Luiz Carlos Azedo
Da equipe do Correio Brazilense
ANOS DE CHUMBO
ANOS DE CHUMBO
Para Frei Chico, a anistia é válida em caso de confronto político, mas não quando há crime contra um cidadão detido pelo Estado
Irmão mais low profile do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o sindicalista José Ferreira da Silva, o Frei Chico, gravou na quarta-feira passada, em Brasília, um longo depoimento sobre a morte do operário Manoel Fiel Filho, assassinado em 17 de janeiro de 1976 nas dependências do 2º Exército. Personagem do documentário Perdão, Mr. Fiel, do jornalista Jorge Oliveira, Frei Chico relata as prisões de metalúrgicos e sindicalistas do ABC durante a onda de repressão aos militantes do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1975.
No depoimento, ao qual o Correio teve acesso, Frei Chico conta como foi a onda de prisões, denuncia a ação coordenada dos órgãos de segurança dos regimes militares da América do Sul com o apoio do governo dos Estados Unidos e defende a punição dos torturadores. “Não são dignos de estarem impunes. Do meu ponto de vista, não deveria haver anistia para essa gente. Você pode ter anistia no confronto político, num confronto de guerra, mas não era o caso. O elemento já estava detido pelo Estado, totalmente imobilizado. Isso é banditismo, assassinato.”
Frei Chico gravou para o documentário sobre a vida e a morte de Manoel Fiel Filho antes de uma visita ao irmão presidente da República, na quinta-feira à tarde. Depois, falou ao Correio. “Não quero dar entrevistas só porque sou irmão do presidente. Você não tem idéia do assédio que a gente sofre, toda hora alguém vem pedir alguma coisa, fazer uma proposta, é um inferno”, reclama. “Já pensei até em andar com um gravador por causa disso. Quando a gente menos espera, vem um antigo conhecido com uma proposta maluca.”
Sindicalista, ex-integrante do Comitê Central do PCB, um dos responsáveis pela entrada de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Frei Chico reconhece que nunca exerceu influência política sobre ele. Com Lula na Presidência, sua grande preocupação é com os demais irmãos. “O que fizeram na casa do Vavá foi um absurdo”, protesta, a propósito de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal na casa de Genival Inácio da Silva, um dos irmãos de Lula, por suposto envolvimento com lobistas.
Operação conjunta
No documentário, são entrevistados ainda os “brasilianistas” John Green e Jordan Yong, os ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, o metalúrgico Antônio Flores, cujo codinome era Fiori e com o qual Fiel Filho foi confundido, e o jornalista Paulo Markun, preso juntamente com Vlamidir Herzog, jornalista morto no DOI-CODI. Também é entrevistado Juan Pablo, filho do general chileno Orlando Letelier, assassinado em Washington por agentes da Dina, a polícia política do regime de Pinochet. “O objetivo do filme é mostrar que o assassinato de Manoel Fiel Filho, um simples operário, foi parte de uma grande operação de repressão coordenada pelo governo dos Estados Unidos e que envolveu todos os regimes militares”, explica Oliveira.
Por isso, o título do documentário é uma frase de Yong, ao falar sobre a atitude que o governo dos Estados Unidos deveria tomar em relação ao seu envolvimento com a repressão política no Brasil. A viúva de Manoel Fiel Filho, Teresa, peça fundamental na reconstituição dos principais momentos da vida do operário, relata o que aconteceu no dia de sua morte. No sábado, às 22h, um desconhecido, dirigindo um Dodge Dart, parou em frente à sua casa e, diante dela, duas filhas e alguns parentes, disse secamente: “O Manoel suicidou-se. Aqui estão suas roupas”. Em seguida, jogou na calçada um saco de lixo azul com as roupas do operário morto. Teresa, então, começou a gritar: “Vocês o mataram! Vocês o mataram!”. Essa cena é reconstituída no filme.
"O assassinato de Manoel Fiel Filho foi parte de uma grande operação de repressão"
(Jorge Oliveira, diretor do documentário)
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