Folha de S. Paulo
Mudanças no mecanismo refletem jogo em
torno de quem controla a agenda e o veto na interação entre os três Poderes
Em coluna há sete anos mencionei um
diálogo que havia tido com um ministro do Supremo sobre as chances do STF aprovar,
por iniciativa da Corte, a extinção do foro por prerrogativa de função de
parlamentares. Sua resposta: "Você está brincando? É baixa. Foro significa
poder e ninguém quer perder poder!".
O hiperprotagonismo do STF assenta-se em parte em
sua jurisdição criminal, uma decisão do constituinte de 1988. Mas sua
efetividade depende de regras infraconstitucionais que são função da estrutura
de incentivos com que os atores se defrontam.
Em 2018, grosso modo o STF confirma entendimento desde 1999 de que o foro era restrito ao mandato e à função. Este entendimento acaba de mudar. O STF decidiu que as ações continuam na Corte mesmo após o término do mandato.
Por que o STF aquiesceu em perder poder em
2018 mas recuperá-lo agora, algo que o fortalece institucionalmente?
A mudança institucional, na realidade, é um jogo de interação estratégica entre
o STF, o Legislativo, o Executivo e a opinião pública.
Choques nessa dinâmica em contexto democrático ocorrem quando a saliência do
tema na agenda política sofre mudanças em virtude de escândalos e
manifestações. Há duas dimensões essenciais: quem detém poder de iniciativa e
veto na interação entre os Poderes; e, quem se beneficia com a
restrição/ampliação do foro ao mandato e à função.
O status quo que prevaleceu de 3 abril de 1964 a 1999 era o foro
"perpétuo" (saiu do cargo, mantém-se o foro), o qual fortalece o STF.
Que a mudança em 1964 tenha ocorrido poucos dias após a tomada do poder pelos
militares sinaliza os objetivos perseguidos: expandir a jurisdição da Corte. A
mudança foi endógena, por interpretação em ambos os casos. Mas no período
democrático o equilíbrio se rompeu devido à opinião pública.
A mudança de 1999 foi deflagrada pelo caso Hildebrando
Paschoal. Eleito em 1998, logo veio à tona seu envolvimento em crimes
hediondos como o esquartejamento por motosserra de indivíduos antes de
matá-los. Sua cassação em 1999 tornou-se inevitável após CPI, onde seus crimes
foram expostos. Imediatamente foi proposta emenda constitucional cuja aprovação
levou três anos. Senado e Câmara divergiam: o primeiro rejeitava a dispensa de
licença prévia pela Casa de origem do parlamentar; o segundo aprovava contanto
que seu partido pudesse ter iniciativa de sustar o processo no Supremo por
maioria absoluta. Esta versão prevaleceu e foi convertida na EC 35/2001.
Até aquele momento o Congresso Nacional não havia concedido licença a
nenhum parlamentar. Na Câmara, de 42 pedidos do STF para processar deputados,
apenas 21 tinham sido analisados pela CCJ, e 18 negados. Os demais sequer
haviam sido apreciados pela CCJ. Os pedidos envolviam 31 deputados, dois deles
ocupando cargo de ministro de Estado. O ônus político da impunidade era
suportado pelo Legislativo, como aponta André Regis (UFPE).
A mudança alterou significativamente o equilíbrio do jogo dos três Poderes, no
sentido pró STF. O Legislativo reagiu restaurando o status quo mas não
prevaleceu. Em 2018, no entanto, o saldo líquido decorrente da existência do
foro tornou-se negativo para a Corte: o instituto passou a representar risco
institucional (a ser discutido em coluna específica).
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