segunda-feira, 31 de março de 2025

Supersalários, o teto caído e a proposta de dúplex - Bruno Carazza

Valor econômico

Discussões sobre supersalários no Judiciário não atacam o ponto principal

Há uma semana, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, criticou na Fiesp os supersalários do Poder Judiciário. Para ele, estamos vivendo “um quadro de verdadeira desordem”, em que tribunais abusam do princípio da autonomia orçamentária para inflar ilegalmente os salários dos magistrados.

Poucos dias antes, o corregedor nacional de Justiça autorizara pagamentos mensais de retroativos pleiteados pelo TJ-SE até o limite de R$ 46.366,20 acima do teto. Na prática, essa decisão, que deve se alastrar para todo o país, institui um “teto dúplex” no Poder Judiciário - um limitando os vencimentos básicos da categoria, enquanto um valor equivalente será autorizado para o pagamento mensal de verbas “indenizatórias” e retroativos.

Assim como Gilmar Mendes, alguns magistrados e membros do Ministério Público reconhecem que os penduricalhos são uma distorção, mas argumentam que eles são necessários para contornar a defasagem do teto e a pouca distância entre os salários de entrada e do topo da carreira.

De fato, o valor do teto não tem acompanhado a inflação nos últimos anos. No gráfico, a linha azul representa a remuneração dos ministros do Supremo, que a Constituição elegeu para ser o limite máximo para pagamentos de servidores. Vê-se que ela vem sofrendo reajustes ao longo do tempo, porém o valor atual (R$ 46.366,20) está 25,7% abaixo do patamar de junho de 1998 (R$ 62.460,29) e 33% aquém do verificado em janeiro de 2006 (R$ 69.215,02) - a linha laranja representa o valor do teto de cada período em dinheiro de hoje, reajustado pelo IPCA.

O “festival” de pagamentos no Poder Judiciário (a expressão é do próprio Gilmar Mendes) pode ser comprovado pela comparação entre o valor médio do subsídio dos magistrados (representados pela linha verde do gráfico) com a remuneração líquida recebida (linha vermelha), que leva em conta todos os penduricalhos (auxílios, gratificações, vendas de férias, licenças compensatórias, etc) e também as deduções de impostos, previdência social e outros descontos.

Como pode ser visto, em meados de 2020, plena pandemia, começa um movimento de forte ascensão do valor líquido auferido pelos magistrados. Em 2022 os magistrados passam a ter depositadas em suas contas importâncias maiores do que o vencimento dos ministros do Supremo.

Ao longo de 2023 e 2024 esse valor dispara, sendo que atualmente, em média, um juiz recebe, já deduzidos os impostos e a contribuição previdenciária, mais de R$ 65.500,00 ao mês - 40% acima do que o teto do funcionalismo.

Vê-se, portanto, que Gilmar Mendes está correto em destacar que os contracheques no Poder Judiciário (e no Ministério Público) estão sendo impulsionados de forma inconstitucional, com conivência do CNJ e, em última instância, do próprio STF do qual faz parte.

No entanto, as soluções que vêm sendo propostas - aprovar uma lei regulando os penduricalhos (como o PL 2721/2021) ou limitar seus pagamentos mensais (como quer o CNJ) - não vão pôr fim aos supersalários

A magistratura e o Ministério Público brasileiro carecem de um plano de carreira único, com valores de entrada mais baixos e aumentos graduais sujeitos a avaliação de desempenho até o fim da carreira, sem penduricalhos. E a remuneração do topo deve ser necessariamente inferior ao subsídio dos ministros do STF, até mesmo por questão de hierarquia.

Em complemento, deve-se revogar o dispositivo da Constituição que permite o pagamento de verbas indenizatórias além do teto e vedar o CNJ e o CNMP de disporem sobre vencimentos das suas respectivas carreiras - os dois canais para a criação dos penduricalhos que furam o teto atualmente.

Por fim, como o ministro Gilmar Mendes sugeriu, é preciso disciplinar o princípio da autonomia orçamentária, submetendo os poderes Legislativo e Judiciário às mesmas exigências de disciplina fiscal do Poder Executivo. Caso isso venha a ocorrer, podemos até negociar um reajuste do teto.

Nenhum comentário: