Folha de S. Paulo
Democratas precisam superar a falsa narrativa
de que o país está indo mal
Você está numa situação melhor do que estava
quatro anos atrás? Sinceramente, eu não achava que os republicanos repetiriam a
famosa frase de Ronald Reagan, já que grande parte da estratégia do Partido
Republicano para 2024 depende de uma espécie de amnésia coletiva sobre
o último ano da presidência de Donald Trump.
Será que é realmente uma boa ideia lembrar os
eleitores de como foi o segundo trimestre de 2020?
Porque foi um momento terrível: foi um momento de medo, com as mortes por Covid aumentando drasticamente. Foi um momento de isolamento, com as interações sociais interrompidas. Foi um momento de aumento da criminalidade violenta, talvez causado por essa interrupção social. Foi um momento de grandes perdas de emprego, com a taxa de desemprego atingindo 14,8% em abril daquele ano. Você se lembra da grande escassez de papel higiênico?
Além disso, quando Reagan proferiu essa frase
em 1980, as coisas estavam de fato bem ruins, com 7,5% de desemprego e 12,6%
de inflação,
e as filas nos postos de gasolina em 1979 ainda estavam frescas na memória.
Hoje, o desemprego está abaixo de 4% e a
inflação está em torno de 3% —e provavelmente, apesar
de algumas estatísticas recentes barulhentas, ainda está em queda.
Alguns observadores, no entanto, nos dizem
para ignorar estatísticas sofisticadas que indicam que os Estados
Unidos estão se saindo muito bem. A
experiência vivida pelos americanos, dizem eles, é de que ainda é uma economia ruim.
E o cliente —ou, neste caso, o consumidor— sempre tem razão, certo?
Bem, eu não acho que a palavra
"experiência" signifique o que eles pensam que significa. É verdade
que a maioria dos americanos tem uma visão negativa da economia. Mas as pessoas
não experimentam a economia diretamente.
O que elas experimentam diretamente são suas
próprias circunstâncias financeiras —e a maioria dos americanos se sente
relativamente positiva em relação às suas próprias finanças.
Antes de entrar nos números, vamos falar
sobre o que estamos capturando quando medimos a confiança do consumidor, seja
em pesquisas de opinião ou em pesquisas regulares realizadas pela University of
Michigan Surveys of Consumers, pela Conference Board ou pela Civiqs.
Em sua maioria, essas pesquisas não perguntam
sobre as experiências pessoais dos consumidores; elas perguntam sobre suas
visões da economia como um todo —ou seja, o que eles acham que está acontecendo
com outras pessoas.
Então, o que acontece se você perguntar sobre
a experiência pessoal?
Fiquei impressionado com os resultados das
pesquisas em estados-pêndulo realizadas
pela Universidade Quinnipiac, que perguntam aos entrevistados sobre a economia
nacional e suas situações financeiras pessoais.
Na pesquisa mais recente, feita com eleitores
do Michigan, apenas 35% das pessoas disseram que a economia nacional estava
excelente ou boa, enquanto 65% disseram que não estava tão boa ou estava ruim.
Mas quando perguntados sobre suas finanças
pessoais, as proporções se inverteram basicamente, com 61% dizendo que estavam
em excelente ou boa situação e 38% dizendo que estavam em situação não tão boa
ou ruim.
Uma pesquisa de janeiro com eleitores
da Pensilvânia produziu resultados quase idênticos.
Não é apenas a Quinnipiac. Outras evidências
apontam para uma desconexão semelhante entre as percepções da economia e o que
as pessoas veem em suas próprias vidas.
Por exemplo, uma pesquisa de setembro da
Harris Poll realizada para o jornal The Guardian encontrou uma
estreita maioria de americanos dizendo que o desemprego estava perto de uma
alta de 50 anos quando, na verdade, está perto de uma baixa de 50 anos; mas, no
mesmo mês, a Conference Board encontrou três vezes mais americanos dizendo que
os empregos eram "abundantes" do que diziam que eram "difíceis
de conseguir".
Ah, e a Universidade de Michigan pergunta aos
consumidores para compararem sua situação financeira pessoal de agora com a de
cinco anos atrás: em janeiro, 52% disseram que estava melhor e 38% disseram que
estava pior.
Então, as pessoas que dizem que a experiência
vivida contradiz os dados oficiais realmente não fizeram sua lição de casa.
Até onde podemos medir as experiências
pessoais dos americanos, em oposição ao que eles dizem sobre a economia, elas
parecem ser bastante positivas e mais ou menos em linha com os indicadores
macroeconômicos.
Pode haver várias razões para essa desconexão
entre a experiência pessoal e as narrativas. O partidarismo é claramente um
fator importante: apoiadores de ambos os partidos tendem a ser pessimistas em
relação à economia quando o partido oposto está na Casa Branca, mas o efeito é
muito mais forte para os republicanos.
Mesmo que a inflação tenha caído, o aumento
da inflação de 2021-22 ainda pode estar influenciando as percepções econômicas.
E, se serve de ajuda, a cobertura de notícias
sobre a economia, conforme medida pelo Federal Reserve de San Francisco, foi
extraordinariamente negativa no verão [inverno no Brasil] do ano passado,
comparável aos piores momentos da Grande Recessão, embora tenha estado mais
positiva recentemente.
Seja qual for o motivo, é importante entender
que o desafio político enfrentado pelos democratas não é que eles precisam
superar uma economia ruim. O que eles precisam superar, em vez disso, é a falsa
narrativa de que a economia está indo mal.
Como eles podem fazer isso? Eu não sou um
estrategista político, mas até eu consigo ver que dizer aos eleitores que suas
percepções estão distorcidas soaria condescendente.
Mas lembrá-los de como 2020 foi ruim e
argumentar que o presidente Joe Biden,
que herdou uma economia e uma sociedade gravemente danificadas pela pandemia e
nos conduziu para um lugar muito melhor, talvez funcione.
*Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times
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