Decisões sobre recursos de acusados mostram que há divergências entre os ministros do STF que poderão assumir a relatoria da Lava-Jato. Dos cinco que integravam a 2ª Turma, os que mais rejeitaram contestações foram Celso de Melo e Cármen Lúcia.
Uma Corte divergente
• Ministros de turma do STF de onde deve sair relator da Lava-Jato têm atuação diferente no tema
André de Souza | O Globo
-BRASÍLIA- O provérbio “cada cabeça, uma sentença” se revelou verdadeiro na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável por julgar processos da Lava-Jato e de onde deverá sair o novo relator da operação após a morte do ministro Teori Zavascki, na última quinta-feira em acidente de avião em Paraty (RJ). Da análise de 32 casos divulgados publicamente em que investigados recorreram ao STF contra decisões do juiz federal Sérgio Moro — responsável pelos processos da operação na primeira instância —, é possível notar que cada ministro teve uma atuação diferente. Alguns, como Cármen Lúcia e Celso de Mello, foram mais duros com os investigados. Por outro lado, os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e o próprio Teori foram mais favoráveis aos pedidos dos réus.
Os 32 casos abrangem habeas corpus e reclamações. A reclamação é um tipo de ação bastante usada pelos acusados da Lava-Jato para contestar decisões de Moro. O número de decisões sobre a Lava-Jato na Segunda Turma, no entanto, pode ser maior. O GLOBO pediu ao STF informações sobre todos os processos da LavaJato relatados por Teori Zavascki, mas a Corte não deu qualquer detalhamento.
Entre os investigados que recorreram ao STF há políticos, ex-funcionários da Petrobras, doleiros, executivos e ex-executivos de empreiteiras que tinham contratos com a estatal. Os pedidos mais comuns são a revogação de prisão preventiva e a suspensão de processos que tramitam na primeira instância.
Além de Teori, apenas dois ministros integraram a Segunda Turma desde o início da análise dos casos da Lava-Jato: Celso de Mello e Gilmar Mendes. Enquanto esteve à frente do caso, Teori negou 19 pedidos e aceitou parcialmente 13. Com a morte dele, na semana passada, está indefinido o destino da Lava-Jato no STF. Além dos recursos contra decisões de instâncias inferiores, há três ações penais e 40 inquéritos abertos no tribunal contra autoridades com foro privilegiado, como parlamentares e ministros.
Celso de Mello, o mais antigo integrante do STF, negou 22 pedidos e aceitou parcialmente três. Ele também foi o que mais se ausentou: sete vezes. Gilmar Mendes, que sempre integrou a turma desde o começo da Lava-Jato, negou 12 pedidos, aceitou um, aceitou parcialmente outros 15 e se ausentou três vezes. Em um caso, julgado em 24 de fevereiro de 2015, Gilmar foi a favor de analisar um habeas corpus do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, mas a maioria da Segunda Turma negou o pedido sem sequer analisar o mérito da questão. Assim, não é possível dizer se ele foi a favor ou contra a liberdade do investigado.
Cármen Lúcia participou da Segunda Turma até 6 de setembro do ano passado. Depois disso, assumiu a presidência do STF. Enquanto atuou na turma, foram julgados 30 dos 32 casos. Ela negou 24, e aceitou parcialmente quatro, ou seja, nestes quatro casos foi favorável a revogar a prisão dos investigados, mas substituindo-a por medidas cautelares, como prisão domiciliar, uso de tornozeleira eletrônica e entrega do passaporte. Em outros dois julgamentos, ela esteve ausente.
Cármen trocou de lugar com Ricardo Lewandowski, que deixou a presidência do STF e, em 13 de setembro, passou a integrar a Segunda Turma. De lá para cá, o GLOBO identificou dois casos julgados: uma reclamação do doleiro Adir Assad, que queria ser solto, e outra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tirar de Moro os processos contra ele. Nos dois casos, Lewandowski seguiu o relator e a maioria da Segunda Turma, negando os pedidos.
Desde que Toffoli entrou na Segunda Turma, houve 23 casos julgados. Ele negou sete, aceitou 14 parcialmente, e se ausentou em duas ocasiões. Entre 9 de setembro de 2014, quando Lewandowski encerrou sua primeira passagem pela Segunda Turma para assumir a presidência do STF, e 17 de março de 2015, quando Toffoli deixou a Primeira Turma para assumir um posto na Segunda, houve apenas quatro ministros trabalhando no colegiado. O normal são cinco.
O motivo do desfalque foi a demora da então presidente Dilma Rousseff para indicar o substituto do ex-ministro Joaquim Barbosa, que havia deixado o STF em 2014. Somente em 14 de abril de 2015 Dilma apontou o ministro Edson Fachin, que passou a fazer parte da Primeira Turma no lugar deixado por Toffoli.
O levantamento do GLOBO considerou como casos diferentes um mesmo recurso que pudesse beneficiar mais de uma pessoa. Isso porque, dependendo da situação, o pedido de um investigado pode ser aceito, e o de outro recusado. Em 10 de fevereiro de 2015, por exemplo, a Segunda Turma revogou a prisão preventiva do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, substituindo-a por medidas cautelares. Em 17 de março, rejeitou estender a medida para quatro executivos da empreiteira OAS. Em todos os cinco casos, a decisão foi unânime, com Teori, Cármen e Gilmar votando da mesma forma. Celso estava ausente, e Toffoli ainda não integrava a Turma.
Em outras situações, a decisão aplicada ao autor original do recurso foi estendida a outros. Em 28 de julho, a Segunda Turma revogou a prisão preventiva do empreiteiro Ricardo Pessoa, da construtora UTC, e a substituiu por medidas cautelares. No mesmo dia, estendeu a medida para oito executivos de diversas empreiteiras.
Além dos casos julgados na Segunda Turma, o GLOBO localizou duas reclamações relatadas por Teori na Lava-Jato que foram julgadas pelo plenário do STF, composto por 11 ministros. Isso ocorreu por envolver a então presidente Dilma Rousseff e o então presidente da Câmara Eduardo Cunha. Pelos cargos que ocupavam, seus recursos só podiam ser analisadas pelo plenário, e não pela Segunda Turma.
No caso de Cunha, que hoje está preso em Curitiba, a defesa alegou que Moro conduzia indevidamente investigações contra ele, que, por ser deputado, só poderia ser julgado pelo STF. Assim, solicitava a anulação de alguns processos. Em setembro de 2015, Teori negou o recurso. A decisão foi mantida por unanimidade em outubro pelo plenário. Na ocasião, apenas os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello estavam ausentes.
A pedido de Dilma, Teori determinou em 22 de março de 2016 o sigilo das interceptações telefônicas de Lula e mandou que Moro enviasse ao STF os processos relacionados às gravações. Isso porque havia diálogos com a então presidente e outras autoridades com foro privilegiado. Em 31 de março, por maioria, o plenário referendou a decisão do relator. Posteriormente, Teori mandou de volta para Moro os processos contra Lula que não envolvessem autoridades com foro.
No caso de Dilma, além de Teori foram a favor do pedido da ex-presidente os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello. Outros dois ministros foram parcialmente vencidos: Luiz Fux e Marco Aurélio Mello concordaram em manter o sigilo das gravações, mas opinaram que só os processos envolvendo investigado com foro fossem enviados ao STF. O ministro Gilmar Mendes não participou do julgamento.
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