Se a arquitetura e o urbanismo espelham o estado psíquico da nação, duas polêmicas em curso revelam um pouco da esquizofrenia da alma brasileira.
Na antiga capital, o Rio que tanto sofre por seu passado luminoso hoje travestido em esperança de mascates, Estado e município querem derrubar um prédio do século 19. A defesa da antiga sede do Museu do Índio, contudo, está fora de ordem.
Não é o caso apoiar a invasão da edificação por indígenas sem-teto; eles têm de sair, aquilo não é a pretensa "aldeia". Mas qualquer projeto urbano relativo à Copa na área do Maracanã, onde fica o prédio, deveria integrá-lo de alguma forma.
Repetem assim o paradigma paulistano de destruição em nome do progresso. Prédios antigos são as rugas que dão gravidade à face de uma cidade e, como qualquer projeto de revitalização europeu demonstra, podem e devem ser parte do futuro.
Em Brasília, a grita vai na direção contrária. O governo local contratou sem licitação e de forma milionária um escritório de Cingapura para pensar soluções aplicáveis ao entorno da cidade nos próximos 50 anos.
Em vez de achar suspeitos os meandros da contratação ou avaliar a qualidade do escritório, a guilda dos arquitetos levantou sua voz com um argumento xenofóbico tosco: deveriam ser brasileiros, esses gênios únicos da raça, a cuidar do futuro de sua capital erguida no meio do nada.
Volte à Europa e veja a contribuição de estrangeiros, a começar pelo próprio Oscar Niemeyer, ao contexto urbano de diversas cidades. Frank Gehry? Renzo Piano? Seriam vistos como intrusos aqui, e esse é talvez o mais nefasto legado do mestre brasileiro dos prédios bonitos e disfuncionais -para não falar da falência urbanística de Brasília, mas aí a conta fica mais com Lucio Costa.
Ambos os casos demonstram, com sinais trocados, a dificuldade do "país do futuro" em usar o retrovisor, cada vez mais trincado
Fonte: Folha de S. Paulo
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