- O Estado de S. Paulo
“Desse momento em diante, será América primeiro. Todas as decisões sobre o comércio, a tributação, a imigração, assuntos externos, serão tomadas para beneficiar os trabalhadores americanos e as famílias americanas. Temos de proteger nossas fronteiras da devastação que outros países causaram ao produzir nossos produtos, roubar nossas empresas, destruir nossos empregos. Proteção trará maior prosperidade e força (…). América começará a vencer novamente, a vencer como nunca antes (…) E, sim, juntos faremos América great again.”
“Primeiramente, vocês querem empregos, certo? Esse é o único e principal objetivo (…) – trazer empregos para todos. Esse país pertence a nós e temos de lutar para mantê-lo assim. Para que a América seja great again, precisamos que a classe média revolucionária triunfe (…) Temos de purgar o país de todos os elementos e ideias que hoje infestam nosso país. América para os americanos!”
Proponho um desafio aos leitores. Como muitos devem ter acompanhado, a primeira citação é do discurso de posse de Donald Trump. Mas, e a segunda? Seria de algum de seus inúmeros rallies de campanha? Ou talvez do tour da vitória depois das eleições de novembro?
Como era de se esperar, Trump iniciou seu mandato com um discurso populista, nacionalista, protecionista. Quem imaginava que a retórica de campanha era apenas um punhado de palavras vazias enganou-se tanto quanto os que previram derrota Trumpista. Nos últimos dias, muitos comentários vi no Brasil de gente questionando qual o problema de Trump falar, e repetir, que será a América em primeiro lugar – não seria isso, afinal, o que todo líder quer para sua nação, seus interesses primeiro? Sim. E não. Não porque os EUA não são nação qualquer, mas a maior economia do planeta, o país cujo posicionamento geopolítico tem a maior influência sobre a ordem mundial.
Não à toa, todos os presidentes americanos do pós-guerra – todos – salientaram em seus discursos de posse o compromisso com seus aliados mundo afora, com a manutenção da ordem global, com a sustentação da economia mundial como algo que a todos interessa. Trump nada disse sobre a prosperidade global como algo que interessa aos EUA. Trump repudiou o mundo ao acusar a devastação causada por países que destroem empregos e roubam indústrias. Trump disse que proteção trará prosperidade.
Há muito o que dissecar sobre a integração global e seus efeitos nas economias maduras. Há tanto quanto o que dissecar sobre o advento de novas tecnologias e seus efeitos sobre a indústria tradicional, o encolhimento da economia do rust belt americano, o achatamento da classe média nos EUA. Algo, entretanto, está comprovado há tempos: o protecionismo não é o caminho nem para o resgate desses empregos, nem para a prosperidade. Os resultados do isolacionismo brasileiro estão aí para mostrar a falácia desse pensamento simplório. O protecionismo é reducionista, não expansivo. O protecionismo americano propalado por Donald Trump na melhor das hipóteses haverá de piorar as condições de vida dos “homens e mulheres esquecidos”. Na pior das hipóteses – porque o Brasil apequenado não é a América – levará à percepção de que a maior potência do planeta já era. Os vácuos serão preenchidos, aumentando as incertezas sobre os rumos da economia mundial diante da ausência de líderes com visão clara.
Os mercados, até recentemente, acreditavam, não sem alguma ingenuidade, que Trump faria bem para a economia americana, promoveria o crescimento por meio de cortes de impostos e mirabolantes planos de infraestrutura. Ignoraram o protecionismo e o nacionalismo, relegando-os à categoria de meros instrumentos retóricos de campanha. Pois foi sobre o protecionismo e o nacionalismo que Trump discursou em seu primeiro pronunciamento. Nada disse sobre o resto.
Líderes como Trump são velhos conhecidos na América Latina e na literatura. A segunda citação é de Nathanael West, em A Cool Million, romance publicado em 1934. Quem discursa é o líder populista Shagpoke Whipple em um rally de campanha. Whipple, Trump. A vida de fato imita a ficção.
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