Folha de S. Paulo
Grupo é ficção diplomática; o Brics-Plus
tem ainda menos unidade de propósitos
A cobertura jornalística intensiva dessas
"reuniões de cúpula" costuma passar a impressão de que grandes
mudanças estão sendo decididas aos 45 minutos do segundo tempo desses jogos
geopolíticos. A proximidade com poderosos e seus assessores, o climão de
importância e tensão, acaba por levar a exageros sobre a relevância prática do
que se discute.
É compreensível, humano. Acontece em
"cúpulas do clima" ("termina em impasse"). Antigamente
acontecia nas reuniões da Organização Mundial do Comércio. Era assim em reunião
de G5, G7, G8, Gn+. O suspense e impressão de importância aparece até em
cobertura de festa literária, do Oscar ou de
temporada de desfile de moda, aliás ora tão em baixa quanto a OMC.
Não é que essa cúpula dos Brics tenha sido desimportante. Mas por que teria sido importante?
Em 1985, os líderes dos países do G5
fizeram um acerto de taxas de câmbio. Durou um tempinho. É um tópico da
história da finança e assunto a que a esquerda dava muita importância (tinha a
cara de um "comitê do capital" definindo os rumos do planeta, né).
Logo depois desse acerto ("acordo do Plaza"), mudanças na teoria da
finança, na tecnologia de informação e comunicação, diferenças de produtividade
e a liberação financeira, etc., fizeram picadinho desse tipo de cúpula. Correntes
subterrâneas da história fazem o serviço.
Então os
Brics devem admitir novos sócios. O que é por ora quase ficção
diplomático-publicitária vai incluir meia dúzia de ditaduras ou países falidos.
Pode até dar em alguma coisa —a depender do que pretendem fazer da vida os
Brics que têm tamanho, dinheiro, armas ou proximidade dos centros de tensão do
mundo.
O Brasil mora longe. Não é economia
pequena, mas ficou nanico em relação à China e
assim o será em relação à Índia. Não
tem poder de fogo (tiro, pancada e bomba). O que pode apitar nesse clube
antiocidental?
Imagine-se que o Brasil se tornasse uma
"potência ambiental" —diminuísse emissões de carbono aos montes,
acabando com a destruição da floresta. Que tivesse um plano tecnológico-econômico
de "transição verde" bem pensado. Que tivesse estabilidade
macroeconômica, ciência, educação e voltasse a crescer. Etc. Teria mais voz no
mundo e dinheiro do que falando no palanque da China.
O que o Brics-Plus pode apitar?
Considerem a coalizão de EUA, Canadá,
Austrália, Europa e Japão. Entre tantos desentendimentos (como comércio e
defesa), observe-se o mais recente. Além de não quererem gastar em armas (e
menos ainda morrer em guerras), os europeus ocidentais achavam que poderiam
contemporizar com a Rússia, a Alemanha em particular, por interesse energético,
mas não apenas. Os EUA tinham, claro, seus motivos imperiais. Olha o que deu,
mesmo em um grupo de países similares e alinhados.
O que fará a Índia ascendente, ora
paparicada pelo "Ocidente"? O que fará a China
em crise econômica ligeira (por ora) e em guerra fria com os EUA? Vão
pautar seus destinos por decisões de Brics? Hum.
Que poder terá essa mistura adúltera de
tudo? Alianças de poderosos ditam regras de comércio e política econômica,
definem tecnologias, criam instituições de reparação de danos em seu quintal,
por vezes tomam decisões coordenadas de bombardear desafetos, organizam
coalizões defensivas (contra a URSS, por exemplo). Que interesse comum,
imediato e administrável têm os Brics? Acabar com a hegemonia do dólar? Pode
estar começando a acabar, quem sabe. Até a China vende títulos do governo
americano (venda acelerada depois do boicote contra Putin). Mas o dólar não vai
à breca porque a Argentina, a Etiópia e os árabes petrolíferos seriam Brics.
Sim, podem tirar uma casquinha dos EUA. O
que mais?
2 comentários:
Espero que dê tempo e surja alguém para tirar o Brasil disso (tirar ficando, como é em politica internacional e em diplomacia).
▪Mas eu nunca imaginei o Brasil como membro de um club de ditaduras. Aonde chegamos? É de estarrecer!
Vinicius Torres Freire...
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