terça-feira, 19 de março de 2024

Andrea Jubé - Lula é cobrado a reocupar o centro

Valor Econômico

Presidente teria ouvido de um ministro não petista que “o governo tem que ser o maestro da narrativa”

Em determinado trecho da manifestação aos ministros, na reunião desta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que é preciso melhorar o desempenho e a comunicação do governo para atrair a fatia da população que considera a sua administração apenas “regular”.

Pesquisas de três institutos divulgadas nas duas últimas semanas - Quaest, Ipec e Atlas Intel - atestaram o derretimento da avaliação do governo. A pesquisa Ipec (ex-Ibope), publicada no dia 8 de março, mostrou uma queda de 5 pontos percentuais na avaliação positiva da gestão Lula.

Segundo o Ipec, 33% dos entrevistados consideram o governo ótimo e bom (eram 38% em dezembro); 32% classificam a gestão petista como ruim ou péssima (eram 30%); e 33% a avaliam como regular (eram 30%). No contexto dessas pesquisas, Lula observou que as obras de maior visibilidade do governo, como a ampliação do Bolsa Família, o reajuste real do salário mínimo, a retomada de contratos do Minha Casa, Minha Vida voltados para a faixa 1, a volta da Farmácia Popular e programa Pé de Meia (para alunos de baixa renda do ensino médio) são direcionados aos brasileiros com renda mensal de até dois salários mínimos.

De fato, segundo a pesquisa Genial/Quaest, 61% dos entrevistados que recebem até dois salários mínimos aprovam o trabalho do presidente, enquanto 36% o desaprovam. E entre os que recebem acima de cinco salários mínimos, 54% desaprovam o governo, e 44% aprovam.

É nessa conjuntura que Lula reconheceu, nas entrelinhas, que passou da hora de pregar para os não convertidos. Há um diagnóstico interno de que houve uma migração de segmentos, como mulheres e jovens, que estavam com Lula na campanha, mas agora veem a gestão como “regular”.

Um ministro não filiado ao PT avaliou, em conversa com a coluna, que o governo tem resultados positivos. Citou a menor taxa de desemprego em anos, o aumento do Produto Interno Bruto (PIB), a inflação sob controle, o recorde da balança comercial, os investimentos bilionários da indústria automobilística.

Entretanto, para esse auxiliar, o próprio governo gera “ruídos” que fazem obnublar a percepção dos brasileiros sobre a gestão lulista, e dão munição às redes bolsonaristas. “Erro de percepção tem a ver com estratégia de comunicação”, cobrou.

Para esse ministro, o governo, e o próprio Lula, têm de conter a geração de “ruídos”. Sustenta que Lula tem de resgatar a “frente ampla” da campanha que ajudou a elegê-lo, com o vice Geraldo Alckmin, ex-PSDB, como símbolo principal, encurralar o bolsonarismo para a extrema direita e afinar o discurso para “ocupar o centro”.

Esse auxiliar criticou “ruídos” que incendiaram o bolsonarismo, como a manifestação de Lula, em meados do ano passado, de que o conceito de democracia é “relativo”, ao tratar da Venezuela. Para esse ministro, uma declaração claramente voltada à bolha de esquerda.

Outro exemplo foi a declaração de que a ofensiva bélica de Israel sobre a população da faixa de Gaza, assassinando civis inocentes, inclusive crianças, compara-se à operação de Hitler contra os judeus. Esse auxiliar observou que Lula não usou a palavra “Holocausto”, mas deu azo à repercussão negativa, principalmente entre evangélicos. Nesse segmento, a reprovação ao governo subiu de 56% para 62%, segundo a pesquisa Quaest.

Para esse ministro, Lula age como se sua prioridade fosse “concorrer ao prêmio Nobel”, quando deveria ser ocupar o centro político no Brasil e tentar demonstrar à população, com mais eficácia, resultados alcançados até agora.

Esse ministro observou que a maioria da população demonstrou nas pesquisas preocupação com a escalada da violência e da corrupção. Ele pondera que existe uma “percepção” dos brasileiros de que a segurança pública anda mal, quando, na verdade, dados do Ministério da Justiça indicaram declínio das mortes violentas, decorrentes de homicídios e latrocínios.

Esse auxiliar ressalva que Lula não pode incorrer em discurso “demagógico” de gestores ligados ao bolsonarismo, como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao ser questionado sobre denúncia no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça), sobre a escalada da violência policial na Baixada Santista. “Pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que não tô nem aí”, retrucou.

Esse ministro apontou, todavia, acerto na fala de Lula de que o crime organizado hoje atua como uma “multinacional”. Sobre este tema, na reunião ministerial, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), observou que, se o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, tem de passar dias explicando a fuga de dois condenados da penitenciária de segurança máxima de Mossoró (RN), caberia ao governo, em contrapartida, divulgar, com mais frequência, as prisões de bandidos feitas pela Polícia Federal (PF).

Para além da comunicação, todavia, Lula tratou de problemas no plano real, e cobrou a ministra da Saúde, Nísia Trindade. O presidente viu erro na ampla divulgação de uma vacina contra a dengue sem que houvesse doses disponíveis para todos os brasileiros. E cobrou falhas na gestão de hospitais públicos, o que culminou na demissão de um secretário no fim do dia.

“O governo tem que ser o maestro da narrativa”, cobrou o ministro não petista. Mas também tem de admitir e resolver problemas no plano da realidade.

 

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