terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Raymundo Costa: As pontes do ministro Jaques Wagner

• Governo e aliados desavindos falam em entendimento

- Valor Econômico

Entre os votos de Feliz Natal e próspero Ano Novo, governo e seus aliados desavindos, como o PMDB, trocaram sinais cautelosos de uma trégua política. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, falou mesmo em governo de união nacional para estancar a crise, o que pressupõe um chamado também à oposição, a partir de dois temas iniciais: a reforma política e a reforma da Previdência, provavelmente com o estabelecimento da idade mínima de 65 anos, o que Wagner não disse, mas é o pressuposto do debate em curso no momento.

PT e PMDB, este por intermédio do ex-ministro Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães e um dos mais próximos conselheiros do vice-presidente Michel Temer, falaram em conversar. Até aí tudo bem. Mas o ponto de partida para um e outro difere muito. Para os pemedebistas, só existe uma porta de entrada para um amplo entendimento: a busca do equilíbrio fiscal tendo em vista a retomada do crescimento. É o que dá rumo e foco. O resto é a bagunça fiscal. Essa, no entanto, não parece ser condição nem para o PT nem para o governo federal.

Outros petistas, além de Wagner, também têm falado em diálogo. O ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário), por exemplo, defende a celebração de um "pacto pela democracia", a fim de isolar os radicais e preservar conquistas que são de todos. Patrus, o ministro que efetivamente implantou o Bolsa Família, é um dos muitos petistas hostilizados em locais públicos, por conta das denúncias de corrupção que pesam contra o partido. Mas quer conversar e colaborar no que puder.

A proposta Wagner é diferente e foi entendida como uma tentativa do PT de se limpar da lambuzada em que se meteu na Lava-Jato com a reforma política, vista como "quimera" pela cúpula do PMDB. Em entrevista que concedeu ao jornal "Folha de S. Paulo", publicada no domingo, o ministro Wagner não só deu precedência à proposta de reforma política, dentro de um eventual entendimento, como também atribuiu o pecado do PT a não ter mudado os métodos do exercício da política, "ferramentas que já eram usadas", disse.

Nas entrelinhas de Wagner, não foram o PT e os petistas que erraram. O partido e alguns de seus filiados é que foram maculados pelo sistema. "Talvez porque nunca [o PT] foi treinado para isto, deve ter feito como naquela velha história: 'quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza'. Quem é treinado erra menos, talvez, né", perguntou o ministro da Casa Civil. A seu modo, Jaques Wagner explicou o envolvimento do PT na Lava-Jato da mesma maneira que Delúbio Soares e o ex-presidente Lula justificaram o mensalão - recursos não contabilizados, apenas caixa 2, uma prática usual de todos os partidos brasileiros.

O aceno ao entendimento não deixa de ser um gesto positivo, mas o enredo proposto tanto pelo PT como pelo governo dificilmente levará à mesa de negociação os aliados desavindos e, sobretudo, a oposição. Os políticos querem eles próprios cuidar da reforma política, no seu devido tempo, o que certamente não é agora, quando as forças estão pulverizadas, em meio a uma crise que envolve tanto o Legislativo quando o Executivo. Quanto à lambuzada, não há muito o que fazer, está nas mãos do Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário.

Sem algum tipo de entendimento, nada indica que a mudança de ano mudará também a conjuntura política. Na entrevista à "Folha", Wagner calculou que a presidente Dilma Rousseff deve contar com o apoio de 250 a 255 deputados para "enterrar" o impeachment na Câmara, sem precisar recorrer aos préstimos do Senado e de seu presidente, Renan Calheiros. É mais que suficiente para matar o processo de impeachment no nascedouro, onde bastam 171 votos para livrar a presidente da República. É pouco, no entanto, para quem fala em reforma política, reforma da Previdência, reforma tributária e na reedição da CPMF, todos projetos que precisam de maioria constitucional (308 votos) para serem aprovados.

Há muitos outros percalços à vista. A partir de fevereiro, o Congresso passa a ser regido pelo signo das eleições de 2016 e 2018. Os prognósticos para o desempenho do PT nas eleições municipais não são os melhores possíveis, antes pelo contrário, o que deve ter repercussão nas as votações. E o que mais deve pesar na convenção de março do PMDB, quando será decidido se o partido fica ou sai do governo. Ao menos formalmente, pois uma parte ficará no governo seja qual for a decisão partidária.

A instalação da comissão especial do impeachment pode demorar. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) acatar um pedido do procurador-geral, Rodrigo Janot, o deputado Eduardo Cunha será afastado da presidência da Câmara mas não destituído do cargo. Neste caso, assume o vice Waldir Maranhão (PP-MA), fiel escudeiro do titular.

Cunha só quer instalar a comissão especial do impeachment depois de julgados os recursos que apresentar à decisão do Supremo sobre o processamento do pedido, o que deve prolongar a agonia congressual do governo. Há expectativa no Congresso de o STF acolher parte do recurso da Câmara. O voto do ministro Celso de Mello e a repercussão negativa do ativismo judicial do Supremo alimentam o que mais parece ser uma esperança. Mello votou com o relator Edson Fachin inclusive nos aspectos relacionados a voto secreto e chapa avulsa. Divergiu apenas ao considerar que cabe efetivamente ao Senado instaurar ou não o processo.

O Palácio do Planalto não quer se livrar de Eduardo Cunha para ficar na mão de Renan Calheiros, o presidente do Senado. A soma de Renan Calheiros mais Dilma, sem dúvida, favorece o governo no Congresso. Mas o pacto que atualmente junta os interesses de Renan com os de Dilma também existia com Eduardo Cunha e só foi rompido quando o PT decidiu votar contra o presidente da Câmara no Conselho de Ética. A disposição de Renan está intrinsecamente liga às evoluções de Janot na Operação Lava-Jato.

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