segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Lula: Lei da Anistia não deveria constar de plano

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula admitiu a auxiliares que o Plano Nacional de Direitos Humanos não deveria ter incluído temas relacionados à Lei da Anistia, o que gerou uma crise com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os chefes militares, que chegaram a pedir demissão. Agora, é o secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que ameaça demitir-se caso haja alterações no plano. A crise deve ser o tema principal da reunião de hoje da coordenação política.

Para Lula, Lei da Anistia é assunto da Justiça

Presidente admite a auxiliares que foi um erro incluir tema polêmico no Programa Nacional de Direitos Humanos

Gerson Camarotti

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalia que foi um erro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos incluir no novo plano setorial - cujo decreto vem provocando embate dentro e fora do governo - assuntos relacionados à Lei de Anistia. Contrariado com os conflitos desencadeados pela versão final do Programa Nacional de Direitos Humanos, o presidente afirmou a auxiliares que esse tema deve ser tratado exclusivamente pelo Poder Judiciário, e não pelo Executivo. Editada em 1979, a Lei da Anistia perdoou todos os atos de autoridades e de opositores cometidos durante a ditadura militar.

Lula, que retornou ontem a Brasília depois das férias de fim de ano, considera que o governo poderia ter evitado a crise, caso tivesse excluído integralmente o assunto militar do texto - itens como o fim do Superior Tribunal Militar (STM) acabaram ficando de fora da versão final do plano. A polêmica deverá dominar a primeira reunião de coordenação política do governo em 2010, marcada para a manhã de hoje.

Vannuchi afirma ser um "fusível removível"

A expectativa de integrantes do primeiro escalão é que Lula enquadre seus ministros para acabar com o bate-boca público. Não está descartada a convocação do ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), de férias, a Brasília. Ele - a exemplo dos comandantes militares e do colega Nelson Jobim (Defesa) - ameaça pedir demissão se for contrariado no decreto, cuja revisão teria sido prometida por Lula aos militares.

A ameaça de demissão foi feita por Vannuchi em entrevista publicada ontem no jornal "Folha de S.Paulo", na qual ele disse ser um "fusível removível" e que sua eventual saída "não é um problema para o Brasil nem para a República". O ministro afirmou ainda que não vai admitir que transformem o programa num "monstrengo político único no planeta".

A eventual demissão de Vannuchi provocou reações na sociedade civil organizada.

- Quem censurou, quem prendeu sem ordem judicial, quem cassou mandatos e quem apoiou a ditadura militar estão anistiados. Mas um torturador cometeu um crime de lesa-humanidade e deve ser punido pelo Estado como quer a nossa Constituição - disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, que telefonou ontem para Vannuchi.

O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, também manifestou "total solidariedade":

- Se é para haver demissões no governo, que primeiro sejam as de Jobim e dos chefes militares - disse. - É inaceitável que a sociedade brasileira volte a ser tutelada por militares.

O decreto gera confronto entre Jobim e Vannuchi desde meados de dezembro e, na semana passada, opôs também os ministros Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e Reinhold Stephanes (Agricultura).

Militares pedem retirada de "repressão política" do texto

Isso porque o decreto dos direitos humanos - que prevê a edição de 27 novas leis e a adoção de 32 outros planos e inventários - lista centenas de ações das mais diversas áreas, como radiodifusão e saúde. No caso agrário, a fonte de discórdia é a previsão de realização de audiência pública antes de uma decisão judicial sobre liminar para reintegração de posse.

- O presidente Lula tem que intermediar essa polêmica. Houve esse bate-boca interno no governo. Por isso, é preciso um cuidado especial com esse assunto - avaliou o líder do PSB, senador Renato Casagrande (ES).

Integrantes do núcleo do governo foram informados no fim de semana de que os três comandantes da Forças Armadas continuam dispostos a entregar os cargos, caso o presidente não faça uma mudança rápida no programa, conforme promessa feita a Jobim antes do recesso.

Os militares querem, por exemplo, a substituição da expressão "repressão política" por "conflito político" na proposta de criação da Comissão da Verdade. Assim, ela investigaria não apenas militares, mas também militantes da esquerda armada. Para Vannuchi, isso não é negociável, pois colocaria num mesmo plano torturadores e torturados.
Setores militares também mandaram recados ao Palácio de que a saída de Vannuchi pode ajudar na solução do impasse. Ainda assim, Lula quer resolver o problema no seu ritmo.

- O presidente não vai tratar desse tema no afogadilho por pressão de ninguém, nem dos militares - disse o líder do PT, deputado Cândido Vaccarezza (SP).

A posição de Lula de que o tema deva ficar circunscrito ao Judiciário deve-se ao fato de que, ainda que o assunto permaneça no Programa de Direitos Humanos, a possibilidade de punição a torturadores e agentes da ditadura militar pode ser banida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte deverá julgar este ano ação da OAB contestando a Lei de Anistia.

Programa prevê adoção de filhos por casais homossexuais

Para a Ordem, a anistia não pode ser estendida a agentes públicos que praticaram crimes comuns - como homicídio, tortura, abuso de autoridade, estupro e atentado violento ao pudor. Os ministros do STF estão divididos. Dois deles - Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes - já deram declarações públicas contrárias à revisão da lei. Outros quatro revelaram reservadamente que é fundamental punir atos de tortura cometidos na ditadura.

Em nota, o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Toni Reis, defendeu o amplo conceito de direitos humanos - o programa prevê a aprovação do projeto que trata da união civil entre homossexuais e da adoção de crianças por esses casais.

"Compreendemos que os direitos sexuais de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais são direitos humanos e por isso direitos fundamentais a serem respeitados em uma sociedade democrática", diz a nota.

Integrante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) pretende realizar uma audiência pública sobre o texto, com a presença de Vannuchi.

Colaboraram Carolina Brígido, Evandro Éboli e Patrícia Duarte

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