capital próprio.
As perspectivas da economia agora são melhores do que quando o novo regime fiscal foi anunciado, mas, ainda assim, haverá retração razoável das atividades e aumento de gastos seguidos. A fórmula do novo regime prevê aumentos reais de despesas de pelo menos 0,6%, o salário mínimo terá correção real anual e se cogita o mesmo para gastos do Bolsa Família e do piso de R$ 75 bilhões para investimentos. O governo não conta com isso, mas, se as projeções do Focus estiverem certas, haverá redução do reajuste de despesas a 50% das receitas e acionamento de medidas de corte de gastos previstas já em 2025, segundo ano do novo regime. A única forma de evitar isso é um crescimento maior que o esperado, que dificilmente ocorrerá. Para isso acontecer, os juros teriam de cair rápida e drasticamente, o que também é improvável.
Resta o mais difícil
Folha de S. Paulo
Prova dos noves da nova regra fiscal será
conter a escalada da dívida pública
Com atraso temerário, a Câmara dos
Deputados concluiu em
definitivo a votação da nova regra de controle dos gastos federais e da dívida
pública. O texto seguiu para a sanção presidencial a pouco mais de
uma semana do prazo final para a apresentação do Orçamento de 2024, que terá de
seguir as metas e limites recém-estabelecidos.
A demora da aprovação não se deveu a uma
discussão mais aprofundada acerca do projeto, mas principalmente a querelas
entre o governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) —que, se deseja
maior protagonismo na agenda nacional, deve assumir também maior
responsabilidade.
Depois de quatro meses de tramitação
legislativa, são bem conhecidos os méritos e as fragilidades do novo mecanismo,
o terceiro instituído ao longo de 24 anos para conter a propensão das
administrações brasileiras ao aumento contínuo das despesas.
A regra mais duradoura foi a meta de
resultado primário (receitas menos despesas, excluindo juros), adotada a partir
de 1999 e nunca de todo abandonada, embora tenha sido desmoralizada ao final da
gestão Dilma Rousseff (PT).
Seguiu-se o teto de gastos inscrito na
Constituição em 2016, que sofreu o impacto da pandemia —um evento
extraordinário que exigia alta urgente e substancial de desembolsos— e da
ofensiva eleitoreira de Jair Bolsonaro (PL).
A regra que passa a vigorar agora reúne
algo das antecessoras. Há um limite para a expansão da despesa, entre 0,6% e
2,5% ao ano, a depender da receita, e metas de resultado primário. De melhor,
afasta-se o risco de descontrole; de pior, os saldos
prometidos dependem de um salto improvável e indevido de uma carga tributária
já exagerada.
Podem-se notar no dispositivo, a depender
do ponto de vista, tanto engenhosidade na formulação quanto um excesso de
brechas para a imprudência fiscal. A partir de agora, entretanto, o debate
teórico dará lugar à execução prática.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
terá a sua disposição ou poderá criar mais meios para driblar os limites de
gastos e o cumprimento das metas. A prova dos noves da seriedade de sua
política será a evolução da dívida pública, que não pode ser maquiada.
O passivo governamental equivale hoje a
73,6% do PIB, um patamar excessivo para um país emergente. Pelas expectativas
mais consensuais entre analistas, que já levam em conta a regra orçamentária, o
percentual subirá continuamente nos próximos anos —o que ameaçará o crescimento
da economia e o combate à pobreza.
Tais projeções indicam que as metas fixadas
pelo governo petista carecem de credibilidade, e os resultados observados até
agora reforçam o ceticismo. Muito pior será se Brasília recorrer a artifícios
de contabilidade criativa como abrir exceções para investimentos do PAC ou
reclassificar precatórios.
Já deveria estar claro que o controle
efetivo da despesa é o caminho viável para o reequilíbrio do Orçamento. Resta,
pois, o mais importante e o mais difícil.
Ser e parecer
Folha de S. Paulo
CNJ acerta ao debater norma que restringe
participação de magistrados em eventos
É positivo que esteja em votação no
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma resolução com o objetivo de restringir e disciplinar
a participação de magistrados em palestras e eventos assemelhados.
