David Brooks /The New York Times
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Desde a morte de Ted Kennedy, os noticiários mostraram diversas vezes o fim inesquecível de seu discurso na convenção democrata de 1980 – o trecho de Tennyson e as belas frases finais: "O trabalho continua, a causa perdurou, a esperança ainda vive, e o sonho não pode morrer nunca." Ao analisar, contudo, o centro do discurso, percebe-se como era ousada a agenda de Kennedy. Seu argumento central era a favor de uma política de pleno emprego. O governo devia garantir emprego para todos os americanos economicamente ativos. Seu próximo grande objetivo era o que chamou de "reindustrialização”.
A revolução tecnológica estava em curso, mas Kennedy pediu ao governo para restaurar o poder industrial das cidades americanas.
O terceiro grande objetivo era o seguro saúde nacional.
– Deixe-nos insistir no real controle sobre o que os médicos e hospitais podem cobrar – disse Kennedy.
Existiam outras propostas. Ele prometeu usar "todo o poder do governo para controlar os preços".
Kennedy estava propondo transformar fundamentalmente a economia política dos EUA. Ele sabia que tinha perdido a candidatura, e seu liberalismo era frouxo.
O discurso era radical, e ele podia ter voltado para o Senado, devido à própria ousadia. Ele poderia ter criticado a vilania dos opositores e feito discursos sobre sonhos que nunca se tornariam realidade.
Kennedy, contudo, se tornou algo mais. Ele virou um árbitro. Ele se transformou em um gradualista.
Essas palavras têm conotações negativas; mas não deviam. Kennedy nunca abandonou ideais ambiciosos, mas sua habilidade de gerar acordos e promover mudanças amplas graduais criou o legado que todos celebram hoje: centros de saúde municipais, Instituto Nacional do Câncer, lei de americanos com deficiência, programa Meals on Wheels (Refeições sobre rodas, em tradução literal; iniciativa que fornece alimentos às pessoas necessitadas), a renovação da lei de direitos ao voto e a lei que protege crianças desamparadas. A última lei, a propósito, reduziu o abismo entre brancos e negros mais do que qualquer outra legislação.
A vida de Kennedy transmite várias lições importantes. Uma é sobre a natureza da liderança política.
Aprendemos desde os dias de Camelot a admirar um tipo particular de político: o épico e carismático candidato do Monte Rushmore que está à frente de mudanças.
Os fundadores desse país, no entanto, criaram a Constituição para frustrar esse tipo de líder. A Constituição dilui o poder, exige comprometimento e estimula o gradualismo. Os fundadores criaram um governo cauteloso para que a sociedade pudesse ser dinâmica.
Ted Kennedy foi criado para louvar um tipo de habilidade de governo e amadureceu descobrindo que ele tinha outro. Ele tinha as habilidades de legislador, e se perguntarmos a 99 senadores quem foi o melhor especialista entre eles, todos vão dizer Kennedy. Ele sabia como fazer acordos.
Certa vez, encontrei John McCain depois de uma sessão de negociação com Kennedy envolvendo um projeto de lei de imigração que tinham apoiado. McCain estava exausto pela forma árdua e paciente com que o amigo negociou.
Na minha última entrevista com Kennedy, perguntei sobre grandes ideias, e as respostas deles não foram nada especiais. Depois perguntei sobre uma provisão menor num trecho antigo de legislação, e o domínio que ele tinha da provisão era impressionante.
Existe uma arte de governar, que depende menos de inteligência acadêmica e mais de uma noção do contexto de como unir as pessoas.
Kennedy tinha essa noção. Uma segunda lição envolve a natureza da mudança nos EUA.
Nesse país, nós temos um tipo distinto de sociedade. Nós americanos trabalhamos mais horas do que qualquer outra pessoa no planeta.
Nós mudamos de emprego com muito mais frequência do que os europeus ocidentais ou japoneses.
Temos altas taxas de casamento e de divórcio. Nós nos mudamos mais vezes, fazemos mais trabalhos voluntários e matamos mais uns aos outros.
Dessa cultura dinâmica, mas às vezes impiedosa, um estilo distinto de capitalismo americano emergiu.
A economia americana é flexível e produtiva. O PIB per capita dos EUA está quase 50% mais alto do que o da França. Mas o sistema americano também é implacável.
Ele produz sua parcela de insegurança e miséria.
Essa cultura, esse espírito, esse sistema não são perfeitos, mas são nossos. Os eleitores americanos gostam de políticos que propõem reformas que amenizem os aspectos do sistema. Eles não gostam de políticos e propostas que pretendem contradizêlo. Eles não gostam de propostas que centralizam o poder e reduzem as escolhas individuais. Eles resistem às propostas que põem a segurança acima da mobilidade e da responsabilidade individual.
Em 1980, Kennedy propôs uma agenda que abalou as tradições da forma de governar americana. Desde então, um Kennedy coagido e um grupo de republicanos produziram reformas para se manterem atualizados. Os benefícios estão lá para que todos vejam.
