Giuseppe Vacca
Novembro 2008
Fonte: Gramsci e o Brasil
Novembro 2008
Fonte: Gramsci e o Brasil
Tradução: Josimar Teixeira
Jornais de todo o mundo trouxeram nestes últimos dias a declaração de uma importante autoridade da Cúria vaticana, o bispo Luigi De Magistris, sobre a “conversão” de Antonio Gramsci às vésperas da morte, ocorrida em 27 de abril de 1937, na clínica Quisisana, em Roma. De Magistris diz apoiar-se em supostas revelações das freiras que então trabalhavam naquela clínica, revelações que, de resto, têm reaparecido periodicamente, sem nenhuma comprovação documental.
O fato em si é irrelevante, mas, como toda instrumentalização, mesmo de sabor folclórico ou arcaico, provoca algum interesse e comentário. Não é a primeira vez que setores mais tradicionalistas da Cúria lançam bizarras elucubrações sobre grandes personagens da cultura pretensamente convertidos no leito de morte: foi o que ocorreu, ironicamente, até mesmo com Benedetto Croce, ilustre pensador laico e liberal, também fortemente relacionado, como sabemos, ao mundo político e intelectual do próprio Gramsci. É difícil imaginar de que modo elucubrações desse tipo contribuem para uma percepção mais adequada, inclusive por parte dos não crentes, do insuprimível acervo de fins e valores que toda visão religiosa do mundo traz consigo, enriquecendo de modo único a experiência de todos os homens e mulheres.
Transcrevemos abaixo uma entrevista com Giuseppe Vacca, presidente da Fundação Instituto Gramsci, feita por Matteo Sacchi e publicada no último 26 de novembro em Il Giornale, porta-voz da direita italiana e ligado diretamente a Silvio Berlusconi.
Na verdade, nesta entrevista o mais importante são as informações relativas a novas cartas descobertas em Moscou, junto à família Schucht. Expressão destas descobertas é o recente lançamento na Itália do livro de Antonio Gramsci Jr., La Russia di mio nono [A Rússia de meu avô], de que aqui já demos notícia (Nota de Josimar Teixeira).
Professor Vacca, o que pensa das declarações do bispo Luigi De Magistris?
A plausibilidade destas declarações ainda deve ser inteiramente avaliada. Segundo a documentação conhecida, não há nada que nos fale desta conversão.
Quais são os documentos de que dispomos?
Uma carta muito detalhada da cunhada de Gramsci, Tatiana, dirigida a Piero Sraffa em Cambridge. E que não diz nada sobre isso. Além disso, há uma outra carta, sempre de Tatiana a Giulia Schucht [a mulher de Gramsci], inédita e que há pouco recebemos da família [em Moscou]. E também aqui não há menção à conversão. O mesmo se deve dizer para todos os outros documentos, inclusive relatórios da polícia...
E as relações de Gramsci com a espiritualidade?
Não, esta pergunta assim colocada não tem sentido... É inútil falar de antes, buscar em Gramsci um espiritual oculto que antecipe alguma coisa. Não é um discurso que faça sentido. É preciso que Monsenhor Luigi De Magistris mostre as provas históricas das suas afirmações. Discorrer sobre espiritualidade “antes” só serviria para criar um fumus de conversão, e não me presto a isso.
Mas na imensa obra de Gramsci quais são os trechos em que se reflete sobre a religião?
A reflexão sobre a religião está presente em toda parte, uma página sim, outra não dos Cadernos. Basta ir na biblioteca e pegar os Cadernos ou as Cartas. Mas este é um fato óbvio e nada tem a ver com o caso. Um grande pensador que reflita sobre a política deve obrigatoriamente ocupar-se de religião, é óbvio.
Mas nada que antecipe uma conversão?
Era absolutamente laico. Mas, para resumir, não tem sentido olhar para “antes”, se não temos a prova de uma conversão. Se houvesse prova, poder-se-ia pensar no “antes”. Mas até este momento... Sou um não crente que leva a sério a teologia católica. Se encontrou a graça na hora da morte... O antes conta pouco. Mas, se estamos falando do testemunho tardio de uma irmã de caridade, já refutado por Paolo Spriano no seu livro de 1977 [Gramsci in carcere e il partito], não há muito o que dizer. Se houvesse novidade, então seria um fato de grande interesse e teria sentido fazer uma longuíssima discussão sobre “antes”, reler tudo.
Neste caso, seria preciso uma releitura?
Sim, mas são necessários documentos, coisas verificáveis do ponto de vista histórico. Mas, repito, até aqui não há traço disso. Existem provas? Dêem-nas, estaríamos interessadíssimos. Senão, Gramsci continua a ser o de antes, o filósofo projetado para a política e a ação que pensa e fala de religião e da Igreja nesta ótica.
E quanto a Gramsci e à espiritualidade?
