terça-feira, 24 de outubro de 2023

Joel Pinheiro da Fonseca - É graças às redes que descobrimos a verdade sobre a explosão do hospital palestino

Folha de S. Paulo

Conforme o debate público se debruçava sobre a explosão, cada elemento ficava mais dúbio

"Israel bombardeia hospital em Gaza e mata 500." Variações deste tema foram manchete pelo mundo todo, inclusive no Brasil. Líderes do mundo todo reagiram. Então, o governo israelense não é melhor do que os terroristas do Hamas?

Era impossível? Vejam: Israel vinha lançando mísseis em Gaza sem parar, com milhares de civis mortos. Hospitais na região haviam recebido ordem de evacuação. Sabe-se que o Hamas já utilizou hospital como base de operações no passado. Então, era completamente inverossímil que Israel bombardeasse um hospital? Não.

Tanto não era inverossímil que um influenciador israelense e militante pró-Netanyahu, Hananya Naftali, foi um dos primeiros a confirmar a notícia, dando a ela um viés favorável a seu lado: "URGENTE: Força Aérea Israelense acertou uma base terrorista dentro de um hospital em Gaza. Muitos terroristas morreram."

Entre o verossímil e o verdadeiro, contudo, há uma longa distância. E, ao que tudo indica, a notícia não era verdadeira. Conforme o debate público se debruçava sobre o que se sabia da explosão, cada elemento ficava mais dúbio. O governo de Israel negou o ato, mas ele próprio apagou o vídeo que usara em sua publicação. Já um outro vídeo da Al Jazeera indicava que o míssil viera da Palestina. Especialistas analisavam as imagens. A cada novo dado, um lado partia para o ataque e o outro buscava contra-argumentos.

Entre as idas e vindas, contudo, o consenso emergente é que o míssil não veio de Israel. Foi um foguete do grupo Jihad Islâmica que se partiu e caiu no estacionamento do hospital. Muito provavelmente foram menos de 500 mortes. A própria Folha tem adotado termos cautelosos refletindo essas descobertas. No (excelente) mapa da Faixa de Gaza publicado no domingo, o hospital Al-Ahli é descrito como "local de explosão que deixou dezenas ou centenas de mortes".

Os jornais foram apressados. É o que o próprio New York Times reconheceu numa nota editorial publicada nesta segunda: "As primeiras versões da cobertura —e a preeminência que ela recebeu numa manchete, alertas de notícia e canais de mídias sociais— baseavam-se excessivamente nas afirmações do Hamas, e não deixavam claro que aquelas afirmações não podiam ser verificadas imediatamente. A reportagem deixava os leitores com uma impressão incorreta do que era conhecido e do quão crível era o relato".

Essa transição da afirmação enganosa para a cautela bem informada só ocorreu graças às redes sociais. Foi no debate das redes —em que torcedores de ambos os lados esmiuçam o que se sabe atrás de furos da narrativa contrária e confirmação da sua— que as teses foram levantadas e circuladas. Nenhum partidário ferrenho dará o braço a torcer. E quem não sacrificou o intelecto à causa sairá mais bem informado, entendendo melhor o que se passou e com uma opinião mais próxima dos dados conhecidos.

Não fossem as redes, o erro inicial da imprensa (todo mundo erra) demoraria dias a mais para ser corrigido e o "bombardeio israelense a hospital" ficaria como mais um fato assentado na mente da maioria das pessoas. Possíveis correções seriam discretas e nem chegariam à maioria. Graças a elas, o New York Times se viu obrigado a fazer um mea-culpa público. As paixões irracionais individuais acabaram servindo a um avanço do conhecimento.

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Tomar partido numa situação dessas!

Daniel disse...

O colunista MENTE desde o título da sua coluna!