Correio Braziliense
Javier Milei venceu de lavada, com quase 3
milhões de votos a mais que Sergio Massa, com 99% das urnas apuradas
Milei e Cacareco - Javier
Milei venceu de lavada, com quase 3 milhões de votos a mais que Sergio
Massa, com 99% das urnas apuradas. Ele leva por 55,71%, equivalentes a 14,4
milhões de votos, vs 44,28% de Massa, com 11,4 milhões. Milei tomará posse em
10/12.
No X e na imprensa, mais aqui que lá, muitas
notas de surpresa com o resultado, como se surpreendente não fosse a eleição do
ministro da economia de um governo que sai com inflação de 143%, maior taxa em
32 anos, com o pé na moratória da dívida pública, com o caixa de divisas na
lona e sem nenhuma sustentação política e social.
Vamos ouvir e ler torrentes de artigos e entrevistas discorrendo sobre as promessas de Milei, sobretudo a troca do peso pelo dólar, o fim do BC, o afastamento da China e do Brasil de Lula. Guarde-se o nome de Emilio Ocampo, 60 anos, provável czar da economia de Milei, no Banco Central ou na pasta de Finanças.
Mas não nos percamos por distrações, esse
vício tão contemporâneo e que tem permeado o debate político e econômico no
Brasil. Será distração, por exemplo, carimbar o novo governo pela dolarização,
tanto quanto pelas ideias libertárias de Milei, além de simpático à ditadura
que se foi 40 anos atrás exatamente na data em que vai tomar posse. Os crimes
dos generais ditadores são negados pela sua vice, Victoria Villarruel, o que
prenuncia relações tormentosas com os democratas argentinos e do continente.
Tais questões, no entanto, não são mais
relevantes que a mensagem do eleitor com a vitória expressiva de Milei: não são
suas ideias abiloladas nem seu libertarianismo, que se confunde com o que há de
mais radical na extrema-direita, o que o elegeu.
Foi o desprezo pela classe política
tradicional, depois de décadas de regressão econômica e social devido ao
populismo do peronismo e à exaustão do modelo distributivista não compensado
com produção e pelo colapso do investimento em qualquer coisa relevante.
Importante considerar que Milei venceu por
larga margem em regiões agrícolas e conseguiu penetrar nos barrios de Baires e
de outras grandes cidades, redutos tradicionais do peronismo, sobretudo junto à
sofrida classe média baixa argentina.
É este voto de desespero, que na Argentina
uniu o rico estancieiro ao descamisado de Buenos Aires, que merece atenção e,
em especial, interpretação das elites brasileiras e não só. Como Trump nos EUA,
o eleitor anda enfezado no mundo, chutando seus velhos líderes à direita e à
esquerda. O que vem depois costuma ser mais complicado do que o racionalismo
dos liberais costuma elaborar. É a alienação dos esnobes o que tem posto em
risco a democracia em toda parte.
Como em outubro de 1959, quando o eleitorado
de São Paulo, numa época em que se escrevia o nome do candidato em cédula de
papel, fez Cacareco, uma fêmea de rinoceronte, o vereador mais votado daquela
eleição. Dos 934.794 paulistanos votantes, com abstenção de 16,5% deles, ela
teve mais de 100 mil votos obviamente tornados nulos. Cacareco foi mais votada
que qualquer outro dos 450 candidatos às 45 cadeiras da câmara municipal.
Até um jingle foi feito: “Cansados de tanto
sofrer / E de levar peteleco / Vamos agora responder / Votando no Cacareco”.
Foi um voto de protesto premonitório sobre o
que estava por vir. Milei e Cacareco têm semelhanças. Elas são mais importantes
que o que passaremos a discutir: a qualidade do plano econômico que virá e o
que poderá mudar na relação bilateral e nos rumos do Mercosul.
Que Brasília fique esperta.
Em 2018 caçoaram de Bolsonaro. Ele perdeu por
2 milhões de votos em 2022, mas ajudou a eleger uma centena de desqualificados
para o Congresso. Nunca faltarão Cacarecos para humilhar os bem-pensantes e os
institutos de pesquisa. A maioria, na Argentina, também não viu ou não quis ver
o fenômeno Milei, exceto AtlasIntel, de Andrei Roman. A cegueira nunca é ampla
e irrestrita...
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