Folha de S. Paulo
Ex-presidente sinaliza que prefere manter
identidade autoritária do movimento a ceder espaço para direita tradicional
Indicação de filho mais velho mostra que
movimento bolsonarista resiste à absorção pelo centrão
Com a indicação de Flávio
Bolsonaro como seu candidato à
Presidência da República, Jair tenta soldar as rachaduras em seu
círculo familiar. Mais do que isso, tenta preservar a identidade autoritária e
populista de seu movimento, resistindo às tentativas de absorção pelo
centrão.
Desde o início de sua carreira política, Bolsonaro administra sua máquina política como uma empresa familiar. É fácil entender por quê: seus filhos nunca tiveram qualquer capital político independente do pai; se não o obedecerem, Jair os condenará ao ostracismo político e, pior, à necessidade de arrumar emprego.
Por contraste, Michelle
Bolsonaro tem algum capital político próprio.
Não sabemos se ele é grande o suficiente para
sustentá-la em voo solo. Não há qualquer sinal de que Michelle tenha posições
consistentes sobre qualquer problema brasileiro relevante. Mas ela é
articulada, ao contrário de Carlos. É carismática, ao contrário de Flávio. Não
está diretamente associada a uma tentativa de destruir a economia brasileira
com auxílio de superpotência estrangeira, como Eduardo. E não é tão ruim que só
conseguiu se eleger em Balneário Camboriú, como Jair Renan.
É exatamente isso que desqualifica Michelle
para liderar o campo bolsonarista. Só a total ausência de qualidades políticas
torna um parente de Bolsonaro leal o suficiente a seus olhos.
Flávio Bolsonaro satisfaz
perfeitamente essa exigência. Mas não se trata apenas disso.
Ao anunciar a candidatura de Flávio,
Bolsonaro indica que aceita perder a eleição, mas não aceita dissolver seu
movimento na direita tradicional. Seu capital político só será administrado por
quem o obedecer cegamente.
E suas ordens são claras: a prioridade é
eleger senadores suficientes para impichar ministros do STF, anistiar os
golpistas e ressuscitar a ofensiva autoritária sob a liderança não de Flávio,
mas do próprio Jair
Bolsonaro, já anistiado e miraculosamente livre dos problemas de
saúde que embasam seu pedido de prisão domiciliar.
Se esse objetivo for atingido, não importa se
o próximo presidente será Lula ou Tarcísio.
O anúncio da candidatura de Flávio põe em
xeque a estratégia que a direita tradicional adotou desde a derrota de 2022. Na
falta de uma terceira via eleitoralmente viável, pensaram os bonitões, a
alternativa seria moderar o bolsonarismo por dentro e usá-lo para seus próprios
fins.
O centrão até que se deu bem: desenvolveu uma
simbiose com o golpismo, usando a retórica anti-STF dos bolsonaristas para se
proteger de investigações de corrupção originadas no STF.
Já a Faria Lima criou em torno de Tarcísio de
Freitas um personagem liberal e tecnocrata que, graças a uma alquimia nunca
explicada, conseguiria assumir a liderança de um movimento eminentemente
populista e personalista.
A direita tradicional errou no pós-golpe.
Deveria ter se juntado aos esforços para quebrar o golpismo – inclusive seu
braço político, que as autoridades erraram em não investigar. Deveria ter se
reorganizado sem os golpistas, mesmo que demorasse mais do que um ciclo
eleitoral.
Agora corre o risco de perder a eleição do
mesmo jeito, e de começar a reconstrução com quatro anos de atraso. A Faria
Lima não entendeu o que a direita precisava. Quem entendeu foi Xandão.

Nenhum comentário:
Postar um comentário