Você insiste? Não tem nada a ver com a questão, e seria tema para uma conferência de duas horas. Se lhe interessar, aconselho a biblioteca...
Jornais de todo o mundo trouxeram nestes últimos dias a declaração de uma importante autoridade da Cúria vaticana, o bispo Luigi De Magistris, sobre a “conversão” de Antonio Gramsci às vésperas da morte, ocorrida em 27 de abril de 1937, na clínica Quisisana, em Roma. De Magistris diz apoiar-se em supostas revelações das freiras que então trabalhavam naquela clínica, revelações que, de resto, têm reaparecido periodicamente, sem nenhuma comprovação documental.
O fato em si é irrelevante, mas, como toda instrumentalização, mesmo de sabor folclórico ou arcaico, provoca algum interesse e comentário. Não é a primeira vez que setores mais tradicionalistas da Cúria lançam bizarras elucubrações sobre grandes personagens da cultura pretensamente convertidos no leito de morte: foi o que ocorreu, ironicamente, até mesmo com Benedetto Croce, ilustre pensador laico e liberal, também fortemente relacionado, como sabemos, ao mundo político e intelectual do próprio Gramsci. É difícil imaginar de que modo elucubrações desse tipo contribuem para uma percepção mais adequada, inclusive por parte dos não crentes, do insuprimível acervo de fins e valores que toda visão religiosa do mundo traz consigo, enriquecendo de modo único a experiência de todos os homens e mulheres.
Transcrevemos abaixo uma entrevista com Giuseppe Vacca, presidente da Fundação Instituto Gramsci, feita por Matteo Sacchi e publicada no último 26 de novembro em Il Giornale, porta-voz da direita italiana e ligado diretamente a Silvio Berlusconi.
Na verdade, nesta entrevista o mais importante são as informações relativas a novas cartas descobertas em Moscou, junto à família Schucht. Expressão destas descobertas é o recente lançamento na Itália do livro de Antonio Gramsci Jr., La Russia di mio nono [A Rússia de meu avô], de que aqui já demos notícia (Nota de Josimar Teixeira).
Professor Vacca, o que pensa das declarações do bispo Luigi De Magistris?
A plausibilidade destas declarações ainda deve ser inteiramente avaliada. Segundo a documentação conhecida, não há nada que nos fale desta conversão.
Quais são os documentos de que dispomos?
Uma carta muito detalhada da cunhada de Gramsci, Tatiana, dirigida a Piero Sraffa em Cambridge. E que não diz nada sobre isso. Além disso, há uma outra carta, sempre de Tatiana a Giulia Schucht [a mulher de Gramsci], inédita e que há pouco recebemos da família [em Moscou]. E também aqui não há menção à conversão. O mesmo se deve dizer para todos os outros documentos, inclusive relatórios da polícia...
E as relações de Gramsci com a espiritualidade?
Não, esta pergunta assim colocada não tem sentido... É inútil falar de antes, buscar em Gramsci um espiritual oculto que antecipe alguma coisa. Não é um discurso que faça sentido. É preciso que Monsenhor Luigi De Magistris mostre as provas históricas das suas afirmações. Discorrer sobre espiritualidade “antes” só serviria para criar um fumus de conversão, e não me presto a isso.
Mas na imensa obra de Gramsci quais são os trechos em que se reflete sobre a religião?
A reflexão sobre a religião está presente em toda parte, uma página sim, outra não dos Cadernos. Basta ir na biblioteca e pegar os Cadernos ou as Cartas. Mas este é um fato óbvio e nada tem a ver com o caso. Um grande pensador que reflita sobre a política deve obrigatoriamente ocupar-se de religião, é óbvio.
Mas nada que antecipe uma conversão?
Era absolutamente laico. Mas, para resumir, não tem sentido olhar para “antes”, se não temos a prova de uma conversão. Se houvesse prova, poder-se-ia pensar no “antes”. Mas até este momento... Sou um não crente que leva a sério a teologia católica. Se encontrou a graça na hora da morte... O antes conta pouco. Mas, se estamos falando do testemunho tardio de uma irmã de caridade, já refutado por Paolo Spriano no seu livro de 1977 [Gramsci in carcere e il partito], não há muito o que dizer. Se houvesse novidade, então seria um fato de grande interesse e teria sentido fazer uma longuíssima discussão sobre “antes”, reler tudo.
Neste caso, seria preciso uma releitura?
Sim, mas são necessários documentos, coisas verificáveis do ponto de vista histórico. Mas, repito, até aqui não há traço disso. Existem provas? Dêem-nas, estaríamos interessadíssimos. Senão, Gramsci continua a ser o de antes, o filósofo projetado para a política e a ação que pensa e fala de religião e da Igreja nesta ótica.
E quanto a Gramsci e à espiritualidade?
Você insiste? Não tem nada a ver com a questão, e seria tema para uma conferência de duas horas. Se lhe interessar, aconselho a biblioteca...
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