Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Não interessa ao Brasil oferecer de graça o mercado interno, o patrimônio mais precioso de uma nação
O MINISTRO das Relações Exteriores da Espanha, Miguel Ángel Moratinos, esteve no Brasil acompanhado por uma comitiva de executivos de 20 empresas e informou ao jornal "Valor Econômico" (edição de 29 de julho) que o governo e as companhias espanholas estão muito interessados em participar da licitação para o trem de alta velocidade entre Rio e São Paulo.
Não é surpreendente. As empresas dos países ricos que dispõem de tecnologia para trens-bala estarão todas interessadas. Dessa forma, garantirão um rendimento seguro para seu investimento, que, como acontece com esse tipo de serviço, deverá ser duas a três vezes maior do que a taxa de juros que obteriam se emprestassem o dinheiro.
O que nós, brasileiros, deveríamos discutir seriamente é se interessa ao Brasil conceder a empresas estrangeiras a concessão de serviços públicos monopolistas, em vez de aceitarmos como pressuposto ou como "evidente" que temos esse interesse.
Eu estou seguro de que não interessa: não deveríamos abrir para empresas estrangeiras a concessão de serviços públicos. Em primeiro lugar, porque não interessa ao Brasil "crescer com poupança externa", ou seja, se endividar para crescer, independentemente da forma como o déficit em conta corrente seja financiado: através de empréstimos ou de investimentos diretos.
Os influxos líquidos de capital no país apreciam o câmbio e, em vez de aumentarem a taxa de investimento do país, aumentam seu consumo. É por essa razão -pela elevada taxa de substituição de poupança interna pela externa envolvida nos déficits em conta corrente- que as pesquisas econométricas mostram que não há relação causal entre investimentos diretos (que financiam aqueles déficits) e crescimento. A dívida, entretanto, foi contraída e passa a render juros elevados e dividendos ainda mais elevados para os países investidores.
Em segundo lugar, porque não interessa ao Brasil oferecer de graça nosso mercado interno aos países ricos. O mercado interno de um país é seu patrimônio mais precioso. Por isso, os países o negociam tão duramente na OMC e nos acordos regionais e bilaterais. Por que não adotar a mesma política no caso dos investimentos diretos? Os países ricos obtêm com sobra essa reciprocidade: abrem seus mercados para o investimento direto, mas, em compensação, investem em maior volume nos demais países, principalmente nos em desenvolvimento. Não é o nosso caso.
E a tecnologia? Esta é importante e justifica investimentos diretos, mas desde que o investimento seja feito em associação com o país recipiente, como fazem os chineses. Como a China tem sempre saldo em conta corrente, cresce com despoupança externa. Continua recebendo mais investimento direto do que faz, mas apenas na medida em que esse envolva partilha de tecnologia. E não abre seu mercado para o investimento em serviços públicos monopolistas.
A Espanha já é o segundo país em investimentos diretos no Brasil. Esses investimentos dirigiram-se principalmente para serviços monopolistas ou quase monopolistas. E contaram com subsídios do governo. Vale a pena para o governo espanhol apoiar suas empresas.
Dessa forma, transformam-se em rentistas -passam a receber uma renda segura e elevada que acresce sua riqueza. Não aumentaria também a nossa? Na maioria dos casos, não, já que a substituição de poupança interna por externa que os investimentos diretos envolvem representa endividamento adicional, obrigação de pagamento de dividendos elevados e pouco ou nenhum aumento da taxa de investimento.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Não interessa ao Brasil oferecer de graça o mercado interno, o patrimônio mais precioso de uma nação
O MINISTRO das Relações Exteriores da Espanha, Miguel Ángel Moratinos, esteve no Brasil acompanhado por uma comitiva de executivos de 20 empresas e informou ao jornal "Valor Econômico" (edição de 29 de julho) que o governo e as companhias espanholas estão muito interessados em participar da licitação para o trem de alta velocidade entre Rio e São Paulo.
Não é surpreendente. As empresas dos países ricos que dispõem de tecnologia para trens-bala estarão todas interessadas. Dessa forma, garantirão um rendimento seguro para seu investimento, que, como acontece com esse tipo de serviço, deverá ser duas a três vezes maior do que a taxa de juros que obteriam se emprestassem o dinheiro.
O que nós, brasileiros, deveríamos discutir seriamente é se interessa ao Brasil conceder a empresas estrangeiras a concessão de serviços públicos monopolistas, em vez de aceitarmos como pressuposto ou como "evidente" que temos esse interesse.
Eu estou seguro de que não interessa: não deveríamos abrir para empresas estrangeiras a concessão de serviços públicos. Em primeiro lugar, porque não interessa ao Brasil "crescer com poupança externa", ou seja, se endividar para crescer, independentemente da forma como o déficit em conta corrente seja financiado: através de empréstimos ou de investimentos diretos.
Os influxos líquidos de capital no país apreciam o câmbio e, em vez de aumentarem a taxa de investimento do país, aumentam seu consumo. É por essa razão -pela elevada taxa de substituição de poupança interna pela externa envolvida nos déficits em conta corrente- que as pesquisas econométricas mostram que não há relação causal entre investimentos diretos (que financiam aqueles déficits) e crescimento. A dívida, entretanto, foi contraída e passa a render juros elevados e dividendos ainda mais elevados para os países investidores.
Em segundo lugar, porque não interessa ao Brasil oferecer de graça nosso mercado interno aos países ricos. O mercado interno de um país é seu patrimônio mais precioso. Por isso, os países o negociam tão duramente na OMC e nos acordos regionais e bilaterais. Por que não adotar a mesma política no caso dos investimentos diretos? Os países ricos obtêm com sobra essa reciprocidade: abrem seus mercados para o investimento direto, mas, em compensação, investem em maior volume nos demais países, principalmente nos em desenvolvimento. Não é o nosso caso.
E a tecnologia? Esta é importante e justifica investimentos diretos, mas desde que o investimento seja feito em associação com o país recipiente, como fazem os chineses. Como a China tem sempre saldo em conta corrente, cresce com despoupança externa. Continua recebendo mais investimento direto do que faz, mas apenas na medida em que esse envolva partilha de tecnologia. E não abre seu mercado para o investimento em serviços públicos monopolistas.
A Espanha já é o segundo país em investimentos diretos no Brasil. Esses investimentos dirigiram-se principalmente para serviços monopolistas ou quase monopolistas. E contaram com subsídios do governo. Vale a pena para o governo espanhol apoiar suas empresas.
Dessa forma, transformam-se em rentistas -passam a receber uma renda segura e elevada que acresce sua riqueza. Não aumentaria também a nossa? Na maioria dos casos, não, já que a substituição de poupança interna por externa que os investimentos diretos envolvem representa endividamento adicional, obrigação de pagamento de dividendos elevados e pouco ou nenhum aumento da taxa de investimento.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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