- Folha de S. Paulo
Foi horrível o discurso de posse de Donald Trump. Sem nem se dar ao trabalho de ser magnânimo na vitória (o que não é muito difícil), ele apelou para o nacionalismo mais tacanho. É tentador ver aí apenas mais um defeito do novo presidente norte-americano.
O fato incômodo, porém, é que Trump só exacerba o excepcionalismo americano, uma combinação de visões e narrativas que designam um papel especial para os EUA no mundo, que faz parte do DNA do país e temperou as ações de todos os presidentes desde George Washington.
É claro que, em algum grau, todos os povos têm um quê de etnocentrismo. Quando não inventam histórias épicas sobre si mesmos, ao menos contam piadas que os colocam acima de seus vizinhos. Mas os EUA levaram isso ao paroxismo.
Já os puritanos que fundaram o país gostavam de descrevê-lo como o Novo Israel, que teria um entendimento especial com o Criador. Fora da teologia a coisa não era menos exagerada. Abraham Lincoln, por exemplo, dizia que a missão especial dos EUA era assegurar que "o governo do povo, pelo povo e para o povo não pereceria da face da terra".
Em nome do desígnio especial de levar a democracia e a liberdade a todos os povos da terra, diferentes governos americanos intervieram nos mais diversos países do mundo, algumas vezes de fato levando liberdade, mas, num número provavelmente maior de ocasiões, suprimindo-a.
Bush, o Jovem, chegou a ensaiar um arrazoado pelo qual o excepcionalismo americano isentava o país de submeter-se às leis internacionais na invasão do Iraque.
O excepcionalismo de base etnocêntrica é um pouco como a autoestima. Em doses módicas, é fundamental para forjar uma psique saudável, mas, quando excessiva, acaba produzindo personalidades narcísicas ou mesmo psicopatas. Trump não pode ser diagnosticado como alguém com problema de baixa autoestima.
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