segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Fábio Wanderley Reis :: PSDB, Serra e Aécio

DEU NO VALOR ECONÔMICO

As particularidades do processo de definição da candidatura presidencial do PSDB para as eleições deste ano são talvez reveladoras do ponto de vista de questões mais gerais sobre partidos e dinâmica partidária. Naturalmente, o contraste a ser estabelecido é antes de tudo com o PT. Aí, a figura de Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido decisiva desde o início como referência mesmo para aqueles que pretendiam construir um partido ideológico capaz de ir além de meros personalismos, segue sendo, com o êxito e a popularidade singulares, o grande fator de coesão do partido agora pragmático que resolve escolher Dilma Rousseff como candidata (Lula demais, mas, no pós-2005, candidatos a candidato de menos) e trata de somar-lhe apoios heterogêneos.

Já no PSDB, não obstante a visibilidade especial de Fernando Henrique Cardoso, com o prestígio intelectual e o exercício de dois mandatos presidenciais, o que temos é antes um conjunto de líderes de estatura política mais uniforme. Como consequência, as ambições pessoais não têm de haver-se com o peso de uma liderança maior e incontestável. Em princípio, isso poderia representar um traço propício à busca de coesão em termos mais afins à democracia partidária, com a institucionalização do partido levando a um grau relevante de controle dos líderes pela base partidária. Mas torna-se também mais difícil equilibrar os interesses políticos pessoais com os do partido como tal. Esse é o problema que se encontra, em geral, nas disputas em torno de mecanismos como o do voto em listas como instrumento de fortalecimento partidário, em que se aponta o perigo de oligarquia, em contraste com a "democrática" apropriação do mandato pelo político individual - ou com o recurso a prévias ou eleições primárias, em que a chefia partidária tende a ver comprometido o seu controle da escolha dos candidatos.

As idas e vindas da competição entre José Serra e Aécio Neves podem ser vistas na perspectiva de sugestões que se ligam a isso. Embora as pesquisas coloquem Serra, até aqui, como líder destacado dos candidatos potenciais do PSDB nas preferências populares, há indícios nítidos de que a disputa com Dilma (até com Dilma...) pode vir a ser difícil: já haveria um empate "latente" entre os dois na soma dos apoiadores declarados da ministra com aqueles que se dizem inclinados a votar em quem quer que Lula indique e que ainda não sabem que ela já é a sua candidata. E a candidatura à Presidência pode revelar-se uma opção pessoalmente ruim para Serra, cuja reeleição para o governo de São Paulo se presume tranquila. Mas resta a ponderação de que, para um político como Serra e a esta altura da vida, a aposta dirigida à Presidência, mesmo com alguma precariedade, é provavelmente mais sedutora do que a simples acomodação a alguns anos mais de um cargo "confortável". De todo modo, a composição com Aécio numa chapa "puro sangue" pode ser crucial para as chances de vitória.

Já a orientação das ações recentes de Aécio parece clara. Depois do ícone oligárquico em que se transformou, há poucos anos, a imagem de alguns cardeais pessedebistas a deliberar sobre candidatura presidencial em jantar de bons vinhos, o partido, caso Aécio batesse o pé a respeito, não teria como deixar de realizar as prévias que ele (apesar de incluído no ícone...) passou a reclamar. As razões de seu recuo de insistir na exigência parecem ser as mesmas que o levaram depois a desistir de buscar a candidatura à Presidência, ostensivamente e de imediato, como parte da disposição em que sobressai a recusa de ser candidato a vice de Serra. Descrita como "generosa" por líderes partidários envolvidos no jogo, a desistência obedeceria antes a um cálculo fácil de reconstituir do ponto de vista do projeto político pessoal de Aécio: o desfecho de derrota nas prévias, além do desgaste que representaria em si mesmo, tornaria muito mais difícil para ele resistir a associar-se a Serra em posição subalterna, na qual compartilharia os danos da eventual derrota eleitoral (ou mesmo de um governo comparativamente mal sucedido em seguida ao Super-Lula) sem perspectivas nítidas de ganho em caso de vitória e êxito de Serra. Por outro lado, seguindo caminho próprio (no Senado, por exemplo), mesmo o poder dos tucanos paulistas dificilmente impediria que o partido lhe caísse no colo na hipótese de malogro de Serra.

Um aspecto importante é o de que o partido, levado quer por cuidados supostamente mais nobres com a coesão partidária, quer até pelo empenho de interesses parciais em melhorar as coisas para Serra, poderia ter tratado oportunamente de encaminhar de fato a realização de prévias e de, por assim dizer, agarrar Aécio pela palavra. De um ponto de vista "serrista", o risco, naturalmente, era o de que o processo assim deflagrado acabasse por viabilizar a opção do partido pela candidatura de Aécio, e é provável que, com o poder paulista, esse risco tenha sido a razão decisiva de que o processo não tenha andado. O que acaba por sugerir que, seja qual for a percepção externa quanto à estatura político-eleitoral de diferentes líderes tucanos, a suposição da existência de um número mais ou menos amplo de lideranças de poder equivalente se revela internamente problemática. Mas, se a dimensão especial do poder de Lula assegura, bem ou mal, a coesão petista, as desigualdades relativas de poder no PSDB redundam no comprometimento evidente da coesão tucana, por mais que seja outra a retórica. A ver com quais consequências eleitorais.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

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