O Globo
As cenas do reencontro das famílias após o
acordo no Oriente Médio geram alívio, mas o futuro da região segue indefinido
Os abraços entre israelenses que chegavam de volta de um doloroso e longo sequestro e a festa palestina ao receber milhares de prisioneiros libertados foram cenas que, por um tempo breve, mas bom, deram às pessoas ontem a sensação de alívio. Foi também impressionante ver reunidos por algumas horas líderes do Oriente Médio e da Europa a chamado do presidente Donald Trump, para celebrar o acordo de paz, mesmo que tenha sido na ausência das duas partes. Hamas não foi convidado, e Benjamin Netanyahu não compareceu. O acordo produziu ontem seus primeiros frutos. Haverá outros? O embaixador Rubens Ricupero definiu a situação como “instável, ainda precária, mas um resultado encorajador, para um dos problemas mais ameaçadores que tínhamos”.
Ricupero avalia que as características de
Trump de ser assim tão “fora da curva” o levaram até o ponto de ontem.
— Foi uma evolução extremamente importante,
e, devo dizer, até surpreendente. Trump é uma personalidade contraditória,
apesar de muita violência retórica e dentro da tradição intervencionista
americana, tem interesse em ser o ‘pacificador’. Na Ucrânia, ele se empenhou,
mas acabou desistindo, por enquanto, por não ver possibilidade de sucesso com
Putin. Como é uma pessoa fora da curva, empenhou-se no caso de Gaza mais do que
outros que não se arriscariam ao desgaste.
O problema começa agora. Dos 21 pontos do
acordo, negociado com a ajuda do Egito, Catar e Turquia, um ponto diz
“desarmamento do Hamas conforme plano estabelecido”. Não há plano, é apenas um
propósito, lembra Ricupero. E todos os outros itens de difícil execução, como o
de estabelecer alguma governança sem os palestinos numa área em destroços. O
melhor cenário é de que seja realmente o começo da paz. Ainda assim o que
ficará desta guerra, que se seguiu ao ataque terrorista de Hamas a Israel, é
a Faixa
de Gaza em destroços e as histórias dilacerantes das crianças mortas.
Vinte mil crianças mortas. Crianças órfãs. Milhares. Noventa e dois por cento
das habitações destruídas.
— A próxima etapa é muito difícil. Não vejo
de que maneira um grupo como Hamas se autodesarmar, e não vejo quem pode
desarmá-lo. Há outros grupos adversários do Hamas também armados, como a Jihad
Islâmica — diz Ricupero.
Muito a aguardar dos desdobramentos deste
momento no Oriente Médio, muito a esperar até que aconteça a única situação
estável, já estabelecida pela ONU, há oito décadas, a solução dos dois estados.
A virulência da resposta de Israel à agressão que sofreu teve efeitos fortes.
Houve ampliação do apoio internacional, da opinião pública e de governos à
causa palestina, e reduziu o apoio a Israel nos Estados Unidos em pessoas de
todas as idades, principalmente entre os jovens.
O futuro do primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu? Ele não compareceu ontem à cerimônia organizada por Trump, alegando
o feriado religioso. Continua contestado em Israel e está agora numa situação
complexa.
— É difícil para ele romper essa situação de
paz, porque o próprio movimento, o cenário que Trump organizou uma cerimônia
impressionante com líderes do Oriente Médio e da Europa tem um efeito inibidor.
A cena na ONU mostrou como ele está isolado. Imagina agora se Israel retoma
unilateralmente a ofensiva?
Trump celebrou uma paz cheia de
condicionantes e dúvidas. Justamente no fim de semana que voltou a incendiar a
guerra tarifária que ele próprio havia começado. Desta vez, ameaçando a China
com uma alíquota de 100%.
Em outra frente, o Brasil está abrigando
ontem e hoje a reunião pré-COP. A luta aqui foi para evitar que a saída dos
Estados Unidos de Trump do Acordo de Paris levasse ao fracasso prévio da
reunião. Ricupero acha que teve sucesso até agora.
— Penso que o Brasil conseguiu algo que
parecia duvidoso meses atrás, que foi evitar que a ausência dos Estados Unidos
causasse um sentimento de esvaziamento da Conferência. Esse perigo existia, mas
foi superado porque o presidente da COP, André Corrêa do Lago, tem feito um
trabalho admirável. Eu não subestimo, contudo, as dificuldades.
O mundo continua ameaçado por muitos perigos.
Alguns provocados por Donald Trump, outros agravados por ele, mas ontem houve
um momento de alívio. Esta noite de um lado e de outro desse conflito
intratável pessoas comemoraram com suas famílias a volta para casa. Mesmo que
seja uma casa em destroços.
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