Folha de S. Paulo
Conforme o debate público se debruçava sobre
a explosão, cada elemento ficava mais dúbio
"Israel bombardeia hospital em Gaza e
mata 500." Variações deste tema foram manchete pelo mundo todo, inclusive
no Brasil. Líderes do mundo todo reagiram. Então, o governo israelense não é
melhor do que os terroristas do Hamas?
Era impossível? Vejam: Israel vinha lançando
mísseis em Gaza sem parar, com milhares de civis mortos. Hospitais na região
haviam recebido ordem de evacuação. Sabe-se que o Hamas já utilizou hospital
como base de operações no passado. Então, era completamente inverossímil
que Israel bombardeasse
um hospital? Não.
Tanto não era inverossímil que um influenciador israelense e militante pró-Netanyahu, Hananya Naftali, foi um dos primeiros a confirmar a notícia, dando a ela um viés favorável a seu lado: "URGENTE: Força Aérea Israelense acertou uma base terrorista dentro de um hospital em Gaza. Muitos terroristas morreram."
Entre o verossímil e o verdadeiro, contudo,
há uma longa distância. E, ao que tudo indica, a notícia não era verdadeira.
Conforme o debate público se debruçava sobre o que se sabia da explosão, cada
elemento ficava mais dúbio. O governo de
Israel negou o ato, mas ele próprio apagou o vídeo que usara em
sua publicação. Já um outro vídeo da Al Jazeera indicava que o míssil viera da
Palestina. Especialistas analisavam as imagens. A cada novo dado, um lado
partia para o ataque e o outro buscava contra-argumentos.
Entre as idas e vindas, contudo, o consenso
emergente é que o míssil não veio de Israel. Foi um foguete do grupo Jihad
Islâmica que se partiu e caiu no estacionamento do hospital. Muito
provavelmente foram menos de 500 mortes. A própria Folha tem adotado
termos cautelosos refletindo essas descobertas. No (excelente) mapa da Faixa
de Gaza publicado no domingo, o hospital Al-Ahli é descrito
como "local de explosão que deixou dezenas ou centenas de mortes".
Os jornais foram apressados. É o que o
próprio New York Times reconheceu numa nota editorial publicada nesta segunda: "As
primeiras versões da cobertura —e a preeminência que ela recebeu numa manchete,
alertas de notícia e canais de mídias sociais— baseavam-se excessivamente nas
afirmações do Hamas, e não deixavam claro que aquelas afirmações não podiam ser
verificadas imediatamente. A reportagem deixava os leitores com uma impressão
incorreta do que era conhecido e do quão crível era o relato".
Essa transição da afirmação enganosa para a
cautela bem informada só ocorreu graças às redes sociais. Foi no debate das
redes —em que torcedores de ambos os lados esmiuçam o que se sabe atrás de
furos da narrativa contrária e confirmação da sua— que as teses foram
levantadas e circuladas. Nenhum partidário ferrenho dará o braço a torcer. E
quem não sacrificou o intelecto à causa sairá mais bem informado, entendendo
melhor o que se passou e com uma opinião mais próxima dos dados conhecidos.
Não fossem as redes, o erro inicial da imprensa (todo mundo erra) demoraria dias a mais para ser corrigido e o "bombardeio israelense a hospital" ficaria como mais um fato assentado na mente da maioria das pessoas. Possíveis correções seriam discretas e nem chegariam à maioria. Graças a elas, o New York Times se viu obrigado a fazer um mea-culpa público. As paixões irracionais individuais acabaram servindo a um avanço do conhecimento.
2 comentários:
Tomar partido numa situação dessas!
O colunista MENTE desde o título da sua coluna!
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