- Valor Econômico
• Corrupção e crise econômica estão diretamente ligadas
Representantes de segmentos da sociedade civil organizada contrários ao governo federal começavam a estruturar um plano de ação para fragilizar o presidente Michel Temer, quando um acidente de avião vitimou o relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Por enquanto, a oposição não conseguiu mobilizar multidões que criassem embaraços ao avanço do projeto político e econômico gestado no Palácio do Planalto - uma das principais preocupações do governo, que não se notabiliza por sua popularidade. Agora, a dúvida entre governistas, líderes do PT e demais partidos da esquerda é se a percepção da população em relação à condução da escolha do substituto do ex-ministro Teori Zavascki pode ser capaz de mudar esse cenário de aparente tranquilidade.
Pesquisas de opinião pública produzidas para consumo da Presidência da República, no fim do ano passado, apuraram que eleitores de todo o país estavam "nitidamente" satisfeitos com a continuidade da Lava-Jato. Havia a percepção de que o governo Temer não estaria interferindo nas investigações e teria dado liberdade para a continuidade dos trabalhos, embora não promovesse ações diretas de combate à corrupção. Tais constatações, concluíam as sondagens, ajudariam a desfazer o temor de que o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff serviria para estancar a operação.
Os entrevistados destacavam, ainda, que a recuperação da atividade é uma das principais missões da administração Michel Temer, e citavam que a corrupção é o maior obstáculo ao desenvolvimento do país e a principal causa da atual crise econômica.
Depois de fracassar na tentativa de consolidar a imagem de que o processo de impeachment enterraria as investigações da Lava-Jato, a oposição passou a preparar já para o primeiro trimestre um conjunto de manifestações concentrando seus gritos de guerra contra as reformas previdenciária e trabalhista, além da emenda constitucional que limitou o crescimento de gastos públicos. Uma das apostas das lideranças de centrais sindicais e movimentos sociais ligados aos partidos de esquerda é convencer a população em geral que um teto para os gastos públicos reduzirá a capacidade do Estado de prover serviços de qualidade, justamente a principal demanda de milhares de cidadãos que ocuparam as ruas do país em meados de 2013.
Naquele ano, aumentos de tarifas de transporte públicos serviram de estopim para um movimento nacional que passou a cobrar melhores serviços públicos. Anos depois, a população ainda tem motivos para estar insatisfeita.
Centenas de prefeituras estão em dificuldades, atrasam salários e estão com problemas para executar suas tarefas e respeitar compromissos. Algumas já anunciaram reajustes das tarifas de ônibus e metrô, outras pretendem fazer o mesmo ou brigam na Justiça para levar a medida adiante. Os índices de criminalidade crescem país afora e uma crise penitenciária evidenciou a incapacidade de o Estado lidar com facções criminosas altamente organizadas. Não bastasse, enquanto o país se preparava para mais um ano de combate às doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, aumentam a cada dia os casos de febre amarela em diversas unidades da federação.
Na volta do recesso parlamentar, o governo entrará no debate público sabendo o que pensa o brasileiro sobre a PEC do gasto e as reformas que enviou ao Congresso no ano passado. Os entrevistados nessas pesquisas de opinião têm a visão de que investimentos em áreas essenciais ficarão "congelados" e, apesar de acreditarem que a alteração da Constituição foi feita para ajudar o país a sair da crise econômica e equilibrar as contas públicas, a população mais pobre será a mais prejudicada. Por isso, cobram primeiro o corte de salários e regalias da classe política.
A avaliação dos entrevistados sobre as reformas previdenciária e trabalhista também não é positiva. Os eleitores não têm muita informação sobre a atualização das regras que regem as relações entre trabalhadores e empregados, mas acreditam que se trata de uma iniciativa para reduzir direitos com o objetivo de beneficiar os patrões.
As pesquisas que chegaram às mãos dos auxiliares de Temer demonstraram ainda que a população compreende o risco de o aumento do déficit do sistema previdenciário comprometer futuras aposentadorias, vendo na reforma uma tentativa do governo de elevar a idade mínima e corrigir distorções e irregularidades. Mesmo assim, prevalece o entendimento de que há injustiças no tratamento dado a diferentes setores da sociedade - e os políticos são novamente citados com beneficiados.
Enquanto diversas autoridades evitavam falar em público sobre o destino dos processos da Lava-Jato antes de concluídas as homenagens a Teori, o presidente Michel Temer se antecipou e declarou que não indicaria o substituto do ministro antes de a presidente do STF, Cármen Lúcia, definir quem assumiria a relatoria do caso. A própria ministra toma cuidado para equilibrar-se entre quem quer dar a homologação das delações da Odebrecht como um fato consumado e os que temem uma paralisação dos procedimentos tocados pelos juízes auxiliares de Teori.
Um passo em falso em relação à Lava-Jato, porém, pode estimular uma nova onda de críticas ao Palácio do Planalto e à base aliada, essencial à aprovação das reformas que começarão a ser debatidas no Congresso em fevereiro. Será danoso para o governo se a grande maioria da população questionar a sua disposição de levar as investigações adiante. Pior ainda se esse sentimento contaminar a credibilidade do Executivo em relação à capacidade de recuperar a economia, afundada na recessão. Afinal, para a maior parte da população, a corrupção e a crise econômica estão diretamente ligadas.
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