Valor Econômico
Os passos de Tarcísio estão sendo observados por bolsonaristas e petistas
As experiências de dois ex-pré-candidatos a
presidente da República pelo PSDB justificam a cautela do governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em meio às turbulências provocadas
pelo anúncio da pré-candidatura à Presidência do senador Flávio Bolsonaro
(PL-RJ). Na dúvida, que se adote uma postura ambígua, da qual a família
Bolsonaro não possa reclamar nem os eleitores de direita e centro-direita
lamentar.
Foi nesse contexto que Tarcísio disse na segunda-feira (8), em Diadema (SP), respeitar muito o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele reiterou sua gratidão e lealdade ao ex-mandatário, acrescentando que Flávio, por ser a escolha do pai para representá-lo na eleição presidencial, “vai contar com a gente”. Por outro lado, ressalte-se, ponderou que Flávio se junta agora a um rol mais amplo de outros governadores da oposição que colocaram seus respectivos nomes à disposição para tentar tirar o PT do Palácio do Planalto. E concluiu: está cedo e ainda há tempo de maturação.
Está na memória de todos, nos partidos de
centro, esquerda e direita, o que se passou com João Doria. Em 2018, aliados de
Doria, à época no PSDB, lançaram a dobradinha BolsoDoria com o objetivo de
estimular que os eleitores votassem nele para governador de São Paulo e em Jair
Bolsonaro a presidente.
A situação mudou quando os planos nacionais
de Doria começaram a ficar claros para Bolsonaro. A relação ficou interditada
de vez em março de 2020, quando os dois bateram boca em uma reunião sobre
medidas para combater a pandemia de covid-19. A partir daí, Doria passou a ser
alvo de ataques frequentes de Bolsonaro, seus filhos e aliados, os quais não
cessaram nem quando sua pré-candidatura a presidente em 2022 acabou
inviabilizada.
Romper com Bolsonaro, tendo o ex-presidente
chamando-o de traidor e ingrato, pode ser um obstáculo grande para quem
pretende cativar uma parcela considerável dos eleitores de direita e
extrema-direita. Aliados de Tarcísio têm isso em mente e querem evitar esse
risco.
Do lado adversário, entre autoridades do
Palácio do Planalto e dirigentes do PT, o cenário que se traça para Tarcísio de
Freitas é o vivido pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, em
2022. Hoje no PSD, Leite estava no PSDB quando, em 31 de março daquele ano,
formalizou sua renúncia do cargo tendo em vista a eleição presidencial. Mas, 74
dias depois, Leite anunciou que desistira do voo nacional e disputaria
novamente o governo gaúcho.
Assim como a pré-candidatura de Doria, a de
Leite não havia reunido as condições para avançar. “Eu mudei de opinião, mas
não mudei de princípios. Por isso, eu disse que a renúncia me abria todas as
possibilidades, não me retirava nenhuma”, explicou.
Como mostrou a colunista e repórter especial
do Valor Maria
Cristina Fernandes na terça-feira (9), no ano que vem Tarcísio precisará
decidir se disputa a reeleição no cargo de governador ou se renuncia ao mandato
para, com sua descompatibilização, ter a possibilidade de concorrer à Presidência
da República em outubro. Se algum obstáculo intransponível aparecesse, ainda
assim haveria como recolocar-se novamente na disputa pelo Palácio dos
Bandeirantes. Na prática, seria uma candidatura à reeleição fora do cargo,
assim como ocorreu com Eduardo Leite.
Para isso, contudo, precisaria fechar um
acordo que interesse ao seu vice, Felicio Ramuth, o qual ficaria à frente da
máquina administrativa estadual entre abril e dezembro. Ramuth teria que se
comprometer a não usar o cargo para disputar a reeleição em voo solo, talvez em
troca de manter-se na chapa como vice. Por outro lado, essa articulação poderia
criar arestas entre Tarcísio e a cúpula do PSD, que gostaria de ver nesse
espaço o presidente do partido, Gilberto Kassab.
Enquanto isso, mais uma vez a família
Bolsonaro demonstra o que é capaz de fazer com aliados. Após anunciar a
pré-candidatura ao Planalto, Flávio disse contar com Tarcísio para conseguir
uma ampla diferença de votos em São Paulo, maior colégio eleitoral do país.
No Palácio do Planalto, aliás, diz-se que o
candidato escolhido por Lula para essa briga terá que entrar no ringue sabendo
que sua missão será justamente impedir que isso ocorra e, se possível, diminuir
a diferença que Bolsonaro obteve contra Lula em 2022 no Estado. Mesmo que isso
signifique entrar na eleição sabendo que o destino é mais uma derrota.
Dias antes, o deputado Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) foi além. Afirmou que o governador é “um tecnocrata de centro”, e não
de direita, por achar que ainda há espaço de diálogo com o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e querer agradar eleitores de centro
e até da esquerda.
São antigas as discussões sobre a distinção entre os chamados tecnocratas e os políticos. Um dos aspectos desse debate se dá, em primeiro lugar, em como eles chegam ao poder. Em segundo, como o conservam. Considerando que a competência é pressuposto para um tecnocrata conquistar um mandato eletivo, o que não necessariamente se diz a respeito de um político, vem a análise sobre o que ele fará depois para mantê-lo. Os passos de Tarcísio estão sendo observados, sob essa ótica, por bolsonaristas e petistas.

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