O Estado de S. Paulo
A fragmentação no Brasil revelou-se mais eficaz contra líderes iliberais do que modelo dos EUA
Durante décadas, exaltamos as proezas da
democracia americana. O sistema institucional majoritário dos EUA —
presidencialista e bipartidário — era visto como um modelo a ser seguido.
Afinal, trata-se da democracia mais longeva e mais rica do mundo. Muitos ainda hoje atribuem a esse arranjo institucional o segredo do seu sucesso. A existência de um presidente, ainda que constitucionalmente limitado, amparado por uma maioria legislativa de seu partido, capaz de implementar sua agenda com poucas concessões. Soma-se a isso uma justiça ágil, eficaz e, em parte, escolhida diretamente pelos próprios eleitores.
Em contraste, sistemas presidencialistas
multipartidários como o brasileiro são frequentemente retratados como
disfuncionais e caóticos. A crítica recorrente apontava para a fragmentação
partidária, a ineficiência decisória, a instabilidade institucional e um
judiciário moroso e ineficaz — embora independente. Alguns, inclusive,
responsabilizavam o sistema político brasileiro pelo desempenho econômico
abaixo do esperado.
No entanto, a forma como Brasil e Estados
Unidos têm lidado com líderes de perfil abertamente iliberal desafia essa
interpretação tradicional. Ao observarmos as respostas institucionais diante
das ameaças representadas por Jair Bolsonaro e Donald Trump, temos
bons motivos para reconsiderar os méritos
do sistema político brasileiro.
O Brasil tem demonstrado notável
resistência democrática. Bolsonaro foi derrotado nas urnas, declarado
inelegível pela Justiça Eleitoral e agora virou réu na Justiça comum por suas
tentativas de subverter a ordem democrática. Já os Estados Unidos, apesar de
toda sua tradição institucional, foram incapazes de impor limites à candidatura
de Trump — mesmo após a invasão do Capitólio, diversas investigações em curso,
inclusive com uma condenação por júri.
Essa comparação revela uma ironia: o
sistema fragmentado brasileiro, tão criticado por sua suposta ineficiência, tem
se mostrado mais robusto na contenção de autocratas do que o sistema
majoritário e bipartidário americano. A concentração de poder — com apoio
legislativo e popular — em torno de Trump, ao invés de proteger a democracia,
parece ter fragilizado ainda mais os mecanismos de freios e contrapesos nos
EUA, haja vista as sucessivas ameaças que juízes federais americanos têm
recebido por restringir algumas de suas Ordens Executivas.
Talvez seja hora de reavaliarmos as
virtudes e os riscos de cada modelo. E, sobretudo, de reconhecer que, diante de
crises democráticas, a fragmentação pode ser uma salvaguarda — e não uma
ameaça.
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