Ministério pagou R$ 187,5 mil por apenas uma página de relatório
Mesmo antes da Operação Voucher, a Controladoria Geral da União já apontava irregularidades em convênio do Ministério do Turismo: relatório concluído em 2010 sobre 1.644 convênios encontrou irregularidades em todos. Entre os problemas, prestações de contas entregues antes do pagamento e acordos assinados às pressas. A Fundação Universa, investigada pela PF, recebeu R$ 187,5 mil por uma página de relatório.
Cem por cento de convênios irregulares
ESCÂNDALOS EM SÉRIE
Turismo pagou R$187,5 mil por uma página de relatório, diz CGU
Fábio Fabrini
Quem pagaria R$187,5 mil, dinheiro suficiente para comprar sete carros populares, pela elaboração de uma página de relatório? Em tempos de "fazer mais com menos" na administração pública, foi quanto o Ministério do Turismo repassou, num de seus contratos, à Fundação Universa - cujo coordenador de projetos e presidente da Comissão de Licitações, Dalmo Antonio Tavares Queiroz, foi preso na Operação Voucher, da Polícia Federal. A história é só uma entre dezenas apontadas em relatórios da Controladoria Geral da União (CGU), fruto da balbúrdia administrativa e da falta de fiscalização sobre a aplicação de verbas transferidas a prefeituras e entidades sem fins lucrativos. Sob a gestão de quatro ministros e três partidos (PTB, PT e PMDB), a pasta já usou recursos do contribuinte para bancar estudos com trechos copiados da internet, festas cujos convites são vendidos ao público e até anúncios de operadora privada de turismo em jornais.
Um relatório concluído ano passado mostra que muito disso poderia ser evitado, caso o ministério apreciasse as prestações de contas obrigatoriamente apresentadas por seus conveniados em tempo hábil e com rigor. A CGU examinou 1.644 convênios, cuja vigência se encerrou até 31 de outubro de 2009, e constatou que todos estavam há mais de 60 dias pendentes de análise, contrariando normas da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). É justamente o parecer sobre as contas que bloqueia, em caso de irregularidades, o repasse de mais dinheiro para entidades suspeitas. A demora salvaguarda os responsáveis para continuar contratando com a pasta e, não raro, praticando fraudes.
Relatórios copiados da internet
A Universa recebeu R$3,75 milhões para realizar estudos sobre a criação de escritórios no exterior como estratégia para atrair investimentos ao Brasil; e também sobre o potencial de Sul e Centro-Oeste de seduzir investidores. O contrato foi firmado pelo ministério com dispensa de licitação e sem documentos para comprovar a reputação ético-profissional da entidade, exigência legal. No projeto básico, que orienta a contratação, faltavam itens como qualificação dos profissionais que fariam os trabalhos, horas de dedicação necessárias, estrutura dos relatórios e composição de custos.
Os estudos foram construídos com trechos copiados na íntegra da internet, sem, inclusive, citação de fontes. Entre os textos, havia informações retiradas dos sites da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio), do próprio Turismo e do Atlas Sócio-econômico do Rio Grande do Sul. "Constatou-se, também, a utilização dos mesmos textos em diversos produtos elaborados pela contratada, reduzindo, sobremaneira, a extensão dos conteúdos novos inseridos em cada produto", sublinharam os auditores.
Tudo passou pelo crivo do ministério, que cumpriu com os valores acordados. Mas os oito relatórios foram entregues com atraso, um deles 343 dias após o previsto, fora até do prazo de vigência do contrato. O primeiro do cronograma, com a descrição da metodologia a ser adotada, custou R$750 mil e tinha 17 páginas. Subtraindo-se capa, contracapa, sumário, apresentação institucional e antecedentes (com informações do Plano Nacional do Turismo 2007-2010), objetivos e justificativas (cujo teor, segundo a CGU, foi integralmente extraído da internet), além das referências bibliográficas, sobravam somente quatro páginas que, de fato, foram feitas pela entidade, ao custo efetivo de R$187,5 mil cada.
Maior valor em ano eleitoral
Apesar dos questionamentos da CGU, a Universa continuou contratando com o Turismo. Em quatro convênios e contratos firmados, já recebeu R$26,68 milhões. Questionada, a pasta não informou se os trabalhos tiveram serventia.
O pente-fino da CGU mostra existência de convênios assinados no mesmo dia do evento que patrocinaram, forte indício de que não cumpriram os trâmites burocráticos necessários. Não raro, a prestação de contas é entregue antes de todos os pagamentos terem sido feitos. É comum que as ONGs usem projetos para promoção pessoal de dirigentes ou venda de produtos. Dinheiro público também banca eventos cuja entrada passa pela bilheteria, sem que isso seja citado na solicitação da verba.
Para um festival de jazz em Ouro Preto, a Fundação Educativa de Rádio e Televisão Ouro Preto obteve R$100 mil. Cobrou R$100 por noite ou R$280 o passaporte de três dias.
A Fundação Belo Horizonte Turismo e Eventos conseguiu R$276,7 mil para divulgar destinos turísticos de Minas em jornais do interior e de São Paulo, Brasília, Rio Grande do Sul e Brasília. Os anúncios continham propaganda da CVC para um atraente roteiro de oito dias e sete noites em BH e Diamantina. "Férias a partir de R$1.258", dizia um dos reclames. "A utilização de recursos federais atendeu a interesses privados", concluiu a CGU, que determinou revisão da prestação de contas do convênio e análise sobre os atos dos funcionários que a aprovaram.
Criado em 2003, o Ministério do Turismo turbinou as transferências voluntárias para ONGs e prefeituras, frequentemente alvos de denúncias de corrupção e fonte de dividendos políticos para parlamentares e prefeitos. De 2006 até agora, a verba alcançou R$4,2 bilhões. Não por acaso, o maior valor foi pago em 2008, ano de eleições municipais: R$951,7 milhões, sendo R$830,7 milhões em convênios e contratos com prefeituras. Em 2010, também ano de disputa por cargos eletivos, foi gasta a segunda maior cifra: R$864,3 milhões ao todo.
Os dados constam do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Em 2011, até quinta-feira, o ministério havia pago R$151,6 milhões para prefeituras e R$44,9 milhões para entidades privadas sem fins lucrativos.
FONTE: O GLOBO
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