Tradução: Victor Barros
A vida de Kennedy transmite várias lições. Uma delas diz respeito à liderança política
Sábado, 29 de Agosto de 2009
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Desde a morte de Ted Kennedy, os noticiários mostraram diversas vezes o fim inesquecível de seu discurso na convenção democrata de 1980 – o trecho de Tennyson e as belas frases finais: "O trabalho continua, a causa perdurou, a esperança ainda vive, e o sonho não pode morrer nunca." Ao analisar, contudo, o centro do discurso, percebe-se como era ousada a agenda de Kennedy. Seu argumento central era a favor de uma política de pleno emprego. O governo devia garantir emprego para todos os americanos economicamente ativos. Seu próximo grande objetivo era o que chamou de "reindustrialização”.
A revolução tecnológica estava em curso, mas Kennedy pediu ao governo para restaurar o poder industrial das cidades americanas.
O terceiro grande objetivo era o seguro saúde nacional.
– Deixe-nos insistir no real controle sobre o que os médicos e hospitais podem cobrar – disse Kennedy.
Existiam outras propostas. Ele prometeu usar "todo o poder do governo para controlar os preços".
Kennedy estava propondo transformar fundamentalmente a economia política dos EUA. Ele sabia que tinha perdido a candidatura, e seu liberalismo era frouxo.
O discurso era radical, e ele podia ter voltado para o Senado, devido à própria ousadia. Ele poderia ter criticado a vilania dos opositores e feito discursos sobre sonhos que nunca se tornariam realidade.
Kennedy, contudo, se tornou algo mais. Ele virou um árbitro. Ele se transformou em um gradualista.
Essas palavras têm conotações negativas; mas não deviam. Kennedy nunca abandonou ideais ambiciosos, mas sua habilidade de gerar acordos e promover mudanças amplas graduais criou o legado que todos celebram hoje: centros de saúde municipais, Instituto Nacional do Câncer, lei de americanos com deficiência, programa Meals on Wheels (Refeições sobre rodas, em tradução literal; iniciativa que fornece alimentos às pessoas necessitadas), a renovação da lei de direitos ao voto e a lei que protege crianças desamparadas. A última lei, a propósito, reduziu o abismo entre brancos e negros mais do que qualquer outra legislação.
A vida de Kennedy transmite várias lições importantes. Uma é sobre a natureza da liderança política.
Aprendemos desde os dias de Camelot a admirar um tipo particular de político: o épico e carismático candidato do Monte Rushmore que está à frente de mudanças.
Os fundadores desse país, no entanto, criaram a Constituição para frustrar esse tipo de líder. A Constituição dilui o poder, exige comprometimento e estimula o gradualismo. Os fundadores criaram um governo cauteloso para que a sociedade pudesse ser dinâmica.
Ted Kennedy foi criado para louvar um tipo de habilidade de governo e amadureceu descobrindo que ele tinha outro. Ele tinha as habilidades de legislador, e se perguntarmos a 99 senadores quem foi o melhor especialista entre eles, todos vão dizer Kennedy. Ele sabia como fazer acordos.
Certa vez, encontrei John McCain depois de uma sessão de negociação com Kennedy envolvendo um projeto de lei de imigração que tinham apoiado. McCain estava exausto pela forma árdua e paciente com que o amigo negociou.
Na minha última entrevista com Kennedy, perguntei sobre grandes ideias, e as respostas deles não foram nada especiais. Depois perguntei sobre uma provisão menor num trecho antigo de legislação, e o domínio que ele tinha da provisão era impressionante.
Existe uma arte de governar, que depende menos de inteligência acadêmica e mais de uma noção do contexto de como unir as pessoas.
Kennedy tinha essa noção. Uma segunda lição envolve a natureza da mudança nos EUA.
Nesse país, nós temos um tipo distinto de sociedade. Nós americanos trabalhamos mais horas do que qualquer outra pessoa no planeta.
Nós mudamos de emprego com muito mais frequência do que os europeus ocidentais ou japoneses.
Temos altas taxas de casamento e de divórcio. Nós nos mudamos mais vezes, fazemos mais trabalhos voluntários e matamos mais uns aos outros.
Dessa cultura dinâmica, mas às vezes impiedosa, um estilo distinto de capitalismo americano emergiu.
A economia americana é flexível e produtiva. O PIB per capita dos EUA está quase 50% mais alto do que o da França. Mas o sistema americano também é implacável.
Ele produz sua parcela de insegurança e miséria.
Essa cultura, esse espírito, esse sistema não são perfeitos, mas são nossos. Os eleitores americanos gostam de políticos que propõem reformas que amenizem os aspectos do sistema. Eles não gostam de políticos e propostas que pretendem contradizêlo. Eles não gostam de propostas que centralizam o poder e reduzem as escolhas individuais. Eles resistem às propostas que põem a segurança acima da mobilidade e da responsabilidade individual.
Em 1980, Kennedy propôs uma agenda que abalou as tradições da forma de governar americana. Desde então, um Kennedy coagido e um grupo de republicanos produziram reformas para se manterem atualizados. Os benefícios estão lá para que todos vejam.
Tradução: Victor Barros
A vida de Kennedy transmite várias lições. Uma delas diz respeito à liderança política
Sábado, 29 de Agosto de 2009
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