
As particularidades do processo de definição da candidatura presidencial do PSDB para as eleições deste ano são talvez reveladoras do ponto de vista de questões mais gerais sobre partidos e dinâmica partidária. Naturalmente, o contraste a ser estabelecido é antes de tudo com o PT. Aí, a figura de Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido decisiva desde o início como referência mesmo para aqueles que pretendiam construir um partido ideológico capaz de ir além de meros personalismos, segue sendo, com o êxito e a popularidade singulares, o grande fator de coesão do partido agora pragmático que resolve escolher Dilma Rousseff como candidata (Lula demais, mas, no pós-2005, candidatos a candidato de menos) e trata de somar-lhe apoios heterogêneos.
Já no PSDB, não obstante a visibilidade especial de Fernando Henrique Cardoso, com o prestígio intelectual e o exercício de dois mandatos presidenciais, o que temos é antes um conjunto de líderes de estatura política mais uniforme. Como consequência, as ambições pessoais não têm de haver-se com o peso de uma liderança maior e incontestável. Em princípio, isso poderia representar um traço propício à busca de coesão em termos mais afins à democracia partidária, com a institucionalização do partido levando a um grau relevante de controle dos líderes pela base partidária. Mas torna-se também mais difícil equilibrar os interesses políticos pessoais com os do partido como tal. Esse é o problema que se encontra, em geral, nas disputas em torno de mecanismos como o do voto em listas como instrumento de fortalecimento partidário, em que se aponta o perigo de oligarquia, em contraste com a "democrática" apropriação do mandato pelo político individual - ou com o recurso a prévias ou eleições primárias, em que a chefia partidária tende a ver comprometido o seu controle da escolha dos candidatos.
As idas e vindas da competição entre José Serra e Aécio Neves podem ser vistas na perspectiva de sugestões que se ligam a isso. Embora as pesquisas coloquem Serra, até aqui, como líder destacado dos candidatos potenciais do PSDB nas preferências populares, há indícios nítidos de que a disputa com Dilma (até com Dilma...) pode vir a ser difícil: já haveria um empate "latente" entre os dois na soma dos apoiadores declarados da ministra com aqueles que se dizem inclinados a votar em quem quer que Lula indique e que ainda não sabem que ela já é a sua candidata. E a candidatura à Presidência pode revelar-se uma opção pessoalmente ruim para Serra, cuja reeleição para o governo de São Paulo se presume tranquila. Mas resta a ponderação de que, para um político como Serra e a esta altura da vida, a aposta dirigida à Presidência, mesmo com alguma precariedade, é provavelmente mais sedutora do que a simples acomodação a alguns anos mais de um cargo "confortável". De todo modo, a composição com Aécio numa chapa "puro sangue" pode ser crucial para as chances de vitória.
Já a orientação das ações recentes de Aécio parece clara. Depois do ícone oligárquico em que se transformou, há poucos anos, a imagem de alguns cardeais pessedebistas a deliberar sobre candidatura presidencial em jantar de bons vinhos, o partido, caso Aécio batesse o pé a respeito, não teria como deixar de realizar as prévias que ele (apesar de incluído no ícone...) passou a reclamar. As razões de seu recuo de insistir na exigência parecem ser as mesmas que o levaram depois a desistir de buscar a candidatura à Presidência, ostensivamente e de imediato, como parte da disposição em que sobressai a recusa de ser candidato a vice de Serra. Descrita como "generosa" por líderes partidários envolvidos no jogo, a desistência obedeceria antes a um cálculo fácil de reconstituir do ponto de vista do projeto político pessoal de Aécio: o desfecho de derrota nas prévias, além do desgaste que representaria em si mesmo, tornaria muito mais difícil para ele resistir a associar-se a Serra em posição subalterna, na qual compartilharia os danos da eventual derrota eleitoral (ou mesmo de um governo comparativamente mal sucedido em seguida ao Super-Lula) sem perspectivas nítidas de ganho em caso de vitória e êxito de Serra. Por outro lado, seguindo caminho próprio (no Senado, por exemplo), mesmo o poder dos tucanos paulistas dificilmente impediria que o partido lhe caísse no colo na hipótese de malogro de Serra.
Um aspecto importante é o de que o partido, levado quer por cuidados supostamente mais nobres com a coesão partidária, quer até pelo empenho de interesses parciais em melhorar as coisas para Serra, poderia ter tratado oportunamente de encaminhar de fato a realização de prévias e de, por assim dizer, agarrar Aécio pela palavra. De um ponto de vista "serrista", o risco, naturalmente, era o de que o processo assim deflagrado acabasse por viabilizar a opção do partido pela candidatura de Aécio, e é provável que, com o poder paulista, esse risco tenha sido a razão decisiva de que o processo não tenha andado. O que acaba por sugerir que, seja qual for a percepção externa quanto à estatura político-eleitoral de diferentes líderes tucanos, a suposição da existência de um número mais ou menos amplo de lideranças de poder equivalente se revela internamente problemática. Mas, se a dimensão especial do poder de Lula assegura, bem ou mal, a coesão petista, as desigualdades relativas de poder no PSDB redundam no comprometimento evidente da coesão tucana, por mais que seja outra a retórica. A ver com quais consequências eleitorais.
Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras
Nenhum comentário:
Postar um comentário