terça-feira, 14 de outubro de 2025

Indústria tende a fazer mais gols contra, por Pedro Cafardo

Valor Econômico

Contrariar princípios liberais é socialmente vergonhoso, algo como negar a lei da gravidade ou defender o terraplanismo

Industriais brasileiros parecem inclinados a continuar atuando contra seus próprios interesses.

Vejamos a razão dessa frase inicial. Em maio do ano passado, um texto com o título “A indústria fez gols contra por três décadas” saiu neste espaço. Era o resumo de um trabalho acadêmico, depois transformado em livro, do pesquisador, economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia da São Paulo (Corecon-SP), Haroldo da Silva.

Há muitos trabalhos importantes sobre a desindustrialização brasileira, mas esse revelou uma compreensão sociológica do problema, além da econômica.

A pesquisa do professor Haroldo partiu de uma questão que o intrigava: por que o processo de desindustrialização no país foi tão intenso nos últimos 30 anos se nesse período houve uma atuação eficiente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na área legislativa?

De fato, o trabalho de “advocacy” da CNI, legítimo, foi amplo e bem-sucedido no Congresso. De 1996 a 2021, conseguiu incluir 3.165 projetos teoricamente em benefício do setor industrial na pauta legislativa. Afinal, por que, então, a indústria definhou nesse período?

Haroldo investigou a questão durante quatro anos e, no fim de 2023, apresentou sua tese de doutorado com a seguinte conclusão: a atuação da CNI, cujas propostas tiveram alto índice de sucesso no Congresso, acabou contrariando seus próprios interesses. Mas por quê?

A resposta do trabalho acadêmico pode ser resumida em cinco palavras: “agenda liberal elevada ao paroxismo”, a ponto de os próprios industriais trabalharem para prejudicar seus negócios. Sua atuação reduziu incentivos produtivos, fortaleceu a abertura comercial ampla e incentivou o rentismo. Na prática, a indústria sucumbiu à dominação do setor financeiro, sem questionar o pensamento neoliberal globalmente dominante, advindo do “Consenso de Washington” (1989). Contrariar esses princípios (quase dogmas) era socialmente vergonhoso, algo como negar a lei da gravidade ou defender o terraplanismo.

Segundo Haroldo, a dominação vinha travestida de “cantilenas” como “reformas, reformas, infinitas reformas”, austeridade fiscal, privatizações, redução do tamanho do Estado, flexibilização das leis trabalhistas, abertura econômica e juros elevados”.

Essa agenda, segundo Haroldo, irrestrita e ideologicamente cega, teria sido um importante elemento sociológico no processo de desindustrialização brasileira.

Voltemos então à frase inicial, sobre a inclinação industrial de atuar contra os próprios interesses. Semanas atrás, ao anunciar seu plano de trabalho na Fiesp, o presidente eleito da entidade, Paulo Skaf, que tomará posse em janeiro, revelou os nomes dos membros indicados para o Conselho Superior de Economia da entidade. E avisou: “A visão da Fiesp, a minha própria e de todos esses [conselheiros] é uma visão liberal. É natural, nós não podemos esconder”.

Não se podem esperar, portanto, vindas da Fiesp, apesar de bem-intencionadas, vozes um pouco menos liberais de líderes do setor produtivo, como a de um Antônio Ermírio de Moraes (1928/2014), que certa vez chamou os juros brasileiros de “pornográficos”, expressão repetida pelo atual presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva. Hoje, até mesmo no governo petista a narrativa sobre a necessidade da manutenção de uma taxa de 15% ao ano é dominante, embora ela seja um desastre para a indústria e custe R$ 1 trilhão por ano ao governo. Contrariá-la ou criticá-la são atitudes consideradas desprezíveis.

Para presidir os liberais do conselho da Fiesp, foi indicado o ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto. Dois ex-ministros de Jair Bolsonaro também receberam convites: Sergio Moro e Tereza Cristina. Campos é um legítimo representante do setor financeiro - hoje trabalha para o Nubank -, mas o instinto da nova direção da Fiesp parece indicar que ele deverá atuar a favor da indústria.

Após aceitar o convite de Skaf, Campos Neto sugeriu que será preciso “encontrar soluções privadas para problemas públicos” e defendeu uma “grande reforma fiscal do lado dos gastos” do governo.

As propostas de Campos Neto são neoliberais e, vale lembrar, contrariam frontalmente as de Roberto Simonsen (1889-1948), o mais importante pensador brasileiro do setor industrial, que presidiu a Fiesp e a CNI. Simonsen propunha uma industrialização sob liderança do Estado a partir de uma planificação de nova estrutura econômica.

Campos Neto disse que medidas duras e impopulares são necessárias: “Só entraremos em um ciclo de crescimento sustentável com sacrifício; é importante o setor produtivo estar aberto a esse debate”.

Ele não disse de quem seria o sacrifício, mas as dores das medidas duras que propõe certamente atingiriam menos o setor financeiro e mais a indústria e seus trabalhadores. Daí os gols contra.

 

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