Folha de S. Paulo
Tudo ainda pode dar errado, mas o que se
conseguiu até agora já é uma vitória
Mesmo com um caminho para a paz, os
extremismos de ambos os lados seguirão tentando sabotá-lo
Faço minhas as palavras do presidente Lula:
o acordo Israel - Hamas é
"um começo muito promissor." Tudo ainda pode dar errado. Mas o que se
conseguiu na segunda (13) já é uma vitória. E uma vitória de Trump.
O maior motivo para esperança foi a soltura de todos os reféns vivos que ainda estavam sob o poder do Hamas. Com este ato, o Hamas mostrou uma disposição real de dar fim ao conflito, abrindo mão da sua última cartada. Isso já cria uma situação diferente da que vigorou depois do cessar-fogo fracassado de janeiro, em que a devolução dos reféns seria feita de forma gradual. A devolução integral e imediata muda o tabuleiro.
Mesmo que tudo vá por água abaixo, um dos
principais objetivos de Israel foi atingido, e os palestinos também podem
respirar aliviados com a volta de milhares de presos, muitos dos quais jamais
foram condenados por crime algum.
Os próximos passos são incertos: retirada
gradual da presença militar israelense, desarmamento do Hamas, força de
estabilização internacional, reforma da Autoridade Palestina visando os dois
Estados. Nenhuma dessas ideias é nova; nova foi a conjuntura que obrigou os
dois lados a negociar.
A extrema direita israelense teve que engolir
o fim da pretensão de anexar Gaza e expulsar ou matar a população palestina,
além de garantir uma anistia a ex-membros do Hamas. E o Hamas teve que aceitar
entregar todos os reféns e se desarmar.
Para o governo Netanyahu, ficou claro que uma
linha foi cruzada no ataque ao Qatar, aliado dos EUA, e que a ameaça de Trump
de retirar o apoio de que Israel depende é real. Para o Hamas, a pressão é a
ameaça da continuidade da guerra brutal de destruição. Israel poderia
perfeitamente ir até o fim na anexação de Gaza, e Trump apoiaria caso seja o
Hamas a negar um acordo. Ambos só seguirão no bom propósito se mantidos sob
pressão.
Em meio a tantas incertezas, ao menos uma lição ficou clara: a escolha pelo terrorismo foi um gigantesco erro estratégico. Gaza nunca chegou tão perto da destruição total quanto na esteira dos ataques de 7 de outubro de 2023. Os palestinos têm motivos para a indignação e para lutar contra as injustiças que sofrem enquanto um povo sem Estado e sem cidadania, mas a opção pelo terrorismo apenas piora sua condição.
O Irã, o principal inimigo de Israel, está
muito mais fraco. Antes de 7 de outubro, ele contava com: programa nuclear em
andamento; governo aliado na Síria; grupos paramilitares alinhados a ele no
Líbano (Hezbollah), em Gaza (Hamas) e no Iêmen (Houthis). Agora, o Hamas está
em vias de entregar suas armas, o Hezbollah está severamente debilitado; o
regime sírio caiu, altos oficiais iranianos foram mortos e o programa nuclear
do país sofreu um duro retrocesso.
Na opinião pública internacional, foi Israel
quem mais perdeu ao manter uma guerra tão desigual. Aumentou o número de países
que reconhece oficialmente a Palestina. E tanto dentro de Israel quanto da
Palestina, diminuiu o número de pessoas que acham que a convivência é possível.
O espectro dos acordos de Oslo paira sobre
este cessar-fogo. Mesmo com um caminho razoável para a paz, os extremismos de
ambos os lados seguirão tentando sabotá-lo. Ao ver reféns voltando pra suas
famílias e a população de Gaza voltando para suas ex-casas, já pensando na
reconstrução, é impossível não sentir esperança.
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