A norma, proposta pelo ministro Luiz
Philippe Vieira de Mello Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, veda práticas
como o coaching, estipula teto para presentes que podem ser recebidos (R$ 100,
exceto livros) e prevê um sistema eletrônico de monitoramento que registra as
participações de juízes.
As novas regras limitam, ainda, subvenções
que entidades privadas com fins lucrativos podem fornecer a esse tipo de
encontro.
Por enquanto a resolução conta com dois
votos favoráveis —e recebeu elogios da ministra Rosa Weber, que preside o CNJ e
o Supremo Tribunal Federal. A votação, contudo, foi suspensa.
Tem sido de resistência a reação de parcela
significativa da magistratura diante de iniciativas que limitam suas interações
com eventuais jurisdicionados. No caso em tela, a justificativa é a de que
palestras, agrados ou presença em festas não afetariam a independência que o
cargo de juiz exige.
Como a proverbial mulher de César, juízes
devem ser e parecer honestos. Seu comportamento deve contribuir para a
credibilidade da instituição a que pertencem.
A confraternização de magistrados com
políticos e empresários que têm ou podem vir a ter vínculos com processos
compromete princípios republicanos, como a separação entre público e privado e
a imparcialidade do Judiciário.
É natural, por exemplo, que a sociedade
questione a presença de ministros do STF em encontro do grupo de empresários
ligado ao ex-governador de São Paulo João Doria, em Nova York, no ano passado.
Do mesmo modo, a
proximidade dos magistrados com políticos e empresários no Fórum Jurídico de
Lisboa, em junho último, afeta a imagem da corte.
Será oportuno que o CNJ aprove a resolução —e que os ministros do Supremo, que não estão sob jurisdição do conselho, debatam regras do gênero.
A sustentabilidade do novo arcabouço
O Estado de S. Paulo
Em breve, Haddad terá de escolher entre
mudar as metas fiscais para níveis mais realistas ou apelar a artifícios que
garantam seu cumprimento. A primeira opção é a menos danosa
Levou algumas semanas, mas a novela do arcabouço
fiscal finalmente terminou. A proposta foi aprovada de forma definitiva pela
Câmara na última terça-feira, dando fim ao teto de gastos, tantas vezes
desrespeitado nos últimos anos.
O governo de Lula da Silva tem muitas
razões para comemorar o feito. Conseguiu aprovar a medida mesmo sem ter
construído uma sólida base de apoio na Câmara. Também logrou êxito ao
conquistar apoio para retirar do alcance do dispositivo o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que banca o piso dos professores
da rede pública.
A única derrota – a derrubada da emenda do
Senado que autorizava a inclusão de até R$ 32 bilhões em despesas condicionadas
– foi parcial e tudo indica que será revertida. A proposta poderá ser incluída
no texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que norteia a elaboração do
Orçamento de 2024.
A maior das vitórias, certamente, foi a
obtenção do aval do Congresso para aumentar despesas em termos reais, ou seja,
acima da inflação, ainda que a arrecadação não cresça à altura das necessidades
do País. Ironicamente, é também neste triunfo que reside a vulnerabilidade do
novo arcabouço fiscal.
O teto de gastos, proposto em 2016 durante
o governo Michel Temer, era um mecanismo de política fiscal muito mais rígido
que o arcabouço. Ainda que as receitas aumentassem, o teto não permitia elevar
o nível global dos gastos. Ao atrelar as despesas à variação da inflação, o
teto foi eficiente para comprimir o gasto público, principalmente as despesas
discricionárias.
No médio e longo prazos, no entanto, a
sustentabilidade do teto dependia da aprovação de reformas estruturais. Como
elas não foram feitas, inúmeras brechas erodiram sua credibilidade. Encravar o
mecanismo na Constituição tampouco foi suficiente para garantir sua eficácia.
O arcabouço é bem mais flexível que seu
antecessor. O fato de ser um projeto de lei complementar permite que seja
alterado com mais facilidade. Dada a rigidez da estrutura das despesas
obrigatórias e a dificuldade para revê-las, o arcabouço assegura seu
crescimento acima da inflação. Transferências de recursos da União para entes
federativos foram excepcionalizadas já de saída. A elas, agregaram-se o piso da
enfermagem e o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF).
O arcabouço, no entanto, tem seus próprios
desafios, e o principal diz respeito a metas fiscais que mesmo o mais estoico
dos governos teria dificuldade para atingir. O ajuste se daria pelo lado da
receita, mas o Congresso tem demonstrado muita resistência a medidas que
aumentem a arrecadação. Por outro lado, austeridade nunca foi uma
característica associada a administrações petistas, e o texto final do
arcabouço corroborou essas expectativas.
A promessa do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, de reduzir o déficit fiscal a cerca de R$ 100 bilhões, nunca pareceu
crível; zerá-lo em 2024 é improvável. Entre economistas que acompanham a área
fiscal, ninguém espera que essas metas sejam cumpridas. O próprio governo
projeta um déficit fiscal de R$ 145,4 bilhões para este ano.
Com o arcabouço finalmente aprovado e a
dificuldade para atingir as metas previamente anunciadas, o governo terá agora
de fazer um esforço para chegar o mais próximo possível delas. Está cada vez
mais claro que não poderá, no entanto, contar apenas com receitas para
atingi-las, mesmo porque elas estão em rota de desaceleração.
Muito em breve, Haddad terá de escolher
entre mudar as metas para patamares mais realistas ou apelar a artifícios que
garantam seu cumprimento – como a exclusão de até R$ 5 bilhões em investimentos
de estatais vinculados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a
possibilidade de transformar precatórios em despesas financeiras.
Modificações casuísticas e eleitoreiras
estão por trás do fracasso do teto de gastos e da política de superávits que
vigorou antes dele. A despeito do desgaste político, alterar as metas ainda é a
melhor opção – não apenas por ser um ato transparente, mas porque ele impede a
deturpação da âncora fiscal que acaba de ser aprovada.
Muitas mortes, poucas informações
O Estado de S. Paulo
Letalidade da operação policial no Guarujá
continua a merecer explicação melhor do poder público; sem transparência, cabe
todo tipo de especulação sobre o trabalho da PM
Desde o final de julho, a Operação Escudo,
deflagrada depois que um policial da Rota foi assassinado no Guarujá, já matou
20 pessoas na Baixada Santista. A Secretaria de Estado da Segurança Pública de
São Paulo afirma que todas as mortes ocorreram porque houve reação à abordagem
policial. Pode até ser verdade, mas é difícil saber, porque não foram
divulgadas as imagens captadas pelas câmeras usadas pelos policiais militares
(PMs) na ação. Na verdade, não se sabe nem se todos os policiais estavam usando
as câmeras ou mesmo se elas funcionaram como deveriam.
O alto número de mortos e a falta de
transparência do governo do Estado a respeito da operação autorizam toda sorte
de versões e suspeitas. Se tudo ocorreu dentro da lei e se as melhores práticas
policiais foram seguidas, não se entende a razão pela qual até agora não foram
apresentadas evidências de que a operação da PM respeitou os protocolos e não
foi apenas uma ação de vingança contra a morte de um companheiro de farda. É
para isso, aliás, que servem as câmeras nos uniformes dos PMs: mostrar quem são
os bons policiais, que seguem a lei e reagem conforme o manual, e os policiais
que cometem abusos e pretendem fazer justiça com as próprias mãos. Só é contra
as câmeras, portanto, quem acha que os policiais devem ser livres de
constrangimentos legais e morais.
Segundo a Secretaria da Segurança, foram
presas 563 pessoas, sendo 213 que eram procuradas pela Justiça.
Já a Defensoria Pública diz que 55% dos
detidos eram réus primários, que não houve apreensão de armas em 90% das
prisões em flagrante e que em 67% dos casos não houve apreensão de drogas.
Além do mais, desde o início das ações
policiais, acumulam-se relatos de torturas, invasão de domicílios e outros
excessos que teriam sido praticados por agentes do Estado. Perante esses
indícios, não basta a Polícia Militar dizer que “eventuais desvios serão
apurados” – e a operação continuar matando.
Não há ingenuidade no questionamento sobre
a atuação policial. Sabese bem como organizações criminosas são fortemente
armadas e como recebem a polícia toda vez que alguma operação do poder público
dificulta sua atividade ilícita. A questão não é essa. O ponto é que hoje
existem meios – a câmera no uniforme é um deles – para prover transparência à
atuação policial. No entanto, parece que a polícia acha desnecessário explicar
à sociedade a ocorrência de tantas mortes.
Diante dessa resistência por parte do
Estado a um elementar esclarecimento dos fatos, é preciso lembrar o óbvio: há
direito à vida e há o princípio da presunção de inocência. Não basta dizer que
houve confronto com bandidos quando existem indícios de execução sumária.
Ao questionar a falta de transparência nas
explicações sobre tão alta letalidade policial, o que se pede não é a inação ou
a hesitação da polícia, como se houvesse apenas uma perversa disjuntiva entre a
omissão diante do crime e a autorização para a polícia atuar como bem entender.
Na verdade, pede-se apenas que o poder público seja eficiente na realização de
suas operações. Se a ordem judicial é para prender, o grande resultado da
operação não pode ser a morte de duas dezenas de pessoas. Ou seja, não há uma
oposição, como muitos querem ver, entre segurança pública e respeito aos
direitos fundamentais de todas as pessoas.
Com sua alta taxa de letalidade e sua
gritante falta de informações, a Operação Escudo traz muitas dúvidas não apenas
sobre o efetivo respeito aos direitos humanos por parte do Estado, mas sobre a
própria eficiência da polícia. O dever primário da corporação não é matar
pessoas suspeitas da prática de crimes, e sim contribuir para o efetivo
cumprimento da lei e a preservação da ordem pública.
Faz muito mal à polícia, tanto à sua
identidade quanto à sua autoridade perante a população, esse estado nebuloso de
coisas, com muitas mortes e poucas informações. Polícia não é milícia. É
inteiramente diferente: tem uma missão muito mais nobre. É mais que hora,
portanto, de parar de alimentar essa absurda confusão.
O ‘calote petista’
O Estado de S. Paulo
Se nem o PT convence a elite de seus
filiados a doar para o partido, que dirá siglas mais distantes dos eleitores
Este jornal noticiou há poucos dias que
alguns ministros petistas do governo Lula da Silva não têm pagado a
contribuição mensal que é exigida pelo PT dos filiados que exercem mandatos ou
ocupam cargos de confiança. A relação de devedores inclui os ministros da Casa
Civil, Rui Costa; da Educação, Camilo Santana; da Fazenda, Fernando Haddad; e
do Trabalho, Luiz Marinho. Nos casos de Haddad e Marinho, o PT informou que a
exigência, prevista em estatuto, está suspensa até que seja recalculado o valor
da contribuição devida por cada um.
A bem da verdade, pouco importa para o País
o cadastro de inadimplentes do PT ou de qualquer partido político. Entretanto,
o caso petista é digno de nota por ser paradigmático da falta de cultura de
doação privada às legendas, uma subversão da democracia representativa que
tanto mal faz ao Brasil.
Inegavelmente, o PT é um dos mais bem
organizados partidos do País. Tem presença nacional, uma agenda programática
que, a despeito das críticas que possam ser feitas, confere identidade à legenda,
um bom número de filiados – cerca de 1,6 milhão, atrás apenas do MDB, com 2,07
milhões, de acordo com o TSE (julho de 2023) – e reconhecida capacidade de
mobilização. Pois se nem um partido com esses atributos consegue convencer a
elite de seus filiados a contribuir para a manutenção financeira de suas
atividades, que dirá legendas menos estruturadas e ainda mais distantes dos
eleitores.
Há muitos fatores que explicam o
afastamento entre eleitores e partidos no Brasil. Um dos principais é o
conforto dos caciques partidários, que recebem múltiplos estímulos para ignorar
os eleitores e só lembrar de sua existência em anos eleitorais. Nos demais, não
movem um dedo pela aproximação, acostumados que estão a ver dinheiro público
jorrar no caixa das legendas sem esforço algum, todo santo mês, graças aos
bilionários recursos que abastecem os fundos partidário e eleitoral.
Nem a sra. Rosângela da Silva, tida como
militante histórica do PT, tem feito as contribuições mensais à legenda.
Evidentemente, por não exercer mandato eletivo nem ocupar cargo público, a
primeira-dama não tem obrigação estatutária de contribuir para cobrir os custos
mensais do partido. Mas, sendo ela quem é, que mensagem transmite aos demais
apoiadores do PT? Há uma dimensão simbólica que não pode ser simplesmente
ignorada.
É importante registrar que, entre todos os
partidos com representação no Congresso, o PT é, de longe, o que mais recebe
doações privadas. Em 2022, R$ 27,9 milhões entraram nas contas da legenda via
contribuições de pessoas físicas. Entretanto, esse valor não chega a 5% do que
o PT recebeu, no mesmo período, em recursos dos fundos partidário e eleitoral
(R$ 603,6 milhões).
Ou seja, enquanto o funcionamento de organizações privadas como os partidos estiver assegurado pelo aporte líquido e certo de recursos públicos dessa monta, não haverá qualquer estímulo à conquista de doadores privados. E assim o amadurecimento da democracia representativa permanecerá sobrestado no Brasil.
Emoções em frangalhos
Correio Braziliense
Brasil tem o terceiro pior índice de saúde
mental, entre 64 países, segundo o relatório Estado Mental do Mundo 2022,
encomendado pela Sapien Labs
Sequelas e perdas deixadas pela pandemia da
covid-19, desemprego, violência e tantos outros fatores afetam o equilíbrio emocional
e mental dos brasileiros. Hoje, o Brasil tem o terceiro pior índice de saúde
mental, entre 64 países, segundo o relatório Estado Mental do Mundo 2022,
encomendado pela Sapien Labs. A sondagem obteve 407.959 respostas e revelou que
há mais de 300 milhões de pessoas sofrendo com depressão no mundo, sendo 11
milhões brasileiros.
Para o Conselho Federal de Enfermagem, o
relatório indica que o Brasil enfrenta uma segunda pandemia, provocada pelos
traumas provocados pela crise sanitária do coronavírus. Não à toa, a ministra
da Saúde, Nísia Trindade, anunciou, na sua posse, que a pasta faria uma revisão
da política de saúde mental, que foi desmontada pelo governo anterior. A gestão
passada condenou os princípios da Reforma Psiquiátrica, que eliminou os manicômios,
além de unir a visão psiquiátrica com a psicossocial — uma virada de página na
história da psiquiatria nacional.
Embora 70% dos brasileiros digam que
desfrutam de boa ou ótima saúde mental, 7% reconhecem que estão ruins ou
péssimos. Os mais incomodados, entre 16 e 24 anos, somam 13%. Os 23% restantes
avaliam como regular, segundo pesquisa do DataFolha, realizada entre 31 de
julho e 7 de agosto, com 2.534 pessoas com 16 anos ou mais em 169 municípios.
Ansiedade, depressão e todos os danos que
esses distúrbios causam predominam entre a parcela da sociedade, que necessita
de cuidados adequados. Os tratamentos não ficam restritos aos psiquiatras e
psicólogos. Muitos exigem o apoio de outros especialistas para vencer os
transtornos provocados pela perturbação mental e emocional.
A desigualdade social e econômica, uma
realidade marcante no Brasil, colabora para o agravamento dos problemas
emocionais e mentais. A rede pública de saúde é insuficiente para garantir
assistência nos primeiros sinais de perturbação emocional. A demora ou não
atendimento permite que a ansiedade alcance o grau de depressão. As
consequências são inimagináveis e podem empurrar o indivíduo para um ato
extremo — algo que poderia ser evitado, se acolhido a tempo. Os Centros de
Atenção Psicossocial (CAPs) estão mais voltados às condições mais graves.
Os mais pobres, como em tudo no Brasil, são
os mais prejudicados. A estrutura pública é desorganizada e falta interesse da
maioria dos governantes em aparelhar e contratar profissionais, a fim de
acolher quem não tem meios de ser socorrido na rede privada de saúde. Uma
revisão do sistema se faz mais do que necessário. Impõe-se, como medida
urgente, para que os brasileiros, principalmente os menos favorecidos, tenham
acolhimento profissional de qualidade para superar seus transtornos e as dores
da alma.
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