segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Entrevista: Frei Chico


Luiz Carlos Azedo

Da equipe do Correio Braziliense


“Banditismo e assassinato”


Sindicalista não fala em revisão da Lei da Anistia, mas diz que torturador não pode se beneficiar dela

Irmão do presidente Lula demonstra insatisfação com a legislação. “No Brasil, a gente tem mania de fazer acordo para agradar a todo mundo.”

Como você ficou sabendo da morte de Manoel Fiel Filho?

Fiquei sabendo pelos jornais. Na nossa cabeça, a repressão tinha diminuído em virtude da pressão que houve por causa da morte do (jornalista Vladimir) Herzog. Mas aí, morre mais um operário. Foi complicado.

Quando começaram as prisões no ABC?

Começaram logo após o golpe militar de 1964. Os companheiros iam para as assembléias nos sindicatos. Havia muita provocação. Ligada à Igreja Católica, a Ação Popular era muito radical. Aí não dava outra, o pessoal se expunha muito. Os companheiros da Ação Popular também foram presos, principalmente em Diadema. Nos anos 70, alguns desapareceram.

O presidente Lula era ligado ao Paulo Vidal (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo na época)?

Não. O Lula entrou no sindicato no esquema do Afonso Monteiro da Cruz, um companheiro que tinha simpatia pelo partido e era muito ligado à Igreja. Cara muito honesto, muito sincero. O Lula foi convencido a entrar no sindicato por um grupo do qual Vidal fazia parte, mas o Lula nunca teve ligação política com ele. Vidal não tinha posição política, ele era “eu mais eu”.

A afinidade política de Lula era com você?

Não. O Lula nunca aceitou ser comunista, se ligou ao pessoal da Igreja Católica. Tinha admiração pela esquerda, mas nunca participou.

Pensava pela cabeça dele?

Diria que pelas informações que tinha. O Lula lia muito. Na hora que aceitou entrar no sindicato, e não foi fácil ele entrar, teve a primeira tragédia da vida dele, que foi a morte da mulher e do filho que ia nascer. Daí pra frente, cuidou muito da própria formação como líder sindical. Lia tudo que aparecia e se informava muito bem sobre o que pretendia fazer. Era uma característica dele. Até a minha prisão, por exemplo, ele não acreditava muito que havia aquela repressão. A morte do Manoel Fiel Filho foi outra tragédia para ele. A partir dali, ele passou a ter uma visão melhor da situação.

Como foi a sua prisão?

Eu não fui preso, fui seqüestrado. Era vice-presidente do Sindicato de São Caetano do Sul. Tomei posse na segunda, no sábado fui seqüestrado. Ninguém sabia onde eu estava. O Lula estava no Japão. Quando ele chegou, foi procurar a gente. Era outubro de 1975. Sofremos uma repressão muito violenta. O PCB foi desmantelado porque tinha sido um grande articulador da vitória do MDB nas eleições de 1974, e órgãos de repressão já tinham liqüidado a luta armada. Precisavam fazer alguma coisa. Isso também virou uma fonte de renda para algumas pessoas dessa área, de sobrevivência até.

A morte do Manoel Fiel Filho politizou o movimento sindical do ABC?

A morte dele nos levou a entender que a repressão continuava. Mas houve a queda do general (Ednardo D’Ávila Melo). A morte dele foi o estopim para dar uma maneirada total na repressão. Para mim, foi a grande salvação. Para os caras, também. O regime militar não podia continuar daquela maneira. A morte do Fiel Filho foi um erro dos torturadores, um exagero daqueles caras. Eles eram sarcásticos, torturavam por prazer.

Você foi torturado?

Muito, mas muita gente foi mais do que eu. Entrou no DOI-CODI, não saía ileso. Tinha um pessoal que se revezava diariamente, era gente pronta para torturar. Eram preparados, bem treinados, sabiam o que queriam. Eles faziam por prazer. O que faziam era tentar desmoralizar o ser humano. Quando o preso chegava ao lugar, já tiravam a roupa. Se tinha mulher, ficavam em frente à mulher. Torturavam juntos, a mulher e o homem, faziam um torturar o outro.

Há uma grande polêmica sobre a anistia para os torturadores. Qual é a sua opinião sobre isso?

Quem rasgou a Constituição não foram os opositores, foram eles. Eles rasgaram as leis e acham que somos bandidos. O que eles fizeram naquele momento, não só aqui como em toda a América Latina, foi uma barbaridade. Não são dignos de estarem impunes. Do meu ponto de vista, não deveria haver anistia para essa gente. Você pode ter anistia no confronto político, num confronto de guerra, mas não era o caso. O elemento já estava detido pelo Estado, totalmente imobilizado. Isso é banditismo, assassinato. Mas houve um acordão na Anistia. No Brasil, a gente tem mania de fazer acordo para agradar a todo mundo.

Deve haver uma revisão da Lei da Anistia?

Não diria uma revisão, mas pelo menos um acerto, mostrando que o torturador não pode ser beneficiado pela Lei da Anistia.

Isso não é revanchismo?

Não. Eles romperam com as leis vigentes, isso é reconhecido internacionalmente.

Memória


O último “suicídio”O alagoano Manoel Fiel Filho foi um dos milhares de nordestinos que buscaram uma vida melhor durante o chamado “milagre brasileiro”, na década de 1970, nas metalúrgicas paulistas. Morreu no dia 17 de janeiro de 1976, pouco depois de completar 49 anos, na Rua Tutóia, em São Paulo, onde funcionava o centro de torturas do 2º Exército. Fora preso na véspera, por volta do meio-dia, na fábrica onde trabalhava, a Metal Arte, por dois agentes do DOI-CODI/SP, que se diziam funcionários da prefeitura, sob a acusação de pertencer ao PCB. A versão oficial do Exército era de que Manoel havia se enforcado em sua cela com as próprias meias, naquele mesmo dia 17, por volta das 13h. O corpo apresentava sinais evidentes de torturas, em especial hematomas na testa, pulsos e pescoço. A entrega de corpo à família só foi realizada com a condição de que os parentes o sepultassem o mais rapidamente possível e não falassem nada sobre sua morte. No domingo, dia 18, às 8h, foi sepultado no Cemitério da IV Parada, em São Paulo. O exame necroscópico assinado pelos médicos legistas José Antônio de Melo e José Henrique da Fonseca confirmava a versão oficial de que teria ocorrido suicídio.


Apesar disso, a reação do então presidente Ernesto Geisel, que mantinha uma queda-de-braço com o ministro do Exército, general Sílvio Frota, foi demitir o comandante do 2º Exército, general Ednardo d\"Ávila Melo, três dias após a divulgação da morte do operário. O afastamento do general foi um recado aos quartéis de que havia chegado a hora de parar com torturas e assassinatos de oposicionistas. Nos arquivos do antigo DOPS/SP, hoje um museu, consta que o crime atribuído a Fiel Filho era receber o jornal Voz Operária. (LCA